15 Dezembro 2013
O sistema jurídico na África do Sul baseia-se "no direito romano-holandês, que é bastante diferente do sistema romano-germânico predominante na América Latina”, assinala o advogado.
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“O despotismo descentralizado implicou o estabelecimento do Estado colonial como sendo bifurcado. Onde, por um lado, havia um governo central, com direitos e liberdades subordinados diretamente a um governador nomeado ou eleito quase invariavelmente por colonizadores brancos (cidadãos), ao passo que, por outro lado, havia um estado nativo descentralizado, habitado por indivíduos com pouco ou nenhum dos direitos e liberdades, governado indiretamente por chefes nomeados pela administração colonial e mantido por indígenas africanos ou nativos (indivíduos)”, avalia Sanele Sibanda.
Conforme ele adverte, “é preciso ter muito cuidado para garantir que, ao reformar o direito consuetudinário, não se esteja reproduzindo a forma de Estado bifurcado que deu origem ao despotismo descentralizado, característico de uma época ultrapassada”.
Desta forma, o direito consuetudinário, ao invés de preservar uma tradição cultural e os costumes de um povo, pode ser utilizado para enraizar o legado colonial, perpetuando a marginalização e a exploração. “O BAA [Black Administration Act - Ato de Administração Negra, promulgado em 1927] foi projetado para ser abrangente em alcance, regulando assuntos administrativos, judiciais e substanciais, tais como a nomeação dos chefes, o estabelecimento de tribunais e suas jurisdições, como também questões determinantes do estatuto jurídico, registro e posse de terras, casamento e sucessão. Em geral, o BAA foi o principal instrumento para firmar um sistema uniforme de regra indireta na África do Sul, pelo qual os líderes tradicionais tornaram-se agentes do Estado na administração dos assuntos daqueles que foram nomeados para governar”, comenta Sibanda nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “O BAA foi uma peça eficaz da legislação ao atingir sua finalidade de engessar a divisão problemática de negros e brancos na África do Sul”, completa ele.
Sanele Sibanda é advogado. Atualmente, é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Witwatersrand, em Johannesburg, África do Sul, onde já lecionou as disciplinas de Introdução ao Direito Constitucional, Direito do Seguro, Pessoas e Direito de Família e Direito Administrativo, além de realizar pesquisas acadêmicas sobre o direito consuetudinário.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line - O Zimbábue, seu país natal, e a África do Sul, onde você leciona, na Universidade de Johanesburg, adotam um sistema jurídico misto formado tanto sob a influência do direito romano-germânico quanto da lei comum (common law) britânica? Como se dá esta organização jurídica sob a influência de dois sistemas distintos?
Sanele Sibanda - Os sistemas jurídicos na África do Sul e no Zimbábue baseiam-se no direito romano-holandês, que é bastante diferente do sistema romano-germânico predominante na América Latina. A tradição jurídica romano-holandesa é predominante no sul da África (África do Sul, Zimbábue, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia). Isto é resultado do colonialismo holandês no século XVII, principalmente na África do Sul, o qual trouxe consigo a tradição jurídica do direito romano-holandês. A colonização subsequente da África do Sul pela Grã-Bretanha introduziu a tradição da common law inglesa. A mistura resultante das tradições estabeleceu as bases desse sistema jurídico que predomina na África do Sul e no Zimbábue. Claro, ao dizer isto, não devemos esquecer que, antes da independência política de ambos os países, o sistema legal que estou descrevendo era reservado basicamente aos habitantes brancos que tinham chegado em consequência do colonialismo. Os africanos, por outro lado, já tinham seus próprios sistemas jurídicos em existência, baseados no direito consuetudinário.
O sistema legal da África do Sul sob a influência dessas duas tradições retoma do direito romano-holandês muitos de seus princípios fundamentais substantivos em áreas como propriedade, contrato, delito (ato ilícito) e direito de família; enquanto isso, a tradição da common law formou grande parte dos seus princípios processuais, como a lei de prova, processo civil e processo penal. Outra faceta importante, tirada da tradição da common law inglesa, refere-se ao papel dos tribunais e do sistema entrincheirado do precedente. Em muitas maneiras, os desenvolvimentos jurídicos do Zimbábue costumaram dar continuidade àqueles da África do Sul, que fazem referência às relações muito próximas dos dois países no que concerne ao estabelecimento colonial, parte do projeto de construção de Império da Grã-Bretanha.
IHU On-Line – O que pode ser dito sobre a ação dos tribunais no ordenamento jurídico da África do Sul?
Sanele Sibanda – Os julgamentos em tribunais e as opiniões judiciais são extremamente importantes; cruciais, na verdade. Mais uma vez, refiro-me à tradição da common law: pronunciamentos judiciais da lei são uma importante fonte de direito por causa do sistema de precedentes. Assim como são uma importante fonte de direito, são essenciais para dar significado às nossas leis. Isto se dá porque aquilo decidido por um juiz, em qualquer caso único, tem o poder de vincular todos os outros juízes quanto à sua interpretação da lei. A única abordagem disponível para derrubar uma decisão dessas seria com o êxito de um recurso emitido a um tribunal, superior ou não. Se falhar por interpor, a única outra maneira de rever a decisão judicial seria por meio de uma intervenção legislativa do Parlamento. Isso dá poder aos tribunais, no que concerne ao ato de conceder algo semelhante à finalidade, no que concerne ao significado ou, pelo menos, à interpretação da lei. Isto, portanto, é algo incrivelmente importante dentro do sistema jurídico sul-africano. Este é exatamente o caso na instância do Tribunal Constitucional.
Hoje, o Tribunal Constitucional é a corte superior em todos os assuntos desde a Emenda Constitucional número 17, que estendeu a competência deste tribunal, a fim de abranger questões que julgue de interesse da Justiça. Baseada na primazia e na supremacia da Constituição, o Tribunal Constitucional, portanto, desempenha um papel central em guiar o desenvolvimento da common law na África do Sul. Isso acarretou na interpretação da common law, por parte do Tribunal, de forma a desenvolver conceitos profundamente enraizados no direito romano-holandês de uma maneira a garantir que eles comportassem ou estivessem de acordo com a Constituição. Agindo assim, o Tribunal Constitucional justificou que isto servisse de referência para a ideia de que a Constituição estabeleça "um sistema de valor normativo objetivo" e uma ordem na qual todas as leis e certa conduta possam ser examinadas por seu cumprimento da Constituição. Aliado ao sistema bem entrincheirado do precedente, o lugar dos tribunais e das opiniões judiciais na África do Sul é sagrado, no qual a lei se desenvolve de maneira incremental, ou até mesmo lenta, dependendo de onde a pessoa se posiciona na sociedade sul-africana.
IHU On-Line – De que forma o direito consuetudinário coexiste com a organização jurídica moderna nas sociedades africanas?
Sanele Sibanda - Historicamente, vários sistemas de direito consuetudinário ou indígena precederam a introdução da common law colonial de forma imposta na África do Sul. Claro que, com o advento do colonialismo e o entrincheiramento da dominação europeia, o lugar e espaço para o direito consuetudinário tornou-se controverso e impugnado. Diretamente falando, a polêmica e a contestação fazem referência ao reconhecimento ou não de parte do direito consuetudinário pela política colonial oficial. Aqui, o reconhecimento se refere ao fato de o direito consuetudinário ser ou não considerado parte do sistema jurídico nacional, embora com uma base racial estreita de aplicabilidade, onde foi reconhecido. A África do Sul é uma daquelas colônias em que os colonizadores decidiram que o direito consuetudinário deveria ser reconhecido.
Portanto, 1927 marcou um ponto notório na história jurídica sul-africana. Este foi o ano em que o Black Administration Act - BAA [Ato de Administração Negra] foi promulgado em lei. O efeito de promulgação deste ato era criar um sistema jurídico duplo na África do Sul: o BAA estabeleceu um sistema separado e inferior de Justiça para os africanos e reservou o sistema da common law principalmente para os brancos.
O BAA foi projetado para ser abrangente em alcance, regulando assuntos administrativos, judiciais e substanciais, tais como a nomeação dos chefes; o estabelecimento de tribunais e suas jurisdições; e questões determinantes do estatuto jurídico, registro e posse de terras, casamento e sucessão. Em geral, o BAA foi o principal instrumento para firmar um sistema uniforme de regra indireta na África do Sul, pelo qual os líderes tradicionais tornaram-se agentes do Estado na administração dos assuntos daqueles que foram nomeados para governar.
O BAA foi uma peça eficaz da legislação ao atingir sua finalidade de engessar a divisão problemática de negros e brancos na África do Sul. O BAA habilitou comissários nativos e líderes tradicionais para atuarem com alguns limites, deixando pouco espaço para duvidar de que o direito consuetudinário era de fato um sistema inferior de leis que tirou mais que deu para aqueles que se sujeitaram a ele. O BAA acabou por prejudicar e evidenciar a própria legitimidade da autoridade tradicional. Foi esta execução deliberada e bem orquestrada da institucionalização de subordinação da vida dos negros que está no coração do famoso livro do professor Mahmood Mamdani, Citizen and Subject – Contemporary Africa and the Legacy of Late Colonialism (Princeton: Princeton University Press, 1996).
Para qualquer um que tenha um interesse maior nas políticas subjacentes à política colonial, no que concerne ao direito consuetudinário e à liderança tradicional no Sul da África e na África Central, este continua sendo um livro importante no que tange à maneira com que revela as muitas continuidades entre o que aconteceu durante os períodos do colonialismo e pós-independência.
Neste aspecto, um conceito importante apresentado por Mamdani é o do despotismo descentralizado. O despotismo descentralizado implicou o estabelecimento do Estado colonial como sendo bifurcado. Onde, por um lado, havia um governo central, com direitos e liberdades subordinados diretamente a um governador nomeado ou eleito quase invariavelmente por colonizadores brancos (cidadãos), ao passo que, por outro lado, havia um estado nativo descentralizado, habitado por indivíduos com pouco ou nenhum dos direitos e liberdades, governado indiretamente por chefes nomeados pela administração colonial e mantido por indígenas africanos ou nativos (indivíduos).
Na África do Sul, devido à história contaminada do direito consuetudinário sob o colonialismo, durante a transição do Estado de Apartheid para a democracia, não era óbvio que o direito consuetudinário sobreviveria como parte da infraestrutura legal do Estado. Muitos tinham uma visão cética quanto ao que constituiria um cenário constitucional revitalizado, pois manteria um sistema de leis principalmente aplicável apenas a um agrupamento racial. Alguns questionamentos foram feitos, tal como a necessidade de se ter um sistema jurídico dual, porém desigual (tal como se poderia alegar).
Além disso, os céticos ergueram preocupações quanto à falta de práticas democráticas nas estruturas correntes, para não mencionar seu controle pelos homens mais velhos, com a exclusão das mulheres e dos jovens da comunidade. Apesar de tais preocupações e receios, os redatores da Constituição decidiram, em sua sabedoria, que era conveniente assegurar o contínuo reconhecimento do direito consuetudinário na Constituição. O efeito dessa inclusão foi integrar o direito consuetudinário formalmente, e sob condições equânimes, como parte do sistema jurídico sul-africano.
No que tange à sua inclusão substantiva dentro do sistema jurídico mais amplo, isso gerou mais perguntas do que respostas. Por exemplo, uma questão importante que frequenta a discussão é sob que forma o direito consuetudinário foi, afinal, reconhecido? Teria sido sob o chamado direito consuetudinário organicamente vivo ou sob a versão oficial estatista? A resposta a essa pergunta tem implicações profundas e de longo alcance para toda uma série de temas, tais como o tema da igualdade de gênero, das práticas democráticas e até mesmo o tema da própria legitimidade do edifício do direito consuetudinário.
IHU On-Line – No direito consuetudinário, a quem cabe a ação de fazer cumprir a lei e as decisões de julgamentos?
Sanele Sibanda - Em geral, os responsáveis pela aplicação da lei e pelas decisões dos julgamentos são o líder tradicional e os membros de sua corte, apoiados, onde for necessário, por agentes públicos, como a polícia. O papel dos líderes tradicionais na aplicação da lei, na adjudicação das disputas e na supervisão da execução das ordens não é geralmente visto como controverso em comunidades harmonicamente estruturadas. No entanto, onde há desarmonia, o papel central desempenhado pelos líderes tradicionais pode tornar-se bastante controverso se considerarmos as outras funções que eles executam ou supervisionam dentro de suas respectivas comunidades. Os líderes tradicionais estão envolvidos na elaboração das leis, na distribuição dos recursos, na atribuição de responsabilidades e títulos e, mais importante, na resolução de questões sobre o acesso à terra. A possibilidade de controvérsia aqui é bastante óbvia. Por exemplo, a quem um membro da comunidade se dirige quando entra em desacordo com o líder tradicional, já que ele próprio é um membro da comunidade, embora superior em categoria?
IHU On-Line – Há possibilidade de uma aproximação entre o direito consuetudinário e o pensamento descolonial, tendo-se em vista que a common law sul- africana baseou-se no direito romano-holandês e no direito inglês originados na Europa?
Sanele Sibanda - Esta é uma pergunta muito difícil de se responder, o que nos leva a especular sobre alguns assuntos. Dentre eles, o mais importante é: por que o direito consuetudinário foi prontamente incorporado (reconhecido), justo quando se estava negociando a atual forma de distribuição democrática? Outros já haviam argumentado que a incorporação do direito consuetudinário ocorreu devido ao seu potencial de contribuição para a integração dos valores e da cultura africana dominantes no interior do sistema jurídico da África do Sul. O professor [T. W.] Bennett, um importante estudioso do direito consuetudinário, afirmou que, de um ponto de vista constitucional, "o reconhecimento e aplicação do direito consuetudinário (...) assenta-se no direito à cultura". Em apoio a essa tese, ressalta que a Carta de Direitos Sul-Africana contém duas disposições de direitos culturais distintos. A seção 30 cria o direito ao uso da linguagem e à participação na vida cultural por livre escolha e é caracterizado como um direito individual, ao passo que a seção 31 cria o direito das pessoas pertencentes a comunidades culturais, religiosas ou linguísticas a desfrutar de suas práticas culturais e é geralmente caracterizado como um direito coletivo. Embora essas disposições não façam nenhuma referência ao direito consuetudinário, ambos os direitos são geralmente afirmados como dando suporte à incorporação do direito consuetudinário. Essa é uma visão algo benigna que pode ser defendida apenas por uma análise de tipo formal e legalista, que não considera a forma na qual o direito consuetudinário se "desenvolveu" desde sua "constitucionalização".
Tanto quanto seja possível uma aproximação, isso depende, com efeito, de por que razões acredita-se que ocorreu a incorporação do direito consuetudinário. Uma visão menos benigna questiona-se sobre quem se beneficiou com a incorporação constitucional do direito consuetudinário? Teria sido para o benefício daquelas pessoas que vivem de acordo com o direito consuetudinário? Desejaria essa seção da sociedade sul-africana, ou mesmo necessitaria, da incorporação do direito consuetudinário dentro do quadro constitucional, para que ele venha a realizar sua função primária como depósito cultural ou arquivo de mecanismos para regular suas vidas quotidianas? Ou a incorporação acabou beneficiando as elites dos partidos governantes de modo a que pudessem exercer mais controle e influência sobre a população rural sul-africana, sem necessariamente ter de incorrer em grandes despesas orçamentárias adicionais para sustentar a infraestrutura rural? Ou ainda a incorporação beneficia os líderes tradicionais, que, desde o alvorecer da elaboração da nova Constituição, conseguiram estabelecer-se como um poderoso grupo de lobby em favor de seus próprios interesses, o qual o governo buscou seduzir em busca de apoio eleitoral? Em geral, a incorporação do direito consuetudinário nos termos da Constituição não pode ser vista como uma reencenação do despotismo descentralizado, tal como nos alerta Mamdani.
Portanto, em minha opinião, a possibilidade de uma aproximação exige uma reformulação do lugar do direito consuetudinário dentro de nossa política. Em particular, há a necessidade de se assegurar que as alterações ou reformas de direito consuetudinário não sejam produzidas de um modo não inclusivo, ao estilo "de cima para baixo", colocando o direito consuetudinário e as suas instituições como estranhos ao sistema jurídico mais amplo, transformando-o num mero mecanismo conveniente de administração e controle a ser usado por quem quer que esteja no poder. É preciso ter muito cuidado para garantir que, ao reformar o direito consuetudinário, não se esteja reproduzindo a forma de Estado bifurcado que deu origem ao despotismo descentralizado, característico de uma época ultrapassada.
Se o direito consuetudinário está sendo justamente conceitualizado em termos culturais, então há uma necessidade de democratizar a maneira com que é reformado, para que aqueles que lhe são próximos gozem dos meios e maneiras de determinar seu conteúdo e relevância em suas vidas, ou, igualmente, de rejeitá-lo quando tal direito já não combina com a ideia que fazem de si mesmos. Na falta deste, o direito consuetudinário pode continuar a ser um edifício incrível, enraizado em seu legado colonial, que perpetua sentimentos de marginalização e exclusão em algumas pessoas, confinadas em suas escrituras por permanecerem indivíduos e cidadãos momentâneos. Esta situação, que mostra que alguns membros do governo mantêm-se prisioneiros de um passado opressivo, não deveria prevalecer sem questionamentos.
Infelizmente, alguns exemplos recentes na África do Sul, como a reforma legislativa dos tribunais tradicionais, resultam em um sentimento profundo de mal-estar (em vez de esperança).
IHU On-Line – Qual é o papel das lutas sociais, políticas e culturais das populações excluídas para a consolidação dos direitos humanos e a construção de novas formas de poder, conhecimento e existência?
Sanele Sibanda - Na minha opinião, é necessário que essas lutas continuem a questionar se a direção concedida dentro dos limites dos discursos predominantes detém o potencial, em termos de linguagem e ideias, de um armazenamento imaginário e intelectual que possa dar passos positivos em direção a uma sociedade verdadeiramente mais justa, na qual nos esforçamos para nos sobrepor aos privilégios prevalecentes de raça, gênero, classe e doutrinas culturais ou religiosas. Sem sombra de dúvida, estes esforços devem servir para desenvolver e obter aproveitamento de epistemologias alternativas. Pois, como sugerido por [Walter] Mignolo, discursos hegemônicos prevalecentes nunca devem fornecer os recursos necessários para sua própria destruição.
Da mesma maneira, ao analisarmos as epistemologias alternativas, sérios esforços e energia devem ser aplicados para pensar e desenvolver as estratégias necessárias das mudanças estruturais que, por sua vez, permitirão que os marginalizados e excluídos se tornem verdadeiros agentes políticos, ao invés de restaurá-los como meros destinatários de panfletos estilosos de bem-estar, de elites novas ou reformadas, o que irá manter esta geração marginalizada, bem como as futuras gerações, no espaço de marginalidade que os discursos liberais e neoliberais esculpiram para elas. Para alcançar isto, será importante que, ao centrar-se em fatores externos, atores sociais e políticos engajados nestas lutas também reflitam sobre suas próprias estruturas internas, a fim de que não perpetuem as tendências opressivas ou de exclusão a que pretendem se opor.
Não se envolver em projetos deliberados e programas para mudar a maneira em que imaginamos a nós mesmos e o futuro certamente resultará na movimentação das peças, sem alterar o jogo.
Se isso acontecer, então continuaremos, mesmo na tradição de independência ou descolonização política, a replicar ou imitar modelos de antigos colonizadores, cujo papel no subdesenvolvimento das ex-colônias é bem documentado. Meu ponto aqui é de que a adequação das estruturas replicadas e as instituições devem sempre ser questionadas, especialmente em vista das condições materiais, das histórias, culturas e trajetórias de desenvolvimento dos locais onde estes modelos foram concebidos como vastamente diferentes das nossas.
(Por Luciano Gallas)
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O ordenamento jurídico do Apartheid. Entrevista especial com Sanele Sibanda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU