30 Março 2015
O Papa Francisco insiste na necessidade de recordar sempre que "somos peregrinos e que peregrinamos juntos" (EG 244). A condição peregrinante implica provisoriedade, precariedade, espera de metas novas, mas também requer algumas atitudes espirituais muitas vezes carentes nas nossas comunidades.
A análise é do teólogo italiano Carlo Molari, sacerdote e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo publicado na revista Rocca, n. 6, 15-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Em poucas linhas e com fórmulas muito simples, o Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii gaudium e em diversas circunstâncias recentes, indicou a todos os cristãos novas vias para o caminho rumo à unidade. Até agora, o percurso ecumênico se desenvolveu em formas autônomas e independentes, muitas vezes até segundo modalidades de contraposição.
Cada comunidade, recordando o próprio passado, pôs-se em diálogo para ser reconhecida na própria identidade e para realizar assim uma comunhão de vida com os outros cristãos. As circunstâncias atuais, segundo o Papa Francisco, requerem que o caminho seja feito "como uma contribuição para a unidade da família humana" (n. 245).
Nesse horizonte planetário, as diversidades entre as comunidades cristãs se tornam riquezas a se trocar com generosidade e ponto de partida para um programa comum de evangelização.
Para motivar essa nova via, ele se refere à condição de peregrinos e à urgência do anúncio evangélico no mundo inteiro, enquanto indica na "livre e generosa ação do Espírito" (n. 246) o fundamento teológico da possível e necessária convergência.
Peregrinos da paz
Ele insiste na necessidade de recordar sempre que "somos peregrinos e que peregrinamos juntos" (n. 244). A condição peregrinante implica provisoriedade, precariedade, espera de metas novas, mas também requer algumas atitudes espirituais muitas vezes carentes nas nossas comunidades.
Caminhar juntos, de fato, significa ir na mesma direção e ter o mesmo objetivo. Dados que exigem atitudes espirituais particulares. O papa os resume em fórmulas muito concretas: "Devemos abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar, acima de tudo, para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus" (n 244).
Esse não é um compromisso que possa ser configurado de uma vez por todas, burocrático e rotineiro, mas é pessoal, mutável segundo as circunstâncias, requer capacidade de relações novas e é obra de arte: "O abrir-se ao outro tem algo de artesanal, a paz é artesanal" (n. 244).
Consideradas desse modo, as riquezas doutrinais e experienciais das várias tradições são um fator unificante, apesar da diversidade com que são vividas e expressadas: "São tantas e tão valiosas as coisas que nos unem!" (n. 246).
Não só as "coisas comuns", mas também as diferenças nos unem, com a condição de que as consideremos dons do único Espírito, que alimenta a vida das comunidades cristãs: "Se realmente acreditamos na ação livre e generosa do Espírito, quantas coisas podemos aprender uns dos outros! Não se trata apenas de receber informações sobre os outros para os conhecermos melhor, mas de recolher o que o Espírito semeou neles como um dom também para nós" (n. 246).
As diversidades vistas desse modo tornam-se laços de comunhão e estímulo para novas metas: "Através de um intercâmbio de dons, o Espírito pode nos conduzir cada vez mais para a verdade e o bem" (n. 246).
Nas conversações inter-religiosas, até agora, o trabalho principal consistiu em relatos pontuais das diversas convicções doutrinais em um sincero esforço de comunhão. O trabalho necessário hoje diz respeito, ao contrário, a uma nova proposta comum no anúncio do Evangelho como "contribuição para a unidade da família humana" (n. 245).
Nessa perspectiva, somos convidados a começar de novo o caminho, com a consciência da insuficiência das nossas tradições. Daí a relativa importância da doutrina da fé como nos chegou nas fórmulas do passado. Relatividade não significa irrelevância, mas importância secundária e provisória.
O Papa Francisco concretizou de modo eficaz essa tarefa quando, ao falar com os novos cardeais, na homilia do dia 26 de fevereiro passado, indicou que: "Uma das maiores tarefas que os pastores da Igreja e o seu povo deve realizar" é "encontrar as palavras certas para expressar o que acreditamos".
A razão fundamental dessa necessidade é o fato do porquê a doutrina não é o primeiro dado, mas um derivado da experiência de fé nos diversos contextos históricos e culturais. O seu sujeito adequado é o povo fiel na sua inteireza.
Estruturas comuns de anúncio, serviço e testemunho
A meta surpreendente que o papa indica a todas as comunidades cristãs é "caminhar decididamente para formas comuns de anúncio, de serviço e de testemunho" (n. 246). O estímulo vem da consciência de que "A imensa multidão que não recebeu o anúncio de Jesus Cristo não pode nos deixar indiferentes. Por isso, o esforço por uma unidade que facilite a recepção de Jesus Cristo deixa de ser mera diplomacia ou um dever forçado para se transformar em um caminho imprescindível da evangelização. Os sinais de divisão entre cristãos, em países que já estão dilacerados pela violência, somam outros motivos de conflito vindos da parte de quem deveria ser um ativo fermento de paz" (n. 246).
O caminho para realizar essa meta é expressado em um duplo dinamismo: um doutrinal e um espiritual. O doutrinal requer que nos concentremos "nas convicções que nos unem" e na referência ao "princípio da hierarquia das verdades" (n. 246). Desse modo, dialogando juntos, somos transformados e nos enriquecemos uns aos outros.
A dimensão espiritual correspondente é a superação dos particularismos: "Para poder desempenhar eficazmente essa tarefa, é preciso evitar se fechar nos próprios particularismos e exclusivismos, assim como impor uniformidades segundo planos meramente humanos... O empenho comum em anunciar o Evangelho permite que se supere toda forma de proselitismo e a tentação de competição. Estamos todos a serviço do único e mesmo Evangelho!" (homilia na Basílica de São Paulo nas vésperas de encerramento da Semana de Oração).
O diálogo com a contemporaneidade
A essa luz, ganha destaque a proposta que o cardeal Giacomo Lercaro fez durante o Concílio Vaticano II e que a muitos, na época, pareceu estranha. Ela foi lembrada recentemente por Giuseppe Ruggieri, quando recordou que o arcebispo de Bolonha "propôs a 'pobreza cultural' da Igreja como novo estilo da sua presença no mundo contemporâneo".
Ele propunha, concretamente, que se abandonassem "as riquezas de um passado glorioso, mas talvez anacrônicas (sistemas escolásticos de filosofia e de teologia, instituições educativas e acadêmicas, métodos de ensino universitário e de pesquisa)", ou ao menos que não se "presumisse muito delas, não se orgulhasse delas e se confiasse nelas cada vez mais cautamente: elas podem não colocar sobre o candelabro, mas esconder debaixo do alqueire a lâmpada da mensagem evangélica".
Na sua opinião, de fato, a afirmação que a Igreja sempre fez de que querer identificar nem a si mesma nem a própria doutrina com um determinado sistema, com uma certa filosofia e teologia tinha sido até então uma distinção mais de jure do que de facto.
Ao contrário, para se abrir ao verdadeiro diálogo com a cultura contemporânea, a Igreja deve, ainda de acordo com Lercaro, "em espírito de pobreza evangélica, racionalizar e concentrar cada vez mais a sua cultura na riqueza do livro sagrado, do pensamento e da linguagem bíblica e voltar à tradição antiga dos bispos-teólogos que falavam a partir da própria experiência com Deus, favorecendo, ao contrário, o compromisso dos fiéis leigos na pesquisa científica na teologia" (Della fede. La certezza, il dubbio, la lotta, Roma: Ed. Carocci, 2014, p. 150 s.).
Em poucas palavras, o Papa Francisco traçou para todos os cristãos um novo caminho de testemunho.
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Os novos caminhos do ecumenismo. Artigo de Carlo Molari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU