03 Junho 2007
Depois da divulgação das conseqüências do aquecimento global no relatório do IPCC, o Greenpeace lançou sua pesquisa com as alternativas para reverter esse quadro. Com o nome de “Revolução Energética”, o relatório da organização não-governamental apresenta medidas que, se colocadas em práticas pelos governantes, podem trazer resultados positivos em até 50 anos. Assim, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, um dos coordenadores da campanha brasileira do Greenpeace, Ricardo Baitelo.
Na entrevista a seguir, Ricardo fala da pesquisa mundial e de como ela foi trabalhada aqui no Brasil, além de rever questões como a construção de Angra 3 e as usinas do rio Madeira. “A eficiência energética ela pode ser implementada imediatamente. Só precisamos ter um programa forte que dê ênfase a todos os setores, comercial, industrial e, principalmente, residencial que diminua o desperdício do consumo de energia”, relata Baitelo.
Ricardo Baitelo é formado em engenharia elétrica pela Escola Politécnica da USP. Na mesma universidade, concluiu o mestrado na área de eficiência energética. Atualmente, é coordenador da campanha de energia do Greenpeace Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Gerd Leipold (1) disse que o Brasil possui outras alternativas de energia barata e que a energia nuclear é um desperdício de dinheiro. Quais são as alternativas que o Greenpeace propõe para revolucionar a energia no Brasil?
Ricardo Baitelo – As alternativas principais hoje são as renováveis, divididas em energia eólica, energia solar e o aproveitamento hídrico. Nós acreditamos que esse aproveitamento deva ser feito por meio de pequenas centrais hidrelétricas e, principalmente, através da eficiência energética, que é a mais eficaz e a mais barata de todas.
IHU On-Line – E como essas alternativas podem ser implementadas no Brasil?
Ricardo Baitelo – A eficiência energética ela pode ser implementada imediatamente. Só precisamos ter um programa forte que dê ênfase a todos os setores: comercial, industrial e, principalmente, residencial. Isso deve acontecer para que diminua o desperdício do consumo de energia. Assim, será preciso, também, que se adotem práticas mais úteis em relação à iluminação, à ventilação, à refrigeração, enfim, a todos os usos finais.
IHU On-Line – E como o Greenpeace idealiza a economia da energia? As propostas do Greenpeace são economicamente viáveis do ponto de vista dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil?
Ricardo Baitelo – A eficiência energética é totalmente viável economicamente. Agora, se pensarmos em outros recursos, como energia eólica ou solar, devemos lembrar que elas ainda precisam de um incentivo do Governo Federal e de um tempo para desenvolvimento pleno, embora seu potencial seja enorme. Elas podem começar a ser aplicadas imediatamente, inclusive porque são mais baratas do que a implantação da Angra 3, no caso. Esse é o argumento do Greenpeace.
IHU On-Line – O que ainda não foi esclarecido sobre a aprovação de Angra 3?
Ricardo Baitelo – O que falta, realmente, é uma maior transparência, uma demonstração de todos os estudos, de viabilidade técnica, uma discriminação dos custos, que ainda não foram mostradas para a sociedade. Além disso, há ainda carência de uma garantia de como o governo suavizaria os impactos dos possíveis acidentes e como ele lidaria com todos esses riscos.
IHU On-Line – Os EUA e a Europa, por muitos anos, mantiveram uma forte exploração dos recursos naturais do mundo todo. Com toda a degradação do meio ambiente, aquecimento global, entre outros problemas, que tipos de políticas públicas devem ser organizadas para que o Brasil possa se desenvolver sustentavelmente?
Ricardo Baitelo – Eu acho que devemos bater na tecla da eficiência energética, do melhor uso da energia que nós possuímos. Hoje, por exemplo, temos enormes perdas de transmissão de energia. Uma usina é construída numa parte do Brasil e transmite a energia para outros locais, o que causa perdas enormes, que devem ser minimizadas. O desenvolvimento do incentivo a energias renováveis ainda está numa fase inicial, tendo apresentado vários problemas. Ele precisa ser turbinado, ser um pouco mais ousado, pois hoje tem metas muito tímidas, que, portanto, ainda não foram bem-sucedidas.
IHU On-Line – O que você chama de metas tímidas?
Ricardo Baitelo – O Proinfo, por exemplo, estipula que 3,3 gigawatts de energia alternativa entrem na matriz elétrica (que é de cem gigawatts). Então, 3% é uma meta muito pequena em relação ao potencial enorme de eólica e solar que temos por todo o Brasil. Eu acredito que nós poderíamos almejar um pouco mais.
IHU On-Line – O que o Greenpeace pensa sobre a construção das usinas do Rio Madeira?
Ricardo Baitelo – Essas usinas apresentam enormes impactos sócio-ambientais, principalmente na região em que elas estão sendo construídas. E, mais uma vez, o problema se repete, são enormes os custo de transporte de energia e de construção da usina. Ou seja, é totalmente ineficiente o projeto. Nós somos a favor da energia descentralizada, do consumo próximo a onde ela é produzida. Assim, é possível evitar esses custos enormes e essa perda de energia.
IHU On-Line – Você pode explicar melhor o conceito de consumo alternativo?
Ricardo Baitelo – O consumo alternativo seria, principalmente, através da energia solar próximo ao centro de consumo, alguns com consumo pontual em residências. Além disso, a energia eólica, no caso do Nordeste e na costa brasileira, seria consumida nesses lugares mesmo, evitando custos tão altos de transmissão.
IHU On-Line – Esse sistema seria viável economicamente para as populações ribeirinhas do Rio Madeira?
Ricardo Baitelo – Isso precisaria um grande incentivo, sem dúvida. Mas é importante lembrar que esses incentivos, no momento, ainda estão sendo destinados a recursos fósseis e a grandes empreendimentos elétricos. Então, se nós tivéssemos um direcionamento melhor desses subsídios, nós poderíamos viabilizar melhor esses empreendimentos e fazer o mercado renovável desenvolver-se no Brasil.
IHU On-Line – As metas do governo brasileiro, reveladas através do PAC, são favoráveis à proposta do Greenpeace, ou seja, são favoráveis à Revolução Energética?
Ricardo Baitelo – Não, elas não são favoráveis. Elas, justamente, favorecem aos grandes empreendimentos centralizados de grande custo. Nós propomos exatamente o contrário, isto é, empreendimentos mais baratos, que atendam a grupos menores de pessoas e que não impliquem em tantos custos, tanto de transporte quanto de construção e de geração.
IHU On-Line – Quais são as principais metas do relatório do Greenpeace?
Ricardo Baitelo – O nosso objetivo no relatório é reduzir o cenário/efeito para 2050. Reduzir, gradativamente, por exemplo, o consumo de recursos fósseis até esse ano. A idéia é cortar totalmente o consumo desse tipo de combustível para geração elétrica. Seria mantido apenas o gás natural como combustível de transição, até que os recursos renováveis fossem capazes de atender a toda demanda elétrica. Nós prevemos um grande aumento da energia eólica, que será responsável por 20% da nossa matriz em 50 anos. A energia solar entraria também com 4%, ou seja, uma porcentagem bem razoável, levando-se em conta que ela, hoje, não tem nenhuma participação. Já as hidrelétricas responderiam pelo resto desse atendimento da demanda energética.
IHU On-Line – E se já começássemos a trabalhar, conforme o relatório sugere, em quanto tempo poderíamos perceber mudanças no meio ambiente?
Ricardo Baitelo – Bom, eu acho que isso demoraria um tempo, sobretudo se considerarmos todo o tempo em que o homem está fazendo uso dos recursos fósseis e está impactando o meio ambiente através do efeito estufa. Eu não conseguiria calcular o número de anos que levaríamos para a reversão desse cenário, mas hoje em dia já estamos pagando pelos erros dos 200 anos anteriores. Então, creio que levaria um grande tempo para que nós puséssemos perceber os efeitos positivos disso.
IHU On-Line – O relatório do IPCC parece mais pessimista do que o relatório do Greenpeace. Como o senhor diferencia-os?
Ricardo Baitelo – O relatório do IPCC aponta os impactos do que tem acontecido e ele é um pouco conservador quanto às medidas de mitigação que nós podemos obter. Por sua vez, o que o Greenpeace propõe é que precisamos tomar medidas e ainda é possível reverter esse cenário, ou seja, não se pode ficar de braços cruzados, sem ninguém fazer nada porque se imagina não haver solução. O Greenpeace insiste que ainda há tempo de controlar o aquecimento global do planeta a menos de 2°C até o final do século, fazendo com que exista um esforço coletivo, tanto do governo quanto da sociedade, em relação à adoção de práticas sustentáveis de consumo de energia e de hábitos gerais.
IHU On-Line – E como foi construir o relatório “Revolução Energética”?
Ricardo Baitelo – Esse relatório mundial foi feito em conjunto entre o Greenpeace e a Agência Espacial Alemã, que utilizaram o mesmo software. O que nós fizemos, aqui no Brasil, foi um conjunto com a USP. Nós utilizamos o mesmo software e, juntamente com o pessoal da engenharia desta universidade, confeccionamos três cenários: um cenário de referência, que é o cenário do governo, de como ficaria a matriz energética se nada fosse feito em relação aos renováveis; o segundo é o cenário do Greenpeace que é mais ousado, aplicando os recursos renováveis à matriz; e o cenário intermediário, que é o da engenharia da Escola Politécnica da USP. E nós utilizamos, essencialmente, números do planejamento do governo em relação a índices de eficiência e de crescimento do Brasil. Então, é um cenário baseado em números reais.
Nota:
(1) Gerd Leipold: Físico e meteorologista, estudou na Universidade de Leipold, em Munique, na Alemanha. De 1981 a 1990 foi diretor do Greenpeace Alemão. Também trabalhou à frente do Greenpeace de Londres. Desde 2001, é presidente do Greenpeace mundial.
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Revolução Energética. A proposta do Greenpeace. Entrevista especial com Ricardo Baitelo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU