02 Fevereiro 2015
Foi uma novidade tal que recorreu à uma “prova geral” na véspera. “Há 50 anos um verdadeiro e próprio trauma: pela primeira vez entrávamos numa igreja e o sacerdote olhava para nós e falava a nossa língua”, conta Gianfranco Svidercoschi, ex-vice-diretor do “Osservatore Romano”. Tinha vinte anos quando a agência de informação Ansa o enviou ao Vaticano para documentar o Concílio Vaticano II que havia assinalado uma virada decisiva na história da Igreja. De então até hoje uma longa carreira de jornalista o levou ao Osservatore Romano como vice-diretor e para escrever numerosos livros sobre os papas e sobre a vida da Igreja contemporânea como “Mal de Igreja, dúvidas e esperanças de um cristão em crise” e “O retorno dos clérigos, emergência da Igreja entre clericalismo e concílio”.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada por Vatican Insider, 31-01-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Você segue há mais de meio século os fatos do mundo religioso. Por que aos sete de março Francisco visitará a paróquia de Ognisanti sobre a via Apia?
Tem um significado especial a visita do Papa Bergoglio à paróquia romana, a mesma onde, aos sete de março de 50 anos atrás, Paulo VI celebrou pela primeira vez em italiano, segundo as renovadas normas litúrgicas do Concílio Vaticano II.
Aos sete de março de 1965 o Pontífice Paulo VI vestiu os paramentos para celebrar a primeira missa em italiano. Um evento histórico. Foi o sinal da modernização de uma Igreja que queria estar ao passo com os tempos?
A celebração de Paulo VI foi tanto mais simbólica enquanto o Papa não celebrou a missa em São Pedro, mas numa simples paróquia na Apia Nova. Paulo VI era muito escrupuloso na atuação das reformas. Quando ainda estava em andamento o Concilio por ele guiado, entrou em vigor o documento sobre a liturgia. Primeiro foi necessária uma prova geral.
De que modo foi “provada” a reforma litúrgica?
Paulo VI mandou chamar um então jovem sacerdote vicentino, Gianni Todescato, que foi, depois, por quarenta anos pároco de Santa Chiara a Monte Mario, em Roma, e hoje é reitor na Igreja Sant’Agnese in Agone, na Piazza Navona. Era então conhecido como um bravo pregador e um inovador. O Papa Montini o convidou a fazer com ele a prova no Vaticano da missa nova. Tinha mudado a estrutura e era em italiano.
Qual foi o efeito?
Foi uma coisa excepcional. Hoje já duas gerações dão por descontado o pároco que celebra em italiano, mas antes o padre rezava em latim dando as costas aos fiéis que só podiam dizer “amém”. Entretanto as velhinhas rezavam o rosário, tanto que não entendiam a missa. Há cinquenta anos foi um choque: não era somente um modo diverso de rezar, mas de viver a fé. Pela primeira vez chegava a Bíblia nas leituras e o sacerdote recitava com o povo o Credo e o Sanctus.
Francisco está atuando o Concílio?
Sim. Em particular a Lumen Gentium, que é documento mais importante, aquele com o qual o Concílio havia dado a todos uma nova visão da Igreja, “Igreja mistério, Igreja povo de Deus, Igreja colegial”. São os temas que agora o Papa Bergoglio está desenvolvendo: Estamos numa virada: Francisco colocou-nos em mãos o Evangelho. Tudo está aqui. O resto é um adicional. Devemos sair da geladeira na qual nos colocamos por demasiados anos e começar a viver melhor a nossa fé. O Concílio representa verdadeiramente aquela bússola que devia representar? Não, temos a consciência de ter falhado em algo. Temos diante de nós um caminho a percorrer.
O que resta daquele momento?
Do Concílio chega tudo aquilo que hoje há de positivo na Igreja e nós o estamos vivenciando hoje: mudou o modo de rezar, de relacionar-se com Deus, com as outras Igrejas cristãs, e mudou o mundo. Há uma Igreja que se confronta com a modernidade. Tudo isto tem sido o Concílio.
A Igreja, do Concílio de Trento em diante, perdeu demasiado tempo percrutando as consciências, ao invés de fazer amadurecer as consciências. Há uma educação à liberdade, uma educação à responsabilidade, e isto é, creio eu, a tarefa fundamental da Igreja neste momento.
Pessoalmente, João XXIII me reaproximou da Igreja. Paulo VI, com seus pontos de interrogação e sua vontade de aprofundar me fez tornar-me um cristão que pensa. João Paulo I, que começou a desmontar o aparato de opulência da Igreja e, de certo modo, preparou a primeira chegada de um Papa não italiano depois de 500 anos, me deu a alegria de ser cristão. João Paulo II me fez entrar nas raízes polacas de uma religiosidade mais combativa e Bento XVI me fez reencontrar o sentido do Cristo que está dentro e acompanha a vida de quem crê. A Francisco, ao invés, basta segui-lo e te tornas cristão por força, também se não o és.
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As provas gerais de Paulo VI para a missa em italiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU