05 Março 2015
Através do amor, a mística de Teresa d'Ávila – a sua feliz contemplação, a sua oração – se torna uma ação e cria uma dinâmica de onde brota a caridade.
A opinião é da romancista e jornalista francesa Christiane Rancé, em artigo publicado no jornal L'Osservatore Romano, 02-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É difícil resumir a espiritualidade de Teresa d'Ávila, de tão rica e sutil. Mas o que se pode dizer, para apresentá-la, é que ela encontra a sua força na ação. Teresa de Jesus elaborou uma mística que respondia às urgências e aos perigos do seu tempo, e que se articula em torno de três polos: a sua iluminada compreensão da Encarnação e daquilo que ela envolve como resposta; a sua invenção – como se diz da descoberta de um tesouro – do centro da alma como residência de Deus; e, por fim, a oração como operação amorosa sobre o mundo.
"O mundo está em chamas", escreve Teresa no primeiro capítulo do seu Caminho de perfeição. E o mundo, acrescenta, precisa de amigos fortes (amigos fuertes). Contra qual fogo Teresa d'Ávila quer agir? Aquele que devora Igreja por dentro, com as ideias novas da Reforma e de outras correntes de pensamento que contestam a Roma o seu dogma e a sua infalibilidade.
O que aconteceu é que a revolução copernicana destruiu as bases do mundo antigo e difundiu nas mentes daquele século XVI, o primeiro da era moderna, uma angústia geral: nem a Terra nem Deus são mais os centros de um universo eterno e incorruptível que girava ao redor deles.
Teresa varre magistralmente as interrogações que essa descoberta vertiginosa coloca para as mentes da época. O que importa se, por causa dessa teoria, Deus perdeu o seu lugar de residência? Basta buscar o divino como transcendência pura, como experiência interior, responde Teresa. O que importa, depois, se a Terra não é mais o lugar de um teocentrismo? Se Deus é tudo, se "a máquina do mundo tem, por assim dizer, o seu centro por toda parte e a sua circunferência em lugar algum", o centro do mundo está lá onde está o homem, e Deus nele.
A citação de Nicolau de Cusa retomada por Pascal não é uma alegoria; uma esfera de raio infinito, efetivamente, tem o seu próprio centro por toda a parte. Seja qual for o ponto em que se encontre essa esfera, de fato, se está a uma distância infinita da borda, e isso em todas as direções do espaço. Assim, Deus, por residir no centro secreto da alma, é sempre e inevitavelmente o centro do universo.
Essa é uma das fontes da espiritualidade teresiana: a descoberta do centro da alma. Tomás Álvarez, no Diccionario de Santa Teresa de Jesús, salienta a originalidade da madre sobre essa noção que vai se tornar uma linha mestra da sua obra-prima, O Castelo Interior. Esse centro da alma é "a sala principal, onde acontecem as coisas mais secretas entre Deus e a alma".
Lá, no seu centro, Deus continua morando e resplandecendo. É nesse centro que se celebra a união da alma com Cristo, nosso Senhor, diz Teresa, para que a sua relação com ele seja definitivamente estabelecida: "A alma está sempre com o seu Deus naquele centro de que falei".
Essa concepção, indubitavelmente singular, atrairia sobre ela as iras da Inquisição. Trata-se de "erro em filosofia, sonho e fantasia em teologia", decretam os juízes. Quanto à ideia de Deus que está nesse centro, ela é definida como uma heresia revoltante.
Essa é a resposta puramente genial de uma mulher que responde intuitivamente, a partir da sua alma, à angústia geral que a revolução copernicana gera. Assim, ela consegue manter a força de um divino pacificador.
Ela, que tem a vontade louca de devolver a Deus o seu lugar – de fazer com que a sua alma, se se unir a Deus, se torne novamente o centro do mundo –, consegue: a sua oração coloca novamente o mundo no olhar divino e Deus no centro do universo. Rezando, Teresa coloca novamente no seu lugar Cristo que vem.
Ironia do destino! Aquilo que quase fez com que ela fosse definida como herética pela Inquisição – a noção do centro da alma – é o que a torna tão necessária.
Teresa de Jesus foi canonizada pela santidade da sua vida, pela criação do seu Carmelo e pela sua irredutível fidelidade à Igreja. Mas o que a torna uma contemporânea nossa é essa invenção. Bem mais do que a abertura individual de uma alma perdidamente fiel a Deus, é aquela invenção que dá perpetuamente a Deus um futuro, não com um "penso, logo existo", mas com um "creio, logo Ele é". Desse modo, ela força o advento de um mundo do qual Jesus Cristo permanecerá como a inevitável medida.
Teresa d'Ávila compreendeu a atração pela matéria e as teorias contemporâneas dos seus semelhantes; daí a sua aversão à falsa erudição, à pretensão do saber e aos anseios do espírito nos seus conventos. "A alma não é o pensamento, nem a vontade é governada por ele, o que seria má sina. Disso se conclui que o proveito da alma não está em pensar muito, mas em amar muito", afirma.
Teresa se sentiu obrigada a amar o dia em que a visão de um crucifixo a fez entender, de repente, o quanto Deus a amava por ter lhe dado a própria vida na infâmia e na dor da cruz. Quanto a amava por ter se feito tão semelhante à sua criatura a ponto de se encarnar no ser mais fraco e mais humilde que existe, não em um príncipe, mas no filho de um carpinteiro da periferia da Palestina.
A partir daquele momento, ela compreendeu, num piscar de olhos, que nunca poderia acessar qualquer estado superior de fé sem uma plena consciência e sem uma plena experiência desse amor, através da fusão nele: ela se dá conta de que, para que Deus lhe responda, ela deve se comprometer de modo equiparável ao amor que a sua Paixão demonstrou.
Assim, a representação da humanidade de Cristo naquilo que ela teve de mais paroxístico – a Paixão – a abalava, e através dela e a partir dela que ela pode compreender plenamente o que era a loucura e o escândalo do cristianismo: a encarnação.
"Ninguém vem ao Pai senão por mim" (João 14, 6). Jesus é o rosto humano de Deus. Havia, talvez, uma metáfora melhor do que essa verdade, que Teresa assimilará como uma hóstia, ou seja, que a realidade de Deus, o seu ser é acessível só em Jesus e através de Jesus?
No Livro da Vida, ela escreve que Jesus é o verdadeiro livro onde ela descobriu todas as verdades. A visão avassaladora do corpo sofredor de Jesus também lhe revelou, de modo fulgurante, todas as promessas do mistério de Jesus homem-Deus e Deus-homem. A humanidade de Cristo oferece uma possibilidade de união, de comunhão e de unidade de amor.
Por meio de Jesus, a atração mútua entre Deus e a sua criação se formaliza. Quer pense na Paixão ou medite sobre esse mistério, o orante se encontra aos pés de uma escada que leva a Deus, uma escala como a de Jacó, uma escada de oração que deverá subir para alcançar a união divina, "onde nada é comparável com os prazeres da alma".
Daí a exortação de Teresa a rezar. A oração, segundo ela, é"uma íntima relação de amizade, um frequente entretenimento a sós com Aquele que sabemos que nos ama". É preciso rezar porque a oração é o momento central da criação religiosa da qual Jesus é o mestre. Rezar porque a oração é a linguagem da amizade, como o silêncio é a de Deus.
Teresa assegura, assim, a sobrevivência daquela formidável revolução teológica, teleológica e humana que é a encarnação. Rezar e ir em frente: ir adelante. O seu lema retorna nada menos do que 130 vezes na sua obra. Ir em frente no mundo e, ao mesmo tempo, penetrar no mais profundo de si mesmos. Não podemos "esperar entrar no céu sem antes entrar em nós mesmos", adverte.
O que a sua espiritualidade nos ensina? Agindo de amor, assim como se diz "de instinto", a irradiação infinita de cada um dos nossos atos se difunde na trama infinita do mundo. Através do amor, a mística de Teresa – a sua feliz contemplação, a sua oração – se torna uma ação e cria uma dinâmica de onde brota a caridade.
De fato, o que seria o Amor se se contentasse consigo mesmo? Se não fosse dado à luz pela caridade? Se não se encarnasse, por sua vez, no amor ao próximo? Não seria nada. Não seria nada mais do que uma especulação vazia, o contrário mesmo da espiritualidade de Teresa, que é uma mística da ação amorosa.
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Teresa d'Ávila, uma resposta às urgências e aos perigos do seu tempo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU