Por: Marilene Maia e Matheus Nienow | 19 Setembro 2016
O trabalho e a subjetivação do trabalhador vivem em um espaço de vulnerabilidades, que se acentuam com a crise econômica imposta no país e no Vale do Sinos. Pensando nisso, a Palestra O mundo do trabalho, os modos de vida dos trabalhadores e a saúde, que ocorreu no dia 15 de setembro, tematizou o processo histórico de constituição dos indivíduos como trabalhadores e os modos de vida dos trabalhadores na sociedade contemporânea do Vale do Sinos, do Brasil e do mundo.
Esta palestra compõe o I Ciclo de Estudos: Saúde e segurança no trabalho na região do Vale do Rio dos Sinos em sua 2ª edição. O objetivo do evento, que é promovido pelo Observatório da realidade e das políticas do Vale do Rio dos Sinos – ObservaSinos, programa do Instituto Humanitas – IHU, em parceria com a Confederação Nacional dos Metalúrgicos - CNM, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Leopoldo e o Centro de Referência da Saúde do Trabalhador da Região do Vale do Rio dos Sinos e Canoas - CEREST, é contribuir com um processo de formação em saúde e segurança no trabalho, em vista da sua melhoria na vida dos/as trabalhadores/as, no ambiente das empresas e no contexto da região do Vale do Sinos.
Para contribuir com esta discussão, esteve presente a Profa. Dra. Cleide Fátima Moretto, da Universidade de Passo Fundo - UPF. Cleide possui graduação em Ciências Econômicas pela UPF, mestrado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e doutorado em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo - USP. Além de professora titular III da UPF, contribui como líder do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre o Trabalho – Giest, e é docente permanente nos Programas de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano e Pós-Graduação em Ciências Ambientais.
Como pesquisadora, Cleide aponta que a vida dos trabalhadores sofre com o trabalho e no trabalho e mesmo que o trabalhador brasileiro tenha conquistado alguns direitos ao longo dos séculos atual e anterior, há um retrocesso nos anos mais recentes. Para ela, a crise econômica vigente abalou o sistema do mercado de trabalho que estava progredindo quanto aos direitos e qualidade de vida dos trabalhadores e ampliou o mercado de trabalho informal.
Como fator positivo, a professora pontua que existem espaços de discussão e ação que procuram representar os trabalhadores, como os sindicatos. Mas questiona o fato de que poucos setores conseguem se mobilizar na forma de sindicatos.
Neste cenário econômico adverso, o trabalho sem proteção social alguma é intensificado, uma vez que os trabalhadores buscam proteger a renda que advém do trabalho e, desta forma, sujeitam-se a vulnerabilidades, que se tornam mais presentes no cotidiano dos trabalhadores.
A informalidade e o trabalho temporário são apontados para Cleide como espaços de vulnerabilidade enquanto trabalhador, uma vez que o trabalho temporário não permite a visualização de perspectivas futuras aos trabalhadores e a informalidade é o espaço que mais agrega trabalhadores neste cenário de crise econômica. Nesta perspectiva, Cleide questiona: “Como fazer para não adoecer dentro desse cenário?”
Os desafios à saúde do trabalhador compõem discussão no cenário do capitalismo biocognitivo que vivenciamos, uma vez que as relações de trabalho e saúde dos trabalhadores são afetadas através do adoecimento físico e mental dos trabalhadores que se encontram em estado de precarização do trabalho. Isto resulta, em muitos cenários, em suicídio.
A pesquisadora aponta que, ainda que existam legislações de saúde e segurança nas empresas da região, por vezes ocorre a ruptura do processo de proteção com o apoio da terceirização. Esta terceirização profunda no país, que ainda pode ser ampliada, não protege os trabalhadores quanto à sua saúde e segurança. Assim, Cleide cita a realidade dos motoboys, que, em sua maioria, são terceirizados e desprotegidos socialmente. Os trabalhadores de telemarketing também foram citados, já que apresentam altas taxas de suicídio, devido à pressão que sofrem para atingir maiores níveis de ‘produtividade’ em seu trabalho.
Conforme a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 2.0, os setores com o maior número de acidentes de trabalho no Brasil foram: atividade de atenção à saúde humana (67.103), comércio varejista (64.960), fabricação de produtos alimentícios (48.265), transporte terrestre (30.317) e construção de edifícios (26.813).
Conforme dados do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, a professora aponta que os traumatismos representam a maior parte dos acidentes de trabalho no Brasil, em 2013. Apenas neste ano, foram notificados 176.308 traumatismos do punho e da mão, 79.677 traumatismos do tornozelo e do pé e 66.564 traumatismos do joelho e da perna. Os 7 acidentes de trabalho mais recorrentes são traumatismos de diferentes partes do corpo.
No Rio Grande do Sul, o maior número de acidentes de trabalho concentra-se nos municípios mais populosos e com maior presença de indústrias. Em 2013, Porto Alegre liderou o número de notificações, com 11.253, seguido por Caxias do Sul (5.119), Gravataí (2.065), Erechim (1.926) e Canoas (1.786).
Cleide ainda destaca que os trabalhadores dos setores de fabricação de alimentos encontram-se vulneráveis devido à exposição a produtos químicos e derivados. Apenas de janeiro a julho de 2016, a indústria de alimentos teve 1.398 ações fiscais no país, com 3.210 atuações. A agricultura obteve 2.752 atuações no mesmo período.
Cleide não apontou apenas o processo de terceirização, mas também o de quarteirização como uma vulnerabilidade ao trabalhador, que ocorre principalmente em montadoras. Além de ser terceirizado, o trabalhador passa para outro empregador, ‘emprestado’, sendo então quarteirizado. Isso “acaba com toda e qualquer tentativa de ação (em relação às vulnerabilidades do trabalho) porque você não consegue ter identidade em relação ao próprio trabalho”.
Ainda assim, Cleide permanece otimista quanto à oportunidade de tomar espaços de discussão como locais de ação, e aponta, além dos sindicatos, os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST como espaços potentes de afirmação e propõe que os trabalhadores façam a diferença neste processo de proteção. Assim, qual é o papel de cada sujeito na sociedade, para além de ser trabalhador, e de que forma o trabalho pode tornar-se espaço de proteção, saúde e segurança para o trabalhador?
Recentemente foi publicado o Dossiê Trabalho, saúde e medicina na América Latina, que compõe publicação semestral do Grupo de Trabalho “Mundos do Trabalho” e contribui com o debate acerca das condições de vida e saúde dos trabalhadores.
A Revista IHU On-line, intitulada “A volta da barbárie? Desemprego, terceirização, precariedade e flexibilidade dos contratos e da jornada de trabalho” também abordou a temática da precarização do trabalho em sua edição 484 a partir da contribuição de pesquisadores das diferentes áreas do trabalho.
Este evento foi gravado e está disponível através do canal IHU Comunica. A apresentação exposta pela ministrante Cleide também está disponível para acesso aqui.
O evento I Ciclo de Estudos: Saúde e segurança no trabalho na região do Vale do Rio dos Sinos termina no dia 23 de setembro com cerimônia de encerramento e entrega dos certificados a partir das 19 horas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo.
A racionalidade taylorista e sua atualização no século XXI. Entrevista especial com Ludmila Abílio
Nove consequências da nova lei da terceirização
Bioeconomia e capitalismo biocognitivo
O suicídio de trabalhadores. Os casos do Brasil e da França. Entrevista especial com Marcelo Finazzi
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A fragilidade e a ameaça à saúde e à segurança dos trabalhadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU