Por: Jonas Jorge da Silva | 03 Março 2018
“Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”. Essas palavras do Papa Francisco, durante o 2º Encontro Mundial com os Movimentos Populares, na Bolívia, em 2015, foram apresentadas como desfecho da apresentação de André Langer (FAVI), durante a abertura do ciclo de debates Da violência à paz: pedagogia da superação, ao abordar o tema Sociedade brasileira e violência estrutural, na noite de quinta-feira, 01 de março, em iniciativa promovida pelo CEPAT, em parceria com os Missionários Combonianos do Coração de Jesus, Paróquia Santa Amélia, do bairro Fazendinha, Curitiba-PR, e Cáritas - Regional Paraná, com o apoio do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Em sua abordagem, André Langer buscou ampliar o debate sobre a violência para temas estruturais que pouco são debatidos pela sociedade brasileira, apesar de impactar diretamente na vida das pessoas, principalmente na dos empobrecidos por um sistema que exclui e mata, tendo como marca principal a chaga da desigualdade social. Tal desigualdade resulta de um modelo de organização e de determinadas práticas sociais que passam a “um nível institucional e sistemático de produção e perpetuação de modos de vida violentos ou que geram a violência”, enfatiza Langer.
Debate sobre a sociedade brasileira e a violência estrutural (Foto: Viviane Aparecida F. de Lara Matos)
Langer destacou quatro grandes traços da violência estrutural, compreendida como um processo histórico de desigualdade de poder e de participação das maiorias pobres nas riquezas econômicas, sociais e culturais da sociedade em que vivem: 1) Violência política; 2) Violência do modelo de desenvolvimento; 3) Violência do sistema financeiro; 4) Violência da desigualdade social.
Embora de não imediata percepção pelas massas populares, decisões políticas e judiciais podem gerar um ciclo de violência inimaginável, gerando violações em grande escala e subjugando populações inteiras, desestabilizando a vida social. Exemplos recentes podem ser vistos no congelamento dos gastos públicos na área social por 20 anos, a reforma trabalhista e a terceirização, a anistia aos desmatadores, isenções tributárias para as parcelas mais ricas da população e arrocho tributário para os mais pobres, etc. Para citar alguns dos resultados nefastos de decisões políticas que açoitam os mais pobres, Langer lembrou que no Brasil quem ganha até dois salários mínimos paga 53,9% de impostos, ao passo que aqueles que ganham mais de trinta salários mínimos pagam apenas 29%. Em nosso país, o teto máximo da tributação sobre grandes heranças e doações é de 8%, um contraste tremendo se comparado aos 40% no Reino Unido, 55% no Japão e 60% na França.
Como parte de um mundo globalizado, capitaneado pelos ditames do mercado, o modelo de desenvolvimento brasileiro está assentado sobre o agronegócio, o hidronegócio e a mineração. De muitos modos e de forma contínua, este modelo exclui a diversidade cultural e os modos alternativos de organização da vida. Indígenas e quilombolas resistem, mas pagando um preço muito alto, vendo tombar muitos de seus membros. Pequenos agricultores são acossados e desestimulados a viver da terra e a produzir de forma saudável e sustentável. Nas cidades, sob a égide da especulação imobiliária e das grandes construtoras, à grande parte da população é negada uma moradia ou ao menos condições dignas de sobrevivência, já que o desenvolvimento e o investimento em infraestrutura só chegam aos que interessam ao mercado. Infelizmente, trata-se de um modelo de desenvolvimento que agride perversamente “os direitos humanos, sociais, econômicos e ecológicos”, aponta Langer.
André Langer enfatizou que, atualmente, 28 grandes bancos internacionais, coordenados entre si, dominam o mundo, a política, as democracias e as finanças. Influenciam não apenas no curso das finanças, mas também nas decisões tomadas pelos parlamentos. São grupos que agem diretamente sobre o mercado de câmbio e as taxas de juros. Seus efeitos nefastos ficam na conta dos Estados, ou seja, sob os ombros dos cidadãos. Em nome da dívida, populações inteiras são forçadas a viver na pobreza e na miséria. No Brasil, a maioria pobre tem sua vida administrada pelo sistema da dívida, que oprime as possibilidades de emancipação das pessoas, reféns de instituições espúrias, que lucram com as vicissitudes daqueles que lutam para sobreviver.
“A desigualdade é uma das questões mais complicadas e a causa estrutural da maioria dos problemas que vivemos. Nasce na sociedade com e devido ao modo pelo qual se produz e distribui riqueza e renda”, ressaltou Langer. Cabe lembrar que, no Brasil, “os seis maiores bilionários têm a mesma riqueza e patrimônio que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Langer também repudiou o discurso simplista da meritocracia, que ludibria a população, apontando que a acumulação de riqueza nas mãos de poucos ofusca as possibilidades de promoção social daqueles que vivem na pobreza.
Ao encerrar o debate, André Langer lamentou que, atualmente, em nossas leituras teológicas e eclesiais estejamos abordando pouco a dimensão do que a Igreja reconhece como pecado estrutural. Tal concepção favorece uma tomada de consciência acerca do modo como o mal se adentra em nossas redes de convivência: usos, normas, leis, valores ambientais, etc. Nas palavras do Papa Francisco: “Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, na qual o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia destrói a Mãe Terra!”. Poderíamos acrescentar que esta estrutura é violenta ao extremo e por isso, no espírito da Campanha da Fraternidade de 2018, precisamos superá-la.
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A violência estrutural na sociedade brasileira. Um debate - Instituto Humanitas Unisinos - IHU