16 Janeiro 2015
A porto-riquenha Nora Álvarez lembra o dia de julho de 2014 em que atravessou Guacamayo, uma das maiores minas de ouro ilegais do mundo, em uma motocicleta. "Foi horrível. Onde antes havia selva virgem, agora havia um deserto de areia branca", lembra.
A reportagem é de Manuel Ansede, publicada pelo jornal El País, 15-01-2015.
Foram 15 quilômetros de travessia perigosa por uma paisagem apocalíptica de dunas incrustadas em florestas centenárias, com árvores de até 30 metros de altura.
Guacamayo fica na região amazônica peruana de Madre de Dios, apelidada com ironia por alguns de seus moradores de "Desmadre de Dios" [confusão, desordem de Deus]. Documentos do governo peruano calculavam em 2010 que cerca de 12 mil mineiros, um terço deles ilegais e muitos violentos, procuravam ouro em suas entranhas com a ajuda de escavadeiras. Madre de Dios é um dos epicentros da nova febre do ouro mundial, que se transformou em uma "ameaça para as florestas tropicais", segundo Álvarez, pesquisadora em ciências ambientais na Universidade de Porto Rico.
A mineração de ouro arrasou 1.300 quilômetros quadrados de selva desde o início da crise econômica em 2007, acaba de calcular a cientista porto-riquenha por meio de imagens de satélite. É uma superfície equivalente a mais de duas vezes a cidade de Madri. O estudo, publicado no último dia 13 na revista "Environmental Research Letters", detectou quatro pontos quentes que concentram 90% do desmatamento: as florestas úmidas guianenses, distribuídas por Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Venezuela (41%), a selva amazônica no sudoeste do Peru (28%), a região amazônica brasileira entre os rios Tapajós e Xingu (11%) e as florestas úmidas de Magdalena-Urabá na Colômbia (9%).
"Atualmente, a mineração de ouro é uma das principais causas de desmatamento em algumas das florestas tropicais mais importantes da América do Sul", denuncia Álvarez. Seu trabalho mostra que a destruição disparou desde o início da crise. Antes, entre 2001 e 2006, o desmatamento por causa do ouro afetou somente 377 quilômetros quadrados.
A própria pesquisadora aponta os culpados por essa nova febre do ouro: a maior venda de joias, sobretudo na China e na Índia, e a própria crise econômica, que levou os multimilionários a investir no metal amarelo como valor seguro. E essa maior demanda por ouro multiplicou seu preço. Em 2000, a onça de ouro (cerca de 31 gramas) custava US$ 250; em 2013 alcançou US$ 1.300.
A multiplicação por cinco do preço do ouro fez que hoje seja rentável extraí-lo mesmo do subsolo sob as selvas virgens mais remotas, explica Álvarez.
"O departamento peruano de Madre de Dios, uma das áreas com maior riqueza biológica da Terra, perdeu 400 quilômetros quadrados de florestas entre 1999 e 2012 devido à mineração de ouro", adverte seu estudo. Ali, "um hectare de selva pode abrigar 300 espécies de árvores", afirma Álvarez.
Madre de Dios, com 575 espécies de aves e batizada pelas autoridades de "a capital da biodiversidade do Peru", também deixou de ser uma região remota, graças à chegada da nova Rodovia Interoceânica, que conecta com o Brasil. "A construção dessa importante via terminará com o isolamento em que se encontra a região de Madre de Dios, por tanto tempo esquecida", afirma o Ministério de Transportes peruano.
Álvarez alerta que um terço do desmatamento por causa do ouro na América do Sul ocorreu a menos de 10 quilômetros de áreas estritamente protegidas - como os parques nacionais de Rio Novo (Brasil) e Bahuaja Sonene (Peru) -, envenenando-as com mercúrio, que é empregado para extrair o ouro da rocha. Essa poluição também afeta a saúde da população. Em Madre de Dios, um estudo da pesquisadora Katy Ashe, da Universidade Stanford (EUA), detectou em 2012 níveis elevados de mercúrio em pessoas que viviam a centenas de quilômetros das minas.
"Não gostaria de dar a impressão de que estou demonizando os mineiros. Muitos mineiros independentes que conheci, artesanais ou de pequena escala, estão dispostos a praticar uma mineração responsável com o meio ambiente e a sociedade", salienta a cientista ambiental porto-riquenha, que assina o estudo com seu colega Mitchell Aide.
Além disso, Álvarez lembra que apesar dos altos custos ambientais a mineração de ouro é importante para as economias de alguns países da América do Sul. Na Colômbia, o setor gera 140 mil postos de trabalho, segundo o Centro de Estudos e Documentação Latino-Americano, com sede em Amsterdã (Países Baixos). No Suriname, 60 mil pessoas vivem do ouro.
"Para reduzir o desmatamento que é feito com o fim de extrair ouro em florestas tropicais, é importante que os consumidores tenham consciência dos impactos ambientais e sociais de comprar joias de ouro ou investir em ouro", declara Álvarez.
Combate à mineração ilegal de ouro cria ''Serra Pelada''
Com a repressão à mineração ilegal de ouro, o local virou uma cidade-fantasma. Da população original de 22 mil habitantes, pouco mais de 3.000 ainda moram ali. A situação lembra a de Serra Pelada, no Pará, alvo da corrida do ouro na década de 80, que chegou a abrigar 80 mil garimpeiros. Acima, garoto brinca em um dos bancos de terra perto de uma cratera onde havia mineração ilegal de ouro em Huepetuhe, no Peru. Rodrigo Abd/AP
Acidentes em minas já mataram milhares pelo mundo
Em 1914, ocorreu o acidente em minas com o maior número de vítimas do Japão. Uma explosão na mina Mitsubishi Hojyo matou 687 pessoas. Fotos do período mostram que as condições de trabalho nas minas japonesas eram precárias. Reprodução/Wikipedia
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Nova febre do ouro arrasa 1.300 km2 de selva na América do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU