07 Janeiro 2015
Francisco não é um papa imprevisto, mas imprevisível, a ponto de fazer repensar, pouco a pouco, alguns cardeais que tinham estado entre os seus eleitores. Uma imprevisibilidade que perturba a tranquilidade do católico médio, habituado a deixar de pensar por conta própria, quanto a fé e costumes, e exortado a se limitar a "seguir o papa".
A opinião é do jornalista e escritor italiano Vittorio Messori, publicada no jornal Corriere della Sera, 24-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Acredito que é honesto admitir logo: abusando, talvez, do espaço que me foi concedido, o que eu aqui proponho, mais de um artigo, é uma reflexão pessoal. Ou, melhor, uma espécie de confissão que eu teria adiado com gosto, se não me tivesse sido solicitada. Mas, sim, adiada porque a minha (e não só minha) avaliação deste papado oscila continuamente entre adesão e perplexidade, é um juízo mutável dependendo dos momentos, das ocasiões, dos temas. Um papa não imprevisto: para o que interessa, eu estava entre aqueles que esperavam um sul-americano e um homem de pastoral, de experiência cotidiana de governo, quase para equilibrar um admirável professor, um teólogo refinado até demais para alguns paladares, como o amado Joseph Ratzinger. Um papa não imprevisto, portanto, mas que logo, desde aquele primeiríssimo "boa noite", revelou-se imprevisível, a ponto de fazer repensar, pouco a pouco, alguns cardeais que tinham estado entre os seus eleitores.
Uma imprevisibilidade que continua, perturbando a tranquilidade do católico médio, habituado a deixar de pensar por conta própria, quanto a fé e costumes, e exortado a se limitar a "seguir o papa".
Sim, mas qual papa? Aquele de certas homilias matinais em Santa Marta, das pregações de pároco das antigas paróquias, com bons conselhos e sábios provérbios, até mesmo com insistentes advertências para não cair nas armadilhas que o diabo nos prepara? Ou aquele que telefona para Giacinto Marco Pannella [político italiano do Partido Radical, n.d.t.], envolvido no enésimo e inócuo jejum e que lhe deseja "bom trabalho", quando, há décadas, o "trabalho" do líder radical consistiu e consiste em pregar que a verdadeira caridade está em lutar pelo divórcio, aborto, eutanásia, homossexualidade para todos, teoria de gênero e assim por diante?
O papa que, no discurso destes dias à Cúria Romana, se referiu com convicção a Pio XII (mas, na verdade, ao próprio São Paulo), definindo a Igreja como "corpo místico de Cristo"? Ou aquele que, na primeira entrevista com Eugenio Scalfari, ridicularizou aqueles que pensavam que "Deus é católico", quase como se a Ecclesia una, sancta, apostolica, romana fosse um opcional, um acessório a ser enganchado ou não, dependendo do gosto pessoal, à Trindade divina?
O papa argentino consciente, por experiência direta, do drama da América Latina, que está prestes a se tornar um continente ex-católico, com a passagem em massa daqueles povos ao protestantismo pentecostal? Ou o papa que toma o avião para abraçar e desejar bom sucesso de um amigo muito caro, pastor justamente em uma das comunidades que estão esvaziando a católica e, precisamente, com o proselitismo por ele condenado duramente nos seus?
Naturalmente, se poderia continuar com esses aspectos que parecem – e talvez realmente sejam – contraditórios. Poder-se-ia, mas não seria justo, para um crente. Este sabe que não se olha para um pontífice como para um presidente eleito da República ou como para um rei, herdeiro casual de outro rei.
Certamente, no conclave, aqueles instrumentos do Espírito Santo que, segundo a fé, são os cardeais eleitores compartilham os limites, os erros, talvez os pecados que distinguem a humanidade inteira. Mas a cabeça única e verdadeira da Igreja é aquele Cristo onipotente e onisciente, que sabe um pouco melhor do que nós qual é a melhor escolha, em relação ao seu temporário representante terreno.
Uma escolha que pode parecer desconcertante para a visão limitada dos contemporâneos, mas que depois, na perspectiva histórica, revela as suas razões. Quem conhece realmente a história fica surpreso e pensativo ao descobrir que – na perspectiva milenar, que é a da Catholica – cada papa, consciente ou não, interpretou a sua parte idônea e que, no fim, se revelou necessária.
Precisamente por essa consciência, eu escolhi, no que diz respeito a mim, observar, escutar, refletir sem me arriscar em pareceres prematuros, se não até temerários. Para nos remetermos a uma pergunta citada até demais fora do contexto: "Quem sou eu para julgar?". Eu que – assim como qualquer outro, apenas um excluído – certamente não sou assistido pelo "carisma pontifício", pela assistência prometida pelo Paráclito. E, para quem quisesse julgar, não diz nada a aprovação plena, várias vezes repetida – verbalmente e por escrito – da atividade de Francisco por parte daquele "papa emérito", embora tão diferente por estilo, por formação, por programa mesmo?
É terrível a responsabilidade daqueles que hoje são chamados a responder à pergunta: "Como anunciar o Evangelho aos contemporâneos? Como mostrar que o Cristo não é um fantasma desbotado e remoto, mas o rosto humano daquele Deus criador e salvador que a todos pode e quer dar sentido para a vida e a morte?". Muitas são as respostas, muitas vezes contrastantes.
Naquele pouco que conta, depois de décadas de experiência eclesial, eu também teria as minhas respostas. "Teria", digo: o condicional é obrigatório, porque nada nem ninguém me assegura de ter entrevisto o caminho adequado. Não correria o risco de ser como o cego evangélico, aquele que quer guiar outros cegos, acabando todos na fossa?
Assim, certas escolhas pastorais do "bispo de Roma", como ele prefere ser chamado, me convencem; mas outras me deixariam perplexo, me pareceriam pouco oportunas, talvez suspeitas de um populismo capaz de obter um interesse tão vasto quanto superficial e efêmero. Eu teria a observar algumas coisas a propósito de prioridades e de conteúdos, na esperança de um apostolado mais fecundo.
"Teria", "pensaria": no condicional, repito, como exige uma perspectiva de fé, em que qualquer um, mesmo leigo (lembra o Código canônico), pode expressar o seu pensamento, contanto que pacato e motivado, sobre as táticas de evangelização. Mas deixando ao homem que saiu vestido de branco do conclave a estratégia geral e, acima de tudo, a custódia do "depositum fidei".
Em qualquer caso, não esquecendo que o próprio Francisco lembrou justamente no duro discurso à sua Cúria: é fácil, disse ele, criticar os padres, mas quantos rezam por eles? Querendo também lembrar que ele, na Terra, é o "primeiro" entre os padres. E, portanto, pedindo, a quem critica, aquelas orações das quais o mundo ri, mas que guiam, em segredo, o destino da Igreja e do mundo inteiro.
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As dúvidas sobre a reviravolta de Francisco. Artigo de Vittorio Messori - Instituto Humanitas Unisinos - IHU