23 Abril 2009
Ontem, a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul confirmou que uma mulher de 56 anos, moradora de Vera Cruz, no Vale do Rio Pardo, morreu em 21 de março por causa da doença. Outros quatro casos da enfermidade também foram confirmados na região. No RS, já são 18 casos confirmados de febre amarela, incluindo as sete mortes. A notícia é do jornal Zero Hora, 24-04-2009.
“As explicações para o ressurgimento da dengue são hipotéticas e poderiam ser explicadas por desequilíbrio ambiental, mudanças climáticas e cuidados pessoais. Já a febre amarela é uma doença cíclica. Não se pode dominar a proliferação de mosquitos nas matas.” Essa é a explicação que Airton Fischmann dá ao analisar a expansão de casos de vítimas da febre amarela. O epidemiologista concedeu, por e-mail, esta entrevista à IHU On-Line, na qual fala da saúde no Rio Grande do Sul com a presença tanto da febre amarela como da dengue. Assim, Fischmann nos traz dados que servem para uma importante reflexão sobre o problema. “O aumento da população de mosquitos ocorre em áreas silvestres, onde não se nota a presença dos avanços da medicina”, aponta.
Airton Fischmann formou-se em medicina na PUCRS, com especialização em Tisiologia. É também especialista em Saúde Pública, pela Universidade de São Paulo, onde também mestrou-se na mesma área. Foi epidemiologista do Programa Ampliado de Imunização, tomando parte nas atividades de erradicação da poliomielite e do sarampo, na Venezuela e em outros países da América Latina. Desde 1998, é assessor de epidemiologia da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o estado da saúde no Rio Grande do Sul? Que campos avançaram e que áreas ainda precisam de atenção?
Airton Fischmann – A saúde da população do Estado do Rio Grande do Sul, quando avaliada por indicadores de saúde, revela substancial melhora nos últimos anos. Alguns fatos podem explicar a resposta:
- A mortalidade infantil, que é o indicador que indiretamente mede desenvolvimento de uma região, diminuiu de 50 mortes de menores de um ano por mil nascidos vivos em 1970 para 12,6 por mil nascidos vivos em 2007.
- A varíola e a poliomielite foram erradicadas. Outras doenças transmissíveis como o sarampo, coqueluche, difteria foram controladas.
A expectativa média de vida ao nascer do gaúcho, que era de 66,6 anos no ano de 1970 (63,6 para o sexo masculino e 70 para o feminino), passou para 73,5 anos em 2007 (69,7 para os homens e 77,3 para as mulheres). Esse aumento se deve em parte à diminuição da mortalidade infantil, mas também aos avanços da medicina com a descoberta de novas curas e aumento do prolongamento da vida das pessoas. Também se relaciona com maior acesso aos serviços de saúde e à educação.
Nesse período, observou-se, também, uma grande diminuição da natalidade, passando de 240 mil nascimentos, no início da década de 1980, para 123.234, em 2007. O aumento da expectativa de vida associado a diminuição da natalidade acarretou um aumento da população de idosos. Hoje, a porcentagem de idosos é maior que a das crianças com menos de sete anos de idade em nosso estado. Este fato gera uma prioridade, que é da atenção à saúde do idoso. Também se reflete no quadro de morbi-mortalidade em que maioria da população sofre e vem a falecer por doenças crônicas não transmissíveis, principalmente as doenças cardiovasculares e as neoplasias (câncer). Não se pode deixar de citar também a importância da mortalidade por doenças do aparelho respiratório e por causa violências (principalmente homicídios, suicídios e acidentes)
IHU On-Line – O que significa a presença e o avanço da febre amarela no Rio Grande do Sul? Que cidades estão em alerta? A doença pode avançar ainda mais?
Airton Fischmann – A presença da febre amarela no Rio Grande do Sul é considerada como doença reemergente. Depois de mais de 40 anos, voltou a surgir no nosso Estado. No Rio Grande do Sul, ocorreu transmissão da febre amarela no passado, sendo que os últimos casos humanos datam de 1966, quando houve vacinação em toda a região noroeste.
A febre amarela, arbovirose causadora de morbidade e alta letalidade em regiões tropicais da África e das Américas, é uma doença febril aguda, de curta duração, cujo agente etiológico é um arbovírus (flavivírus). Primatas não-humanos (PNH), sobretudo bugios, gênero Alouatta, são os principais hospedeiros do vírus amarílico. Os vetores mais importantes, na América Latina, são os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Na febre amarela silvestre, ocorre infecção acidental quando uma pessoa susceptível interfere no ciclo enzoótico natural e infecta-se ao penetrar na mata e ser picada por mosquito infectado.
No Brasil, nos últimos anos, a febre amarela silvestre vem se manifestando fora de seus limites habituais de ocorrência, na forma de epidemias nas regiões Sudeste e Centro Oeste e epizootias em PNH na região Sul, com reativação de focos antigos, silenciosos há várias décadas (Bahia, São Paulo, Paraná).
Em maio de 2001, a 12ª CRS notificou a ocorrência de morte de macacos nos municípios de Garruchos e Santo Antônio das Missões. Constatou-se febre amarela como causa da morte. Na mesma localidade, foi isolado o vírus amarílico em mosquitos Haemagogus leucocelaenus. O Rio Grande do Sul, até então área indene em relação à febre amarela, passou a ter a sua região noroeste (43 municípios) classificada como área de transição, com vacinação da população desses municípios e viajantes. Em novembro de 2002, a 4ª CRS comunicou a existência de um bugio doente no município de Jaguari, o animal veio a óbito. Feita a necropsia, análises comprovaram febre amarela, determinando vacinação nos municípios de Jaguari, Mata e limítrofes, totalizando nove municípios.
Durante o ano de 2002, foram adquiridos equipamentos para captura de PNH. A vigilância se estruturou de duas formas principais: vigilância ativa e vigilância passiva. Entre outubro e dezembro de 2008, foram notificadas mortes de primatas em 32 municípios da região noroeste do estado, sendo que em 12 deles foi diagnosticada febre amarela como causa da morte dos animais. Com isso, as ações de vacinação foram desencadeadas e a vigilância de novas epizootias foi reforçada.
IHU On-Line – Nunca, na história do nosso estado, houve um grande número de macacos mortos. Isso é assustador, não?
Airton Fischmann – Lamentavelmente para os animais, mas felizmente para a população, a mortalidade de bugios é um aviso de que a doença se encontra em área silvestre e que existe uma grande “população” de mosquitos no interior das matas. Nesse caso, todas as pessoas que vivem nessas regiões ou próximas a ela, ou para aqueles locais vão se deslocar, têm de ser vacinadas. Assim, a morte dos macacos indica a necessidade vacinação, se comprovada a presença de febre amarela nesses animais, independentemente do número de animais mortos.
A vigilância ativa consiste basicamente em capacitação das Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS) no manejo e captura de PNH e realização de inquérito sorológico. Os bugios são capturados utilizando dardos anestésicos. Amostras de sangue e soro são encaminhadas para análise. Até dezembro de 2008, foram capturados 212 macacos de duas espécies Alouatta guariba clamitans e Alouatta caraya em vários municípios do Estado.
A vigilância passiva se baseia em notificação da ocorrência de morte de macacos por parte do município, o que desencadeia uma investigação no local. A Divisão de Vigilância Ambiental prossegue no monitoramento das populações de primatas não humanos. Paralelamente, são realizadas capturas da entomofauna para identificação das espécies de vetores da febre amarela silvestre para monitoramento e tentativa de isolamento viral.
IHU On-Line – Quanto à dengue, como o senhor vê focos do mosquito e a presença da doença no Rio Grande do Sul?
Airton Fischmann – Até o ano de 2006, só eram registrados no Rio Grande do Sul casos importados de outros estados. Em 13 de abril de 2007, surgiu, no município de Giruá, os primeiros casos autóctones (do local, não importados). Vários fatores concorrem para isso: vinda de caso (s) importado(s) de outro(s) estado(s), aumento da população de mosquitos transmissores, altas temperaturas e aumento de chuvas. Todas as epidemias de dengue ocorrem geralmente um a dois meses após excessivos períodos de chuva e calor, aumento de áreas com água limpa e parada (vasos, poças, pneus, calhas, pratos, garrafas, copos e outros), portanto relacionada a cuidados do homem. Assim, a dengue é uma doença, como quase todas, relacionada a múltiplas causas, muitas delas relacionada ao desenvolvimento social de uma região. Pode-se dizer que é um problema que afeta a saúde população, mas não é um problema isolado de saúde. É multicausal e multifatorial.
IHU On-Line – Algumas doenças consideradas erradicadas voltaram a aparecer no Brasil. Como o senhor vê isso? Há um descalabro da saúde?
Airton Fischmann – Primeiramente, há que se definir erradicação. Até hoje, somente duas doenças foram erradicadas. Mundialmente, a varíola e, na Região da Américas, além da varíola, a poliomielite (paralisia infantil), isso porque o conceito de erradicação de doença implica erradicação do agente, nesses dois caso os vírus causadores. Se não há erradicação do agente, pode-se dizer que determinada doença foi eliminada, quando o número de casos é igual a zero, mas o agente ainda existe e pode ser reintroduzido dependendo de várias circunstâncias. Ou ainda diz-se que está sob controle, quando o número de casos é muito pequeno e o sistema de saúde tem condições de evitar que aumente, por exemplo, com vacinações.
Dito isso, a resposta à pergunta: doenças erradicadas não voltaram a aparecer no Brasil. O que ocorreu foi o surgimento de doenças que antes não ocorriam, como, por exemplo, a hantavirose no Rio Grande do Sul, felizmente com um pequeno número de casos. As explicações para o ressurgimento da dengue são hipotéticas e poderiam ser explicadas por desequilíbrio ambiental, mudanças climáticas e cuidados pessoais. Já a febre amarela é uma doença cíclica. Não se pode dominar a proliferação de mosquitos nas matas e os dados nos mostram que no Brasil que há períodos com mais caso e outros com menos casos. Felizmente exista para essa enfermidade uma vacina grátis e eficaz.
IHU On-Line – E como o senhor vê o saneamento básico no estado? Há casos de crianças doentes em decorrência da água não tratada, por exemplo...
Airton Fischmann – Os dados disponíveis nos mostram que a porcentagem de população servida por água tratada e por sistema de esgotos aumentou nos últimos 30 anos. Um dos reflexos foi a diminuição da mortalidade infantil antes referida. No caso da disposição de degetos (sistema de esgotos), o avanço foi menor que o da água, havendo ainda muitas regiões com deficiência nesse tipo de serviço.
IHU On-Line – O que significa a presença dessas doenças nas regiões consideradas ricas no Rio Grande do Sul?
Airton Fischmann – O perfil das doenças no nosso estado, em várias análises por nós realizadas, reflete que a incidência, prevalência e mortalidade de doenças sempre são maiores na população menos escolarizada e, portanto, com menos condições sociais e econômicas.
IHU On-Line – Podemos considerar uma grande contradição o reaparecimento da febre amarela no Rio Grande do Sul quando a medicina no estado é considerada excelente e sofisticada?
Airton Fischmann – Uma coisa nada tem a ver com a outra. Os avanços da medicina se refletem em melhores indicadores de saúde. A febre amarela é uma doença que não pode ser evitada pela medicina, a não ser claro pelo uso da vacina que é muito eficaz. O aumento da população de mosquitos ocorre em áreas silvestres, onde não se nota a presença dos avanços da medicina.
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O estado da saúde no RS: a presença da dengue e da febre amarela. Entrevista especial com Airton Fischmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU