27 Mai 2009
Foi lançado, no último mês, o Programa de Estudos da Diversidade (Homo)Sexual na Universidade de São Paulo. À frente dele, está o ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura e professor da USP Horácio Costa, que concedeu, por telefone, esta entrevista à IHU On-Line. Ele fala de como nasceu o programa e como ele será constituído. “Vamos estudar a memória homossexual brasileira, que é uma questão muito pouco pesquisada”, relatou.
Horácio refletiu também sobre a relação da cultura contemporânea com o homossexualismo e os desafios da diversidade homossexual, que aponta estarem relacionados com a questão da memória e, assim, vai ao encontro do ideal do Programa que ajudou a criar. “Acho que qualquer identidade passa necessariamente pela reivindicação, pelo destaque, pela reconstrução, pela redimensionalização da memória do passado”, disse.
José Horácio de Almeida Nascimento Costa é graduado em Arquitetura e Urbanismo, pela USP. Na New York University, realizou mestrado em Artes, e na Yale University, o mestrado e doutorado em Filosofia. É, atualmente, professor da USP e autor de diversas obras de poesia, entre as quais Satori (São Paulo: Iluminuras, 1989), Quadragésimo (São Paulo: Ateliê Editorial, 1999) e Fracta (São Paulo: Perspectiva, 2004).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por onde vão as pesquisas do Programa de Estudos da Diversidade (Homo)Sexual da USP?
Horácio Costa – O enfoque não é na diversidade sexual, pois isso seria algo muito amplo. A finalidade é criar, dentro da Universidade de São Paulo, um espaço de reflexão sobre a Homossexualidade. No nosso projeto, iremos estudar a memória homossexual brasileira, que é uma questão muito pouco pesquisada.
Eu quero enfatizar, ainda, o surgimento, numa universidade brasileira, de uma associação como a de Estudos da Homocultura. Veja bem, no IV Congresso da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura tivemos professores provenientes de quase todos os estados do país e até de outros países. Procurei estabelecer, principalmente, relações com países vizinhos. É um espaço novo de reflexão na universidade brasileira que promete muito para o futuro.
IHU On-Line – Qual a diferença entre diversidade sexual e diversidade homossexual?
Horácio Costa – A diversidade sexual inclui os estudos sobre feminismo, e a diversidade homossexual entra apenas no tópico da homossexualidade. Há um debate sob o ponto de vista acadêmico, mas a diversidade sexual inclui outros tipos de problemas, como a questão da heterossexualidade feminina diante dos mecanismos de poder etc.
IHU On-Line – O programa tem algum posicionamento político?
Horácio Costa – Evidentemente, não político-partidário, porque isso não é parte do espírito da universidade. Entretanto, toda a pesquisa que se faz sobre a diversidade homossexual, particularmente no que diz respeito à memória da homossexualidade no Brasil, termina por ser um campo de reivindicação política de inclusão e de respeito aos direitos humanos, sobretudo naquilo que se refere ao direito à memória.
IHU On-Line – Que tipo de estudos esse campo ainda necessita?
Horácio Costa – Trata-se, ainda, de um campo em construção e diz respeito às Ciências Humanas, fundamentalmente. Também inclui tópicos de outros campos, tais como saúde pública e direito. São problemas de legislação, políticas públicas, economia etc. Sob o ponto de vista das Ciências Humanas, trata-se de levantar questões, relacionadas ao homossexualismo, que envolvem manifestações culturais, a exemplo da história do teatro, das artes plásticas visuais, da literatura, da conformação do cânone literário, da receptividade da voz homossexual dentro do registro da literatura nacional. Há muitos campos que precisam ser cobertos e muitas pesquisas que estão sendo realizadas pelos membros do grupo. A experiência da formação do Programa vem em função da realização do IV Congresso da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura, da qual fui presidente. Ela é uma associação formada por acadêmicos brasileiros de diferentes lugares.
IHU On-Line – As experiências do movimento de mulheres feministas podem inspirar a discussão sobre gênero e diversidade homossexual?
Horácio Costa – Sim. Há uma coincidência política e cultural. A história do feminismo é iluminadora para o movimento homossexual, pois suas conquistas foram expressivas. As lutas e os embates não são os mesmos, mas rumamos a este precedente, deixando claro que o movimento homossexual como um todo surge das reivindicações femininas no final do século XIX. Entretanto, a chegada da mulher ao trabalho fez com que os tópicos dos movimentos feministas tivessem um grande avanço, ao passo que o movimento homossexual, apesar de ter sua raiz no século XIX, só nas últimas décadas do século passado se organizou em diversos países. No Brasil, ele se organizou com atraso, apenas no final do século XX.
IHU On-Line – De que maneira a sexualidade dialoga com a Teologia?
Horácio Costa – Eu acho que a liberdade, se existe um Deus, para a vida, inclui todas as suas manifestações positivas. Portanto, qualquer tipo de coerção às manifestações gozosas da existência é, do meu ponto de vista, autoritário e eticamente incabível. Assim, o que tem sido preconizado pelas religiões monoteístas é vergonhoso, considerando a liberdade e a beleza da existência.
IHU On-Line – Quais os desafios da diversidade homossexual hoje?
Horácio Costa – O maior desafio é de ordem político-cultural justamente na construção, ou reconstrução, ou destaque dessa memória subjacente. É uma memória que existe, mas que não está expressa em termos sociais. Mesmo para os homossexuais, essa memória não é conhecida o suficiente. Esse é o maior desafio porque não acredito em identidade desvinculada da memória. Acho que qualquer identidade passa necessariamente pela reivindicação, pelo destaque, pela reconstrução e pela redimensionalização da memória do passado.
IHU On-Line – Como se constitui a moralidade homossexual contemporânea?
Horácio Costa – Não existe moralidade homossexual, assim como não existe uma moralidade heterossexual. Estamos falando de conjuntos fluidos de coisas, então não pode haver uma moralidade única. Eu temo que qualquer escrutação moral possa levar a uma imoralização da minoria. Estamos num momento de exploração de pluralidade na sociedade, portanto com várias morais. É diferente do horizonte da ética, aquele que, por exemplo, coordena a relação do indivíduo com o Estado e do indivíduo com o Poder. Daí estarmos falando de uma ética coletiva. A questão moral vai por outro lado e inclui os multicomportamentos, que inclui, simultaneamente, várias morais.
IHU On-Line – A cultura contemporânea mudou os papéis tradicionais do masculino e do feminino. Ela mudou também o posicionamento dos homossexuais?
Horácio Costa – A cultura contemporânea alterou as relações intergenéricas e, ao fazê-lo, facilitou a afirmação de vários comportamentos que eram considerados desviantes e têm agora uma nova presença na sociedade. Portanto, a homossexualidade funciona como mais um elemento para a pluralização e relativização de comportamentos.
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A memória homossexual como campo de reivindicação política. Entrevista especial com Horácio Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU