21 Janeiro 2015
Nesta segunda-feira, o Papa Francisco excluiu ir ao México antes de sua chegada em setembro aos Estados Unidos, e informou que não vai ir à fronteira entre os dois países, dizendo que isto acrescentaria muito tempo à sua viagem.
Embora a informação de sua ida aos EUA estivesse sendo mantida em segredo, o pontífice confirmou que estará visitando três cidades americanas, todas no litoral leste: Filadélfia, para um encontro promovido pelo Vaticano com as famílias; Nova York, em visita às Nações Unidas; e Washington, DC.
O pontífice não mencionou, mas é sabido que sua parada em Washington incluirá um discurso para uma sessão conjunta do Congresso.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 19-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Francisco expressou pesar pelo fato de que uma parada na fronteira mexicana não esteja nos planos de sua primeira viagem aos EUA – e não só como papa, mas de toda a sua vida.
“Entrar nos Estados Unidos a partir da fronteira com o México seria uma coisa linda, um sinal de fraternidade e ajuda aos imigrantes”, disse.
O pontífice fez este e outros comentários durante sua coletiva de imprensa abordo de avião que o trouxe a Roma vindo do Sri Lanka e das Filipinas, por onde esteve em viagem entre os dias 12 e 19 de janeiro.
O ponto alto de sua viagem ocorreu no domingo, quando Francisco atraiu a maior multidão na história de um evento papal, com uma missa em Manila em que participaram de 6 a 7 milhões de pessoas, todas enfrentando forte chuva e vento decorrentes de uma tempestade tropical.
Tornou-se habitual Francisco conceder uma coletiva de imprensa em seu voo de volta no caso de viagens internacionais, com a versão desta segunda-feira durante quase uma hora. Como sempre nestes ambientes, o pontífice falou italiano.
Em resposta a uma pergunta sobre as famílias, Francisco não sinalizou mudança alguma no controle de natalidade, afirmando categoricamente que a “abertura à vida”, ou seja, abster-se de usar métodos contraceptivos, “é uma condição do sacramento do matrimônio”.
Além disso, ele instou os católicos a praticarem a “paternidade responsável”, dizendo haver formas de limitar os nascimentos sob formas que a Igreja aprova e que seguir os ensinamentos da Igreja não significa ter filhos “um atrás do outro”.
“Ser um bom católico”, disse ele, não significa “procriar como coelhos”.
Francisco também opôs-se à forma como os países desenvolvidos encaram as pressões econômicas e políticas de redefinição de família ou mistura dos papéis de homem e mulher, chamando esta situação de uma intrusão “colonial” contra o direito de cada cultura tomar estas decisões por si mesma. Ele comparou esta “colonização ideológica” à propaganda nazista.
Sobre outros assuntos, o Papa Francisco:
• disse que vai, provavelmente, canonizar um novo santo americano: Junípero Serra, missionário franciscano de origem espanhola que ajudou a plantar a Igreja na Califórnia durante a sua estada em Washington;
• esclareceu as suas recentes observações sobre os ataques ao jornal Charlie Hebdo, dizendo que ele estava pedindo “prudência” ao se falar sobre crenças religiosas; caso contrário, corre-se o risco de provocar uma reação que ainda continua sendo “injusta” e “errada”;
• confirmou que planeja visitar a África no final de 2015, e que “hipoteticamente” os dois países seriam a República Centro-Africana e Uganda.
• explicou duas viagens à América Latina – uma este ano, que o levará a Bolívia, Equador e Paraguai; e outra em 2016, envolvendo a sua terra natal Argentina bem como paradas no Chile, Uruguai e, possivelmente, Peru.
• disse que provavelmente não estará presidindo a cerimônia de beatificação de Dom Oscar Romero, herói salvadorenho que o Vaticano recentemente declarou mártir, já que é uma outra autoridade vaticana quem está lidando com este último passo antes da santidade;
• negou que esnobou o Dalai Lama em dezembro por medo de enfurecer a China, descreveu o fato de os dois líderes não se encontrarem como uma questão de protocolo e disse que “estamos em contato (...) estamos abertos”.
A viagem aos EUA
Ainda que fosse amplamente sabido que Francisco estava planejando visitar a Filadélfia, Nova York e Washington em setembro, a informação do Vaticano até agora era a de que nada é oficial até que uma programação definitiva para uma viagem seja divulgada.
Na segunda-feira, no entanto, Francisco evitou se esquivar e empregou uma linguagem direta: “São estas três cidades”.
Alguns especularam que, sendo Junípero Serra um missionário que atuou na Califórnia, Francisco poderia fazer uma parada no litoral oeste para a cerimônia de canonização. O pontífice disse: “Eu gostaria de ir à Califórnia”, mas não será desta vez ainda.
Francisco falou que Washington é um lugar adequado para a cerimônia, já que há uma estátua do missionário na Rotunda do Capitólio, e implicou que ele irá presidir a missa no Santuário National da Imaculada Conceição.
Quanto a uma possível visita ao México, Francisco falou que a logística e a distância tornam esta ida muito improvável, especialmente porque ele se sentiria obrigado a ir até o famoso santuário de Nossa Senhora de Guadalupe.
“Ir ao México sem visitar a Nossa Senhora seria impensável”, disse, brincando que iria “irromper uma guerra”.
Controle de natalidade
Francisco deixou claro que nenhuma mudança doutrinal está em curso. Entre outras coisas, descreveu o Beato Papa Paulo VI, quem delineou a posição tradicional da Igreja no documento Humanae Vitae, 1968, como “profético”.
“Ele viu um neomalthusianismo universal ganhando terreno”, disse Francisco, referindo-se à ideia de se limitar o tamanho populacional.
[Nota: Precursor em demografia, Thomas Malthus previu que a população humana iria crescer em proporção geométrica, produzindo uma massa de famintos e uma eventual anarquia, caso não fosse controlada. O termo neomalthusianismo é, portanto, usado para se referir aos movimentos contemporâneos de se cercear a fertilidade.]
Ao citar a Itália e a Espanha, países com índices de natalidade historicamente baixos, Francisco disse que Paulo VI estava correto.
Estas observações do papa vieram após uma sessão com as famílias em Manila, na sexta-feira, na qual ele também proferiu uma fala em defesa de Paulo VI e da proibição do controle de natalidade.
No entanto, Francisco foi igualmente claro que rejeitar a contracepção não significa ter filhos à toa. Pelo contrário, convidou os católicos a abraçarem o que chamou de “paternidade responsável”.
Para ilustrar o que estava dizendo, Francisco disse que recentemente se encontrou com uma mulher em uma paróquia romana, grávida pela oitava vez. Todos os seus filhos anteriores nasceram via cesariana.
O pontífice disse que esta decisão de se tornar grávida de novo era “desafiar o destino”.
“Você quer deixar sete crianças órfãs?”, perguntou o papa a ela. “Você não pode dizer simplesmente: ‘Confio em Deus’, pois ele lhe deu métodos para ser responsável”.
Francisco pareceu preferir as formas aprovadas pela Igreja de redução das chances de gravidez, com o método mais conhecido como “Planejamento Familiar Natural”.
“Existem grupos matrimoniais, existem especialistas neste assunto, há pastores que se pode buscar”, disse o papa. “Conheço muitas formas, muitas maneiras lícitas e que têm ajudado”.
Colonialismo e “teoria de gênero”
Assim como os comentários sobre o controle de natalidade, a retórica do pontífice sobre o colonialismo também pareceu revelar um traço surpreendentemente conservador.
O termo apareceu primeiro na sexta-feira à noite em Manila, quando Francisco lamentou o que chamou de a “colonização ideológica” da família. Um porta-voz do Vaticano confirmou que a frase era uma referência, em parte, ao casamento gay.
Na segunda-feira, Francisco pareceu ter algo maior em mente. Como ele a descreveu, a frase se refere não só a um movimento em direção ao casamento homoafetivo, mas também à forma como toda uma visão de mundo está sento impingida nas culturas locais ao redor do mundo via pressão política e econômica.
Francisco falou que os bispos africanos se queixaram sobre esta forma de colonialismo durante o Sínodo dos Bispos de outubro sobre a família, e acrescentou que “eu vi [este colonialismo] por mim mesmo”.
Ele contou a história de um ministro de educação na Argentina que, certa vez, estava buscando um financiamento no intuito de construir escolas para os pobres. O financiamento foi-lhe oferecido, disse, mas com uma condição: a escola, pelo menos em suas séries finais, teria que usar um livro didático que ensina o que Francisco chamou de “teoria de gênero”.
Em linhas gerais, “teoria de gênero” é uma expressão usada no Vaticano para se referir à ideia de que a identidade sexual é socialmente construída, não determinada pela natureza ou criada por Deus, de forma que todos os comportamentos sexuais são, mais ou menos, iguais. Tornou-se um chavão pelos que aprovam a homossexualidade e outras formas de comportamento sexual não tolerado pela Igreja.
Dom Oscar Romero
Francisco pareceu concordar que a beatificação irá acontecer em breve, mas que ele não estará fazendo-a em pessoa.
“Normalmente, as beatificações são feitas pelo cardeal [que preside o departamento vaticano para os santos] ou um outro”, disse.
Quando a beatificação acontecer, ele previu que irá haver uma outra “guerra”, esta entra o Cardeal Angelo Amato (chefe da Congregação para as Causas dos Santos) e Dom Vincenzo Paglia (presidente do Pontifício Conselho para a Família) sobre quem irá conduzir a cerimônia.
Em tese, o serviço deve ser realizado por Amato, porém Paglia foi o promotor da causa de Dom Oscar Romero durante anos.
Charlie Hebdo
Francisco também falou sobre as suas declarações polêmicas da semana passada a respeito dos ataques em Paris, em que insistiu que a liberdade de expressão tem limites e fez uma comparação memorável com alguém insultando sua mãe e recebendo um soco na cara.
Francisco disse, na segunda-feira, que ele estava apenas tentando fazer uma observação prática. A agressão é “sempre mal”, disse, mas deve-se, não obstante, ser “prudente” sobre o quão longe se pode ir em provocar alguém.
O Dalai Lama
O pontífice pareceu ansioso para explicar que o fato de não ter havido um encontro dele com o Dalai Lama no mês passado enquanto o líder budista tibetano estava em Roma não foi um esforço para contentar a China.
A China reivindica o Tibete como parte de seu território, e há muito considera o Dalai Lama como um líder indigesto. Sempre que um líder político ou espiritual declina a se encontrar com ele, há a suspeita de que, de alguma forma, a China esteve envolvida.
São João Paulo II e Papa Bento XVI se encontraram com o Dalai Lama, no caso de João Paulo II foram oito vezes, geralmente sendo encontros privados. Especulou-se que Francisco e o Dalai Lama se encontrassem em dezembro, quando este último estava em Roma para um encontro dos ganhadores do Prêmio Nobel, porém a sessão jamais aconteceu.
“É protocolar da Secretaria de Estado não receber chefes de Estado, e pessoas neste nível, quando elas estão participando de um encontro internacional aqui em Roma”, disse Francisco.
“Vi alguns jornais dizerem que eu não o recebi por medo da China”, declarou, insistindo que “isto não é verdade”.
Francisco disse ainda que “estamos abertos” à ideia de uma audiência entre os dois líderes, e confirmou que o Dalai Lama lhe pediu um encontro.
“Onde o sol não brilha”
Em vários momentos durante a coletiva, Francisco mostrou o seu dom para empregar uma linguagem cheia de vida.
Por exemplo, sobre o assunto da corrupção, ele descreveu uma situação ocorrida loco após ter sido nomeado bispo na Argentina, quando duas autoridades do governo tentaram envolvê-lo num esquema de propina.
“Eu não sabia se chutava-os para onde o sol não brilha ou se me fazia de desentendido”, disse o papa. “Me fiz de desentendido”.
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Papa Francisco: Viagem aos EUA, controle de natalidade, colonialismo, América Latina e África, Dom Oscar Romero, Dalai Lama, e “onde o sol não brilha” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU