23 Janeiro 2015
Na última terça-feira, dia 20 de janeiro, na Mission Church, da Universidade de Santa Clara, em Santa Clara, Califórnia, o Cardeal Oscar Andres Rodriguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, Honduras, presidente da Caritas Internationalis e chefe do Conselho dos Cardeais, fez uma importante palestra sobre “O significado da misericórdia”.
A reportagem é de Jim McDermott, publicada pela America, 21-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Respondendo ao chamado frequente do Papa Francisco de que no coração do cristianismo encontra-se um clamor misericordioso, Maradiaga propôs que os católicos imaginassem a Igreja como uma “Igreja samaritana”, uma instituição que, assim como o Bom Samaritano, escolhe “curar as feridas daqueles que estão destruídos, feridos e prostrados, aqueles que caíram facilmente sob o poder dos que usam a violência”.
Um tal conceito, sustentou o cardeal, faz a Igreja voltar às suas primeiras fundações como uma “Igreja que está próxima das pessoas, encarnada e submersa na história existencial do homem, transformando o ministério deles em riqueza, e transformando suas fraquezas em seus pontos mais fortes”.
“A Igreja”, disse Maradiaga, “não está aqui para julgar, condenar, censurar ou rejeitar as quem quer que seja, mas para abraçar como num lar onde o amor reina para todos que precisam dele. Seguir a Jesus não significa participar de uma comitiva triunfante. Significa partilhar o seu amor misericordioso”.
Numa reflexão intrigante sobre o Vaticano II, Maradiaga propôs que o Concílio desenvolveu aspectos exteriores da Igreja como a sua liturgia, a participação dos leigos, a estrutura eclesial: “mudanças institucionais e funcionais”. Mas estas mudanças sozinhas “revelaram-se insuficientes, superficiais. Às vezes estas mudanças criaram novos problemas e crises, desnecessárias e profundas”, até mesmo uma “‘esquizofrenia’ em alguns cristãos”.
Ao focar a misericórdia, Maradiaga defendeu que, hoje, a Igreja está entrando numa “renovação profunda e global”, que anteriormente não se realizou, uma renovação de suas motivações fundamentais: “o porquê de sua organização e ação”. O objetivo do Papa Francisco, acrescentou, é ajudar neste sentido “até o ponto em que a mudança se tornar irreversível”.
A Igreja, sugeriu o cardeal citando o Papa Francisco, encontra a sua mais plena realização atuando como uma mãe: “A alegria da Igreja é dar à luz; a alegria da Igreja é sair de si mesma para dar vida. (...) Mesmo se ela esteja bem organizada, um organograma perfeito, tudo estando muito bem, mas faltando a alegria, a festa, a paz, ela se torna numa Igreja sem esperança, ansiosa, triste, uma Igreja que é mais uma solteirona do que mãe, e uma Igreja assim não serve, é uma Igreja de museu”.
Nestas abrangentes observações, Maradiaga descreveu o Sínodo dos Bispos sobre a família, ocorrido em outubro passado, como tendo sido “dois sínodos”: o sínodo da imprensa, que mostrou uma “intenção perversa de confundir opiniões, inventar respostas, imaginar soluções e exagerar as posições daqueles que se reuniram”; e o encontro dos bispos, onde um “sínodo carismático, sereno, cordial, repleto de unção e fé aconteceu”.
Quanto à discussão do Sínodo sobre os católicos divorciados e recasados em especial, Maradiaga insistiu que a questão da participação na Comunhão “nunca foi essencial”. O cerne da conversa dos bispos era, diferentemente, sobre o sentimento de que ninguém quer que as “realidades dos divorciados e das famílias rearranjadas” sejam um “impedimento para se viver e participar na vida abundante da Igreja; que a Comunhão Sacramental não é a única forma de se participar, ativamente, na dinâmica pastoral da comunidade paroquial”.
Ao citar novamente o Papa Francisco, Maradiaga deu uma grande risada quando lembrou que devemos “estar atentos para não transformarmos os departamentos paroquiais ou episcopais em ‘alfândegas’ (...) Muitas vezes somos os ‘controladores da fé’, em vez de sermos ‘facilitadores’”.
Uma reação semelhante se seguiu quando o cardeal deixou de lado o texto escrito para mencionar os comentários de Natal do Papa Francisco à Cúria. “É válido fazer referência ao último discurso do papa à Cúria Romana quando ele estava denunciando alguns males. Não só para a Cúria, mas também para cada um de nós (...) Para se ter uma boa saúde espiritual, é necessário fazer um exame de consciência, eu diria, sobre estes defeitos, ou talvez pecados, que podemos ter”.
Ao longo do dia, antes da palestra, o Cardeal Maradiaga participou de vários encontros com o clero local, com um grupo de mães imigrantes e com alunos da Universidade de Santa Clara. Para eles, não houve só uma sessão de perguntas e respostas, mas também um momento musical: o cardeal é um pianista e saxofonista com formação clássica.
De forma muito semelhante ao Papa Francisco, o cardeal mostrou, ao longo do dia, um notável frescor de espírito e pensamento. Após a sua fala, ele ficou uma hora sentado diante de centenas de pessoas reunidas, vestido com um terno preto simples. Mostrou-se gentio e aberto, sempre com um sorriso estampado no rosto.
Alguns de seus comentários mais provocativos, particularmente com relação ao lugar da homossexualidade na Igreja, mas também em relação ao capitalismo, à situação da juventude na América Latina e o martírio, vieram nesta conversa posterior à palestra. Nos próximos dias estarei publicando transcrições destes momentos, assim que o texto se tornar disponível.
A transcrição completa das falas do cardeal e o vídeo da palestra estarão disponíveis no site do Centro Markkula para Ética Aplicada, da Universidade de Santa Clara.
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Cardeal Maradiaga fala sobre misericórdia, divórcio, homossexualidade e os limites do Vaticano II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU