12 Mai 2007
“O aborto traz uma dor imensa, não é uma ação tranqüila. Mas deve ser uma opção em certas situações, como em caso de violência, de abuso sexual, e, de maneira especial, em relação às mulheres mais pobres. Essa é a bandeira que eu levanto”, afirma a teóloga Ivone Gebara, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Ivone Gebara é doutora em Filosofia pela Universidade Católica de São Paulo e em Ciências Religiosas pela Université Catholique du Louvain, na Bélgica. Ela lecionou durante 17 anos no Instituto de Teologia do Recife, até sua dissolução, decretada pelo Vaticano, em 1989. Atualmente, vive e escreve em Camaragibe, Pernambuco. Percorre o Brasil e diferentes partes do mundo, ministrando cursos, proferindo palestras sobre hermenêutica feminista, novas referências éticas e antropológicas e os fundamentos filosóficos do discurso religioso.
Tem vários livros e artigos publicados em português, espanhol, francês e inglês, entre eles As incômodas filhas de Eva na Igreja da América Latina (São Paulo: Paulinas, 1989) e Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal (Petrópolis, Vozes, 2000). Ivone Gebara concedeu uma entrevista à IHU On-Line sobre a caminhada das mulheres e do movimento feminista, publicada na 210ª edição, de 5 de março de 2007.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A senhora se posiciona favorável ao aborto? Em que sentido?
Ivone Gebara - Antes de responder diretamente a essa questão, gostaria de dizer que é preciso falar da descriminalização e da legalização do aborto. O aborto ainda é crime e criminaliza sempre a mulher, quando, muitas vezes, a escolha por fazê-lo não é dela. Sou a favor da descriminalização e da legalização do aborto porque acho que existem certos problemas que não resolvemos apenas apelando para os bons princípios. O aborto traz uma dor imensa, ou seja, não é uma ação tranqüila. Mas deve ser uma opção em certas situações, como em casos de violência, de abuso sexual, e, de maneira especial, em relação às mulheres mais pobres. Essa é a bandeira que eu levanto. Não é que a legislação pelo aborto precise ser limitada às mulheres pobres. É que as mulheres de classe A, quando decidem fazer aborto, simplesmente fazem, enquanto que as mulheres pobres, quando optam por ele, são vítimas do próprio ato. Nesse sentido, os casos de mortalidade materna são muito grandes. Alguém pode me dizer que essa proposta faz sanar o mal com outro mal. Infelizmente, é isso. Se nós fôssemos pessoas ideais e não fôssemos essa mistura de bem e mal, agiríamos de forma diferente. Mas somos essa mistura, essa contradição, essa divisão em nós mesmos. Por isso, a meu ver, o Estado deve garantir a possibilidade de aborto em casos necessários, assim como deve garantir outras leis em torno dos transplantes, da venda e do uso de drogas etc. Mas acredite que a problemática do aborto não é tranqüila para mim. Por isso, não se pode reduzi-la a um debate entre quem é a favor e quem é contra, por princípio.
IHU On-Line - E como a senhora se sente defendendo essa posição, mesmo sendo uma religiosa da Igreja Católica, instituição que é terminantemente contra o aborto?
Ivone Gebara - A Igreja já foi terminantemente contra uma porção de coisas. Foi contra o dinheiro a juros e, no entanto, põe seu dinheiro nos bancos e trabalha com juros. A Igreja hierárquica fala do princípio de respeito à vida, mas tem capelães militares, padres mandados para a guerra para responder às necessidades espirituais dos soldados. Não é também uma contradição quando se afirma o direito absoluto à vida? A decisão a partir apenas de princípios é profundamente ambígua e é muito fácil. O “por princípio” esconde um descompromisso com nossa realidade histórica. Pertencer a uma Igreja significa também ser capaz de discordar dela. É como pertencer a uma família. A discordância também faz avançar o próprio sentido da pertença. Eu não aposto em uma Igreja marcada pelo dogmatismo e pelo autoritarismo puros. As posições que a Igreja tem tomado nesse particular não expressam nenhum consenso das comunidades cristãs. Muitas vezes, a Igreja e a imprensa têm trabalhado no sentido de impressionar emocionalmente o grande público.
Eu não estou pleiteando que o aborto seja identificado à limitação da natalidade. O aborto é um problema dramático. Mas quero poder resgatar a vida dessas mulheres, sobretudo daquelas que se sentem marginalizadas pelo sentimento da culpa e pelas feridas em seu próprio corpo. Não posso dizer “tenha o filho e depois alguém vai te ajudar”. Não há ajuda coisa nenhuma! A gente sempre acaba esquecendo dos bons propósitos tomados emocionalmente.
Eu gostaria de poder frisar a capacidade de escolha das pessoas quando estão diante de certos problemas. Mas nem sempre temos condições de escolher o melhor. As escolhas são sempre condicionadas por situações que, às vezes, não dependem de nós. Por isso, o melhor caminho é sempre o da misericórdia, muito embora também aí possamos errar.
Ideologia anti-abortiva na igreja: um escudo
Quando nos dizemos pertencentes a uma Igreja, não necessariamente aceitamos tudo o que dizem as autoridades eclesiásticas de olhos fechados, de cabeça baixa. Temos o direito de discutir e discordar. O aborto deve estar em discussão também na Igreja. A defesa do direito à vida deveria ser ampla, larga e restrita. O primeiro direito à vida é o direito a comer, beber, dormir, ter uma casa. Existe uma ideologia anti-abortiva que, infelizmente, entrou na Igreja como se, através do aborto, pudéssemos nos esconder das grandes questões vitais. O aborto aparece como o escudo de moralidade de algumas pessoas para não enfrentar grandes questões: fome, desemprego, violência, corrupção, acúmulo de riquezas nas mãos de poucos. Então, reduzem a moralidade social a questões relativas à sexualidade.
IHU On-Line - Então o aborto não pode ser considerado um método de controle da natalidade?
Ivone Gebara - De forma alguma! E também não pode ser considerado um crime hediondo. Tenho visto alguns programas que falam assim: “A mãe que mata o filho”. Mas o que é isso? Essas propagandas são horrorosas e só fazem acentuar os preconceitos! Ou então: “Você está matando possivelmente o futuro Beethoven, o futuro Bach, o futuro Einstein, a futura Madre Teresa de Calcutá”. Tenha dó! Isso é apelação! Vários grupos católicos e não católicos fazem isso porque não têm contato com a população, com os pobres, com gente de rua, de favela e, portanto, desconhecem as dores reais vividas e contadas. Então, é muito fácil aconselhar quando se está fora do problema e falar de princípios quando se vive em berço esplêndido. Eu não gosto de falar de aborto, pois já fui muito castigada pela minha opinião. Mas há urgência nessa discussão. Trata-se de uma questão de democracia e de saúde pública. Quando uma lei é aprovada, não significa que todo mundo é obrigado a fazer o que a lei permite. A legalização do aborto é uma lei que deve estar disponível para que se faça uso dela quando necessário. A ausência dessa lei é perniciosa para as pessoas, para a democracia, e é uma porta aberta para os fundamentalismos religiosos e políticos tomarem conta do País.
IHU On-Line - O que a senhora pensa sobre o plebiscito da descriminalização do aborto? Esse é o melhor meio de discutir esse tema tão delicado? A sociedade está preparada para isso?
Ivone Gebara - Não é o melhor meio. O plebiscito sobre esses assuntos, num país tão heterogêneo e desigual como o nosso, não leva a absolutamente nada. O aborto envolve uma questão emocional. Não se pode polarizar entre o “a favor” ou “contra”, como eu disse. Se me perguntarem, eu vou dizer que sou contra o aborto. E também vou dizer que sou a favor da descriminalização e da legalização. Sou contra porque acho que eu não faria dentro das minhas condições. É claro, sou freira, tenho 62 anos, não corro esse risco. Mas emocionalmente, como escolha minha, eu não faria. No entanto, existem pessoas que precisam fazer e escolhem fazê-lo. O bem comum é pensar o que é bom para todo mundo. Proibir significar incitar a morte de uma quantidade enorme de jovens mulheres, que ficam inutilizadas ou mortas depois de um aborto mal feito. Por isso, não ter a lei é pior do que tê-la. Em muitos países onde a lei foi aprovada houve uma diminuição considerável de casos de aborto. Sou pela lei, embora eu seja também pela educação. Toda lei exige educação. As igrejas não precisam se intrometer na polêmica de forma tão acirrada. Elas devem permitir a autonomia do Estado. Que se faça essa lei e que as igrejas eduquem seus fiéis a fazer as escolhas que elas consideram certas. A grande maioria dessas meninas, desses jovens que ficam nas ruas, nesses bares, nos bairros pobres, não freqüenta a Igreja. A lei desta vai legislar para seres abstratos. A Igreja não está pleiteando uma legislação para seres concretos que estão à nossa volta. Por exemplo, quando não permite o uso da camisinha, de quem e para quem a Igreja está falando? De seres que não fazem sexo? Não existe nesse mundo esse negócio de não fazer sexo, a não ser se falamos em padre, em freira ou no papa. E, ainda assim, eu vou devagar com o andor.
IHU On-Line - Podemos conciliar a autonomia e a liberdade da mulher com a vida do embrião?
Ivone Gebara - Só a mulher tem liberdade. O embrião não é um ser autônomo. Eu até poderia querer que todos os embriões nascessem, mas sabemos que isso é impossível. Quantas mulheres ficaram grávidas e nem souberam, pois o embrião saiu com a menstruação? O que nós temos que fazer não é refletir sobre os embriões. Precisamos refletir, em primeiro lugar, sobre o problema social da saúde feminina, sobre a pessoa que está diante de nós. O ideal é que todas as mulheres pudessem levar adiante a gravidez e criar quantos filhos quisessem. Mas é preciso ver a sociedade como ela é, e ela é muito cruel com as mulheres, sob todos os pontos de vista. Mais uma vez fugimos para não enfrentar os problemas reais.
IHU On-Line - E como a senhora vê o estatuto do embrião?
Ivone Gebara - Não tem que existir estatuto de embrião. Isso é uma bobagem vestida de direitos. Nós podemos fazer o estatuto dos seres da lua? Não podemos. Um estatuto nos termos que se quer não tem razão de existir. Existencialmente, é algo furado. Claro que o aborto não pode ser feito em qualquer tempo da gravidez. A maioria das leis estabelece o limite para se fazer o aborto em até 12 semanas de gravidez. Não entendo como alguém pode falar de estatuto do embrião. Se engravidou não se pode mexer, nem que esse embrião coloque em risco a vida da mãe? Mas não seria melhor fazer leis capazes de garantir que o embrião fecundado e em desenvolvimento seja bem nutrido, e que a mãe precisa ser cuidada etc.? Por que não fazem um estatuto para as pobres grávidas? Dêem, então, a elas comida e acompanhamento para que elas tenham filhos sadios. Ninguém pensa nisso. Que a lei garanta moradia, comida e bebida sadia às grávidas. O chamado estatuto do embrião, enfim, é mais uma das incríveis fantasias de nosso tempo.
IHU On-Line - O problema do aborto poderia ter uma outra solução do que uma lei a favor ou essa é a única resposta?
Ivone Gebara - O aborto é um problema sério e é um problema social e de saúde pública. Muitas mulheres carregam seqüelas e culpa até o final da vida, acentuadas pela propaganda dos fundamentalistas da Igreja. Ninguém está dizendo que é uma coisa agradável e de uso indiscriminado. Só estamos dizendo que é algo necessário e que deve haver o direito da escolha para utilizar este meio. Eu não sou obrigada a beber cachaça só porque existe uma lei me permitindo consumir bebida alcoólica a partir dos 18 anos. Não sou obrigada a comprar uma arma porque estão disponíveis no mercado. Com o aborto é a mesma coisa. Se existe a lei não significa que vou necessariamente usá-la. Mas a lei justamente garante a minha liberdade de escolha.
“Sou absolutamente contra o aborto”. Entrevista especial com Zilda Arns
Para Zilda Arns, médica pediatra e sanitarista, “tentar solucionar os milhares de abortos clandestinos realizados a cada ano no País com a legalização do aborto é uma ação paliativa, que apontaria o fracasso da sociedade nas áreas da saúde, da educação e da cidadania e, em especial, daqueles que são responsáveis pela legislação no país”. Ela vê o embrião como um ser humano completo em fase de crescimento “tanto quanto um bebê, uma criança ou um adolescente”. Irmã do cardeal D. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, Zilda é também fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Viúva desde 1978, mãe de cinco filhos e avó de nove netos, vem recebendo diversas menções especiais e títulos de cidadã honorária no país. Da mesma forma, a Pastoral da Criança já recebeu diversos prêmios pelo trabalho que vem sendo desenvolvido desde a sua fundação. Formada em Medicina, aprofundou-se em Saúde Pública visando a salvar crianças pobres da mortalidade infantil, da desnutrição e da violência em seu contexto familiar e comunitário. Compreendendo que a educação revelou-se a melhor forma de combater a maior parte das doenças de fácil prevenção e a marginalidade das crianças, para otimizar a sua ação, desenvolveu uma metodologia própria de multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais pobres.
Confira a entrevista de Zilda Arns concedida por e-mail para a IHU On-Line.
IHU On-Line – Em que a senhora fundamenta sua posição radicalmente contrária ao aborto?
Zilda Arns - Sou absolutamente contra o aborto. Em primeiro lugar, sou a favor da vida, e fundamento meu ponto de vista não somente na fé cristã, mas também na ciência e em aspectos éticos e jurídicos. Já está comprovado cientificamente que o feto é um ser humano completo, desde a sua concepção e, por isso, tem direito à vida, como defende o artigo quinto da Constituição Brasileira e o artigo segundo do Código Civil. Cabe ao Estado o dever de tutelar e proteger a vida do embrião ou do feto de qualquer ameaça, sob pena de violação dos direitos humanos.
Sou médica pediatra e sanitarista, com mais de 47 anos de experiência em saúde pública. Além disso, estou nos últimos 24 anos à frente da Pastoral da Criança (instituição que acompanha 1,9 milhão de crianças com menos de seis anos, em 42 mil comunidades pobres do país). Por isso, tenho a convicção de que medidas educativas e preventivas são as únicas soluções para o problema das gestações não desejadas. Tentar solucionar problemas, como a gravidez indesejada na adolescência, ou atos violentos, como estupros e os milhares de abortos clandestinos realizados a cada ano no País, com a legalização do aborto, é uma ação paliativa, que apontaria o fracasso da sociedade nas áreas da saúde, da educação e da cidadania e, em especial, daqueles que são responsáveis pela legislação no país. Não se pode consertar um crime com outro ainda maior, tirando a vida de um ser humano indefeso. É preciso investir na educação de qualidade, nas famílias e nas escolas.
É preciso, antes de tudo, refletir. Será que nos países em que esse e outros abortos são permitidos, os jovens e as mulheres estão mais conscientes e têm menos problemas? Esta e outras questões estão relacionadas na carta que enviei, no final de 1997, ao Congresso Nacional como apelo da Pastoral da Criança em defesa da Vida, e artigos publicados em revistas e jornais nos últimos anos. Antes de qualquer coisa, é preciso diminuir a desigualdade social e dar mais oportunidades, principalmente às mulheres mais pobres.
IHU On-Line – Como podemos formular a questão do estatuto do embrião, considerando sua implicação na questão do aborto?
Zilda Arns - O embrião é um SER HUMANO completo em fase de crescimento tanto quanto um bebê, uma criança ou um adolescente. Com a evolução das ciências da reprodução humana, mais especialmente nas últimas duas décadas, não há a menor dúvida de que a vida do SER HUMANO se inicia no momento da concepção. Não se trata de um amontoado de células. Quando se dá o encontro gamético, produz-se a primeira unidade da vida, que contém toda herança genética e todos os requisitos para caracterizar a vida. As novas tecnologias como o ultra-som, o monitoramento do coração do feto, a fetoscopia e a histeroscopia, para acompanhar o que se passa no interior do útero, comprovam ainda que o feto resiste e se defende dos agentes externos, que porventura querem lhe tirar a vida. Para quem se interessar, pode confirmar essas informações assistindo ao vídeo Grito silencioso , que mostra as reações do feto em um processo de aborto induzido, realizado em um país onde a prática é permitida.
IHU On-Line – Como se caracteriza a abordagem ética do aborto?
Zilda Arns – Existe um princípio de injustiça nessa prática. Mais uma vez, ao invés de consertar o tecido social roto, querem jogar sobre a mulher o pesado fardo da injustiça social, oferecendo-lhe a oportunidade de abortar o filho que veio abrigar-se em seu ventre, filho esse que não planejou ou que foi concebido como conseqüência de um ato violento. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS) et al, publicadas em 1994, comprovam que crianças mal tratadas, oprimidas, violentadas em seu primeiro ano de vida têm forte tendência a se tornarem violentas e criminosas. Portanto, há de se cuidar do ser humano, desde a gestação, e dar prioridade a atender às crianças pequenas, menores de seis anos, e, mais especificamente, às crianças menores de um ano, somando as forças das famílias, da sociedade e dos governos, para que o tecido social seja forte e preservado. A ética e a moral não são exclusivas da religião. Devem servir de guia para toda a sociedade, incluindo a ciência e a técnica. Não faltam cientistas, juristas e legisladores que, no exercício de seus mandatos e profissões, têm como objetivo maior a defesa e a promoção da vida, a serviço do bem comum.
IHU On-Line – O aborto é um problema que precisa de uma solução, ou ele pode ser uma solução?
Zilda Arns - Felizmente, muitas pessoas comprometidas com o bem-estar das mulheres optam por vestir a camisa da erradicação da pobreza, da miséria e da ignorância que as oprime, principalmente nos países mais pobres. Para gerar desenvolvimento e, por conseqüência, boas condições de saúde e de vida, é preciso investir em educação de qualidade e criar políticas públicas de assistência materno-infantil, de orientação aos adolescentes, às mulheres e às famílias, a fim de que elas tenham melhores oportunidades de estudo e de desenvolverem-se no futuro. A prática de abortos seria um retrocesso da saúde pública, que, ao invés de investir na qualidade de vida da população, passaria a reproduzir uma cultura de incentivo à morte, à violência.
IHU On-Line – Uma lei a favor pode ser a única resposta ao problema do aborto?
Zilda Arns - Sob o ponto de vista de políticas de saúde, seria muito mais humano e econômico à nação investir em qualidade de vida e melhor assistência à saúde do que investir contra o ser humano indefeso. Não se pode eliminar a pobreza por meio da eliminação dos pobres, assim como não se pode eliminar a violência de uma gravidez indesejada mediante outra forma de violência, como é o aborto. Tenho certeza de que nossos deputados e senadores não se deixarão seduzir pela cultura da morte e da corrupção e lutarão pelo respeito à vida e por melhor qualidade de vida para todos. Afinal, o Código Civil, no artigo 2, afirma: “A personalidade civil do homem começa no nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.
IHU On-Line – Como lidar com a mentalidade abortista, tão presente na sociedade, que banaliza a questão do aborto?
Zilda Arns - Feministas famosas, realmente comprometidas com o bem-estar das mulheres, com o evento das novas tecnologias e conhecedoras profundas do sofrimento humano, deixaram a bandeira do aborto e optaram pela bandeira da erradicação da pobreza, da miséria, da ignorância que oprime as mulheres, principalmente nos países em desenvolvimento. Lembro-me de médicos, tais como o Dr. Bernard N. Nathanson, M.D. co-fundador da Liga Nacional pelos Direitos ao Aborto nos Estados Unidos, e diretor da maior clínica abortista do mundo, responsável por mais de 75 mil casos desse tipo, converteu-se em defensor da vida, devido a um conhecimento mais profundo do ser humano, pelos avanços da ciência e dos aparelhos de tecnologia avançada. Dr. Nathanson convenceu-se da existência da vida humana desde o momento da concepção. Ele advertiu ainda sobre as estatísticas falsas de morte de mulheres em conseqüência de abortos clandestinos. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) confirma não existir nenhuma pesquisa sobre esse assunto no Brasil, apesar de muitas vezes serem divulgados falsos dados remetendo ao nome da organização.
IHU On-Line – Podemos conciliar a autonomia e a liberdade da mulher com a vida e a defesa do embrião?
Zilda Arns - Trata-se de um princípio de convivência de dois seres humanos. O “outro” é o limite de nossa liberdade. Se a mulher tem direitos e deveres, eles não podem interferir ou impedir o direito à vida de outro ser humano, ou seja, o fato de ela ser gestante de um embrião não lhe possibilita qualquer ação que possa prejudicar a vida dele.
IHU On-Line – O que a senhora pensa sobre o plebiscito da descriminalização do aborto?
Zilda Arns - Hoje estou convencida de que o aborto não é matéria para entrar num plebiscito, porque não se pode votar pela vida ou morte de um ser humano inocente e sem defesas.
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Descriminalização e legalização do aborto em debate. Ivone Gebara e Zilda Arns entrevistadas pela IHU On-Line - Instituto Humanitas Unisinos - IHU