19 Mai 2010
Seu computador estraga ou você decide comprar um novo celular. O que você faz com o equipamento antigo? Segundo o professor de Engenharia de Materiais da UFGRS, Hugo Veit, os brasileiros produzem cerca de 300 mil toneladas de resíduo eletrônico anualmente. Infelizmente, o país ainda não tem locais apropriados para descarte desses equipamentos.
Em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, Veit alerta para os riscos ambientais que os resíduos eletrônicos podem trazer. “A composição química desses resíduos é muito variada. Se esses metais forem descartados de forma incorreta na natureza, eles vão contaminar o solo, o lençol freático, a água, e, de uma forma ou de outra, isso volta para nós”, destaca. Para o professor, uma das formas para evitar a grande produção deste tipo de lixo é frear o consumismo, uma tarefa nada fácil. “É difícil desmaterializarmos. Temos a vontade de sempre acompanhar a tecnologia, com equipamentos mais novos", defende.
Hugo Veit possui graduação em Engenharia Metalúrgica, mestrado e doutorado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professor da Escola de Engenharia/Departamento de Materiais e pesquisador do Laboratório de Corrosão, Proteção e Reciclagem de Materiais (LACOR).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que pode ser considerado resíduo eletrônico?
Hugo Veit – Todo o tipo de equipamento como mp3, mp4, computador e celular. Esses aparelhos são considerados eletro-eletrônicos, assim como suas pilhas e baterias. Tudo isso é lixo eletro-eletrônico. O que acontece hoje é que a linha branca, que contempla geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupas etc., que antigamente não se enquadravam como lixo eletrônico, começa a fazer parte deste grupo, já que têm em seu sistema cada vez mais eletrônicos embarcados.
IHU On-Line – Onde vão parar os resíduos eletrônicos e qual é o lugar certo?
Hugo Veit – Existem vários destinos para esse lixo. No campo doméstico, não há onde depositá-los, então, muita gente ainda descarta celulares, televisores e computadores velhos junto ao lixo seco. Atualmente, as grandes empresas ou órgãos públicos fazem parcerias, principalmente com ONGs, para remanufatura ou reciclagem. Eles recebem equipamentos defeituosos ou obsoletos, como processadores, por exemplo, e utilizam as peças para remontar produtos que estejam em condição de uso.
Depois, esses aparelhos geralmente são doados para centros de inclusão digital. Os consumidores domésticos que possuem lixo eletrônico em casa devem levá-lo a esses órgãos sociais, não existe alternativa. Não existem pontos de coleta para esse tipo de resíduo, com exceção de pilhas e baterias. Como o volume é menor, encontramos depósitos para esse tipo de produto em bancos e universidades, por exemplo. As operadoras de celulares também disponibilizam urnas de coleta para celulares obsoletos. O ideal seria levar esse material para indústrias de reciclagem, mas como elas não existem de forma esquematizada no Brasil, o essencial é não misturar o lixo eletrônico com o lixo orgânico ou seco. Caso não haja uma urna de coleta próxima, é interessante procurar entidades sociais que aceitam doações de equipamentos estragados.
IHU On-Line – Que tipo de problemas ambientais os resíduos eletrônicos podem trazer?
Hugo Veit – Vários tipos, pois a composição química desses resíduos é muito variada. Em sua fabricação, são utilizados muitos tipos de metais, e alguns deles são tóxicos. Há chumbo, mercúrio e cádmio, por exemplo. Se esses metais forem descartados de forma incorreta na natureza, eles vão contaminar o solo, o lençol freático, a água, e, de uma forma ou de outra, isso volta para nós. Há outros tipos de compostos químicos que se misturam ao plástico da carcaça do aparelho, que são à base de bromo. Esses compostos são utilizados como retardadores de chama. É uma questão de segurança, mas, no momento da reciclagem, esses compostos, em contato com a natureza, serão prejudiciais à saúde humana. Eles atacam o sistema nervoso, endócrino e respiratório.
IHU On-Line – Qual é o volume brasileiro de lixo eletrônico?
Hugo Veit – Não temos uma estatística muito confiável de quanto resíduo é gerado. O que se tem são dados de vendas de equipamentos. No ano passado, foram vendidos cerca de 40 milhões de celulares e 12 milhões de computadores no Brasil. Cada aparelho tem uma vida útil específica, no caso do celular, é de mais ou menos um ano e meio. No final desse tempo, milhões de aparelhos vão para o lixo. No caso dos computadores, a vida útil é de cerca de três anos.
"Se somarmos todos os produtos, produzimos cerca de 300 mil toneladas por ano de resíduo eletrônico" |
A estatística em torno da quantidade de resíduos ainda é insuficiente. O que se tem é um relatório da ONU. No ano passado, foi publicado um relatório com dados de 2005. No trabalho de pesquisa da organização, chegou-se a valores de meio quilo de resíduos de computador por habitante, anualmente, no Brasil. Se pensarmos nisso, levando em conta que temos cerca de 190 milhões de habitantes, teremos 95 milhões de quilos de resíduos só de computadores. No caso dos televisores, são 0,6 quilos por habitantes. Se somarmos todos os produtos, produzimos cerca de 300 mil toneladas por ano de resíduo eletrônico.
IHU On-Line – O senhor pode nos explicar quais são as rotas que podem ser usadas para reciclagem?
Hugo Veit – Há dois tipos de reciclagem: a de metal e a de plásticos. Na parte de metais, temos,
Indústria utilizando a pirometalurgia |
basicamente, quatro rotas possíveis, todas baseadas em processos metalúrgicos, de fabricação de metais a partir da natureza. Existe a pirometalurgia, cuja ideia é baseada em processos térmicos com a fundição do resíduo. Quando imaginamos um resíduo eletrônico dentro de um forno, por exemplo, a ideia é queimá-lo. A parte plástica irá evaporar e a parte metálica vai virar uma liga metálica. É a partir dessa liga que se separa o cobre do ferro, do alumínio etc. O problema dessa rota é que, como estamos queimando o lixo, e a parte plástica é tóxica, devemos ter um bom sistema de escapamento. Porém, processos térmicos têm um grande consumo energético, já que exigem altas temperaturas.
Outra rota é a hidrometalurgia. A ideia é lavar o resíduo para dissolver a parte metálica e levar os metais para uma solução iônica. Assim, podemos separá-los entre si.
A terceira rota é o processamento mecânico, onde se utiliza a diferença de propriedades físicas. Sabemos que alguns metais são mais pesados, magnéticos ou condutores.
A quarta rota para reciclar metais é eletrometalurgia, que, ao invés de conservar os metais na forma sólida, os dissolvem em uma solução iônica, onde podemos reduzi-los a uma célula para que os metais possam ser separados.
Na parte dos plásticos, temos algumas alternativas com três rotas principais: a reciclagem mecânica, química e energética. A reciclagem energética é baseada na ideia de que o plástico é originado do petróleo, e que, em princípio, ele é um combustível que pode ser queimado para a geração de energia. Claro que não é uma queima a céu aberto, é uma queima controlada.
A reciclagem química tem a ideia de pegar o plástico dos equipamentos e transformá-los novamente em um produto petroquímico, como se estivéssemos partindo do petróleo e usando-o para fazer plástico.
Por fim, a reciclagem mecânica é a mais utilizada. Consiste em quebrar o plástico, pegar um tipo de polímero, cuidando para separar os plásticos por tipos, triturá-lo, e, com esse material moído, fazer uma peça plástica. Isso pode ser feito com 100% de material reciclado ou com um percentual de material novo.
IHU On-Line – O setor informal pode reciclar também esses resíduos?
Hugo Veit – Isso é muito complicado. A grande dificuldade da reciclagem de eletro-eletrônicos é a complexidade. Não é uma reciclagem simples e manual. Associações de catadores, por exemplo, não terão equipamentos mais sofisticados para separar esses materiais. É diferente de pegar lixo seco e fazer a separação dos componentes. A reciclagem de eletrônicos envolve processos industriais mais elaborados, com várias etapas.
IHU On-Line – De que forma a sociedade mundial precisa avançar para a desmaterialização?
Hugo Veit – É difícil desmaterializarmos. Temos a vontade de sempre acompanhar a tecnologia, com equipamentos mais novos, mais modernos, com mais recursos. Isso se dá também pela vida útil muito curta dos aparelhos. Porém, muitas vezes, trocamos de celular, por exemplo, não porque ele estragou, mas porque queremos um novo. Esta é uma questão de educação ambiental.
"Muitas vezes, trocamos de celular, por exemplo, não porque ele estragou, mas porque queremos um novo" |
A educação de casa, do colégio, deve fazer com que o consumismo não seja tão importante em nossas vidas. O Brasil, principalmente, tem muito que evoluir. Existem outros países onde o consumismo não é tão grande, e mesmo que seja, alguns possuem uma boa educação ambiental e conseguem separar bem o lixo. Quanto mais segregado for o resíduo que geramos, mais viável será o processo de reciclagem. No Brasil, falta muito para uma evolução. Não temos legislação para o lixo eletrônico, então de quem é a responsabilidade? Não existe uma corresponsabilidade. Temos muito que crescer em termos de reciclagem, coleta, educação e conscientização no Brasil.
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Resíduo eletrônico: O que fazer? Entrevista especial com Hugo Veit - Instituto Humanitas Unisinos - IHU