08 Junho 2007
O 34° Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos, realizado na USP no mês de maio, discutiu as “Festas, ritos e celebrações” das grandes e pequenas cidades. Discutindo a questão neste evento, estava presente o doutor em ciências sociais José Guilherme Magnani. A IHU On-Line conversou com o professor Magnani por e-mail e abordou as diferenças desses eventos nos espaços rurais e urbanos, os simbolismos e a sociabilidade.
José Guilherme Magnani é graduado em ciências sociais pela Universidade Federal do Paraná. Concluiu seu mestrado sobre a escola latino-americana de sociologia na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, no Chile. Seu doutorado, na área de Antropologia Social, foi realizado na USP. Atualmente, é Professor Assistente Doutor da Universidade de São Paulo. É autor de Expedição São Paulo 450 anos: uma viagem por dentro da metrópole (São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 2004) e Festa no Pedaço: cultura popular e lazer na cidade (São Paulo: Ed. Unesp, 2003), entre outros títulos.
Confira a conversa.
IHU On-Line – Sob seu ponto de vista, quais são as principais diferenças entre as festas, ritos e celebrações das comunidades urbana e rural?
José Guilherme Magnani - Nas comunidades rurais tradicionais, as festas, ritos e celebrações estão ligadas, geralmente, a um calendário religioso ou a mudanças sazonais ditadas pelas tarefas agrícolas, como capina, plantio, colheita etc.
As comunidades urbanas são extremamente heterogêneas, por isso suas festas, ritos e celebrações se adaptam às tradições de cada espaço urbano. É o caso, por exemplo, do rapper que oito horas por dia é office-boy; do vestibulando que nos fins de semana é rockabilly (1); do bancário que só após o expediente é clubber (2); do universitário que à noite é gótico (3); do secundarista que nas madrugadas é pichador, e assim por diante.
IHU On-Line – Quais tipos de simbolismos presentes nas festas urbanas provêm do êxodo rural?
José Guilherme Magnani – Um bom exemplo para essa questão são as festas juninas. Na produção desse tipo de festas dentro das grandes cidades, há a rememoração de um estilo de vida que já não é possível manter no contexto urbano. Assim, produzimos uma festa, a partir do trabalho, de grupos de amigos, de clubes e sociedades, num espaço urbano com elementos que provêm dos grupos que saíram do campo, do espaço rural.
IHU On-Line - Que recorte o senhor fez que caracteriza, nas práticas culturais do segmento jovem urbano, circuitos típicos de uma cidade de grande porte?
José Guilherme Magnani – No meu recorte, eu percebi que os jovens que vivem no espaço urbano percorrem a cidade e estabelecem pontos de encontro que podem ser reconhecidos por aqueles que fazem parte do mesmo “pedaço”, em vários “circuitos” para troca de experiências, informações, fortalecimento de laços, ou simplesmente cultivar o “estar junto”.
IHU On-Line - Quais são os caminhos da metrópole hoje no que se refere à relação com o tempo e lazer hoje?
José Guilherme Magnani - Existem os equipamentos institucionais - academias, parques, quadras de esportes - com sua temporalidade e calendário específicos. E, ainda, existem aqueles espaços que a própria cidade, em sua configuração e diversidade, oferece, aos praticantes de skate e rappel, por exemplo.
IHU On-Line - Quais são os espaços das diferenças dentro dessa cidade grande?
José Guilherme Magnani - A própria cidade é o resultado das diferenças produzidas pela multiplicidade de atores sociais, tradições, regras e padrões de conduta.
IHU On-Line - Existem ou são mitos as tribos urbanas?
José Guilherme Magnani - Esse termo, apesar de popularizado pela mídia, não é apropriado; prefiro utilizar “grupos de jovens”. Uma análise das utilizações mais freqüentes da expressão “tribos urbanas” mostra que, na maioria dos casos, não se vai além do nível da metáfora. Assim, esse termo – a menos que seja empregado após um trabalho prévio com o propósito de definir seu sentido e alcance – não é adequado para designar, de forma unívoca e consistente, nenhum grupo ou comportamento no contexto das práticas urbanas. Pode constituir um ponto de partida, mas não de chegada, pois não constitui um instrumento capaz de descrever, classificar e explicar as realidades que comumente abrange.
IHU On-Line - E como o senhor analisa as diferenças entre a sociabilidade urbana da rural?
José Guilherme Magnani - A sociabilidade rural tradicional é baseada, principalmente, nos pertencimentos de laços de parentesco, nos vínculos de ajuda mútua para o trabalho e no compartilhamento de crenças. Na cidade, além desses elementos presentes no espaço rural, mas certamente modificados em razão de novos contextos, outros vínculos são criados, em razão de contatos com leque mais variado de possibilidades.
Notas:
(1) É um dos inúmeros gêneros do rock and roll. Tornou-se conhecido durante os anos 1950, devido a artistas norte-americanos. Durante aquela década, o gênero foi impulsionado por batidas atrativas, guitarras e contrabaixos acústicos que eram tocados usando a técnica slap-back (batendo nas cordas, ao invés de puxá-las individualmente).
(2) É um estilo derivado dos punks e dos internautas. Dos punks por serem radicais e dos internautas por serem futuristas. Os clubbers se vestem de uma maneira extravagante; em geral, é possível reconhecê-los pelas blusas coloridas, com personagens de desenhos japoneses, saias e calças coloridas, leggins, tênis coloridos.
(3) Gótico é mais que um rótulo ou conceito; é, ao mesmo tempo, um estilo de vida e uma filosofia que tem suas raízes no passado e no presente. Ignorando aqui referências históricas das tribos de bárbaros na Europa, gótico é uma subcultura, que começou nos anos 1970 na Europa e nos Estados Unidos, e aqui no Brasil em 1980. A cultura era composta de indivíduos de posturas incomuns, com uma insaciável curiosidade pela cultura, intelectuais e socialmente pouco aceitos na expressão de sua arte e de si mesmos, demonstrando, assim, seu desencanto do mesmismo da sociedade moderna. Os góticos sempre foram voltados aos movimentos musicais, literários e arquitetônicos, possuidores de um humor um tanto incompreendido, sendo, desse modo, difamados como depressivos, pois eles acham beleza e graça até nas coisas que, para uma sociedade comum, seriam tétricas. Os góticos são um tanto gauche.
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Festas e ritos: espaços urbanos e espaços rurais e suas diferenças. Entrevista especial com José Guilherme Magnani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU