22 Outubro 2008
A revista IHU On-Line tratou, há duas edições, sobre a crise financeira a partir do pensamento do economista Keynes e, nesta semana, analisou este problema que afetou todos os países do mundo a partir de Marx. Além desses que são considerados as principais figuras para compreender nosso sistema econômico, Hyman Minsky tem sido outro nome bastante lembrado neste momento. Simone de Deos e André Lourenço conversaram com a IHU On-Line sobre as contribuições que o pensamento deste economista traz para compreendermos este problema. Hoje, Thaiza Regina Bahry analisa este problema e traz, novamente, o pensamento de Minsky para o debate. “Minsky, em sua obra, preocupou-se com as questões financeiras, a instabilidade do desenvolvimento capitalista e a articulação destas. Ele demonstrou que as expectativas dos agentes econômicos mudam de acordo com o estágio do ciclo econômico, o que também acontece com as relações de balanço econômico-financeiro e contábil”, disse ela nesta entrevista realizada por e-mail.
Thaiza Regina Bahry é graduada em Ciências Econômicas, pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. É mestre e doutora em Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Federal do Paraná. Também é professora do Centro de Estudos Superiores Positivo, da Faculdades Integradas do Brasil, do Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão e da Fundação Getúlio Vargas – RJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é preciso, neste momento, para elevar os níveis de confiança e o mercado voltar a crescer?
Thaiza Regina Bahry – Aconteceu que, neste período de boom econômico, as inovações financeiras se propagaram e os mercados não foram regulamentados como deveriam. Na prática, diante dessa crise, ficou evidente que os mercados financeiros não se auto-regulam, como vinha sendo proposto pela ideologia liberal. Dessa forma, precisa ser feita uma maior regulação do sistema financeiro mundial. Certamente, os mercados de derivativos, por exemplo, que foram a peça central da crise, serão regulamentados, o que, aliás, há muito tempo já é proposto por vários economistas e outros entendedores do mercado financeiro, que não foram ouvidos.
IHU On-Line – Você estuda o pensamento de Hyman Minsky. Como suas teorias podem ser compreendidas para que possamos entender essa crise financeira que abalou o mercado mundial?
Thaiza Regina Bahry – No momento atual, temos vivido uma grande turbulência financeira em nível mundial, que já está afetando a economia real. Minsky, em sua obra, preocupou-se com as questões financeiras, a instabilidade do desenvolvimento capitalista e a articulação destas. Ele demonstrou que as expectativas dos agentes econômicos mudam de acordo com o estágio do ciclo econômico, o que também acontece com as relações de balanço econômico-financeiro e contábil. No início do processo, os balanços apresentam solidez porque os preços dos ativos são estabelecidos de maneira conservadora e as dívidas assumidas são pequenas em relação a eles. Porém, a ausência de dificuldades financeiras sérias sobre um período substancial conduz ao desenvolvimento de uma economia eufórica, na qual o aumento do financiamento de curto prazo de posições de longo prazo torna-se um caminho normal.
Os banqueiros, estimulados pelo sucesso dos empreendimentos e pelo ambiente de tranqüilidade que se apresenta, reavaliam positivamente suas expectativas e passam a aceitar maiores níveis de endividamento. Assim, para fazer frente a tal situação, considerando uma dada quantidade de reservas, criam novas práticas financeiras e novas instituições. Durante o boom, as inovações financeiras se propagam e permitem a sustentação do investimento e do preço dos ativos de capital. Ao longo de um boom econômico, firmas, acionistas e instituições financeiras assumem posições mais arriscadas. Quando aumenta o perigo das estruturas obrigacionais, a demanda especulativa por dinheiro aumenta e as empresas endividadas e instituições financeiras tentam vender ativos para pagar dívidas. Assim, na fase de crescimento econômico, os preços dos ativos sobem e cresce o peso da dívida, até que as obrigações superam a rentabilidade dos ativos e uma desaceleração econômica é então induzida.
Cai o valor dos ativos e pode desencadear-se um ciclo de deflação de dívidas (e também de demais ativos), e nesse momento é identificada uma crise. Assim, verifica-se que, durante o período de boom, ocorre uma redução da estabilidade do sistema, o que se explica pela formação de uma estrutura de dívida, cuja validação não é permitida pelo fluxo de renda das empresas. Isso torna a economia financeiramente frágil e propensa a crises. Isto descreve, de fato, o que tem acontecido nos Estados Unidos.
IHU On-Line – Quais as chances de o mundo cair numa depressão econômica?
Thaiza Regina Bahry – Na concepção minskyana, temos o Big Government e o Big Bank – que são de grande importância para o autor e têm como objetivo a estabilização da economia, isto é, evitar ou diminuir a fragilização crescente dos agentes econômicos. As intervenções do Big Government podem abortar a crise através do refinanciamento das empresas ou sustentando os lucros por meio do déficit fiscal. O Big Bank, por sua vez, atua como emprestador em última instância, agindo sobre a estrutura de ativos e passivos. Nesse sentido, a intervenção dos bancos centrais se dá de forma a impedir uma deflação de preços, que pode ocorrer diante da necessidade, por parte de instituições financeiras, de realizar posições pela venda de ativos. Em relação ao momento atual, temos observado intervenções no sentido de tentar conter a instabilidade e seus efeitos. Essas intervenções às vezes têm demorado um pouco para acontecer, mas têm acontecido. Não creio que teremos uma depressão como a dos anos 1930. Teremos uma recessão mundial, talvez longa. Porém, ainda é difícil precisar qual será a sua duração e a sua intensidade.
IHU On-Line – Como você analisa as intervenções financeiras, realizadas pelos Estados Unidos e Inglaterra, para salvar bancos e instituições privadas que sofreram os maiores impactos da crise?
Thaiza Regina Bahry – Creio que as intervenções foram necessárias, uma tentativa de conter ou reduzir o pânico. Na prática, temos visto que os mercados, apesar de todas as intervenções, têm oscilado muito. Porém, se elas não tivessem sido feitas talvez as proporções do que temos visto viessem a ser muito maiores. Acho que agora, para evitar novos danos no futuro os mercados financeiros precisam ser regulamentados.
IHU On-Line – Como é possível pensar no modelo de desenvolvimento da economia a partir de agora?
Thaiza Regina Bahry – O que se percebeu na prática é que não basta deixar os mercados financeiros por conta do mercado, ou seja, sem intervenção, acreditando que eles vão se auto-regular. Quer dizer, ficou evidente, que estes mercados não se auto-regulam, que precisam de intervenções, de regulamentações. A nova arquitetura das finanças mundiais ainda não está definida, porém deve haver mudanças neste sentido. Creio que o mercado financeiro não será mais tão liberal como vinha sendo.
IHU On-Line – O que explica o início desta crise?
Thaiza Regina Bahry – Países de economia capitalista têm passado por várias turbulências ao longo dos anos. Mas é claro que uma crise dessas proporções, e atingindo a economia mundial, não se via desde 1929. A economia apresenta um comportamento cíclico, sendo que os ciclos são gerados endogenamente e são transitórios. Desta forma nem o boom, nem a estagnação, nem a recuperação – e mesmo qualquer outra fase do ciclo – vão durar para sempre. Porém, não existe um tempo definido para sua duração. O que é certo é que os ciclos são originários dos atributos financeiros. A causa imediata da natureza transitória de cada estado cíclico é a instabilidade do investimento, mas a causa mais profunda dos ciclos de negócios numa economia com instituições financeiras do capitalismo é a instabilidade de portfólios e de inter-relações financeiras. As inovações financeiras ocorridas no período, bem como a própria disposição dos agentes em manter tais ativos em seus portfólios, sustentaram o ciclo. Além disso, e muito importante, em muitos momentos, os governos fizeram intervenções na economia. Aliás, até a década de 1970 a política keynesiana foi muito praticada.
IHU On-Line – Quais as condições da economia brasileira diante desta crise?
Thaiza Regina Bahry – A economia brasileira está hoje numa condição mais favorável em relação as suas contas externas do que esteve na época, por exemplo, das crises asiática e russa na década de 1990. Além disso, o nosso regime cambial é outro o que também reduz a nossa dificuldade neste momento conturbado, em comparação com o período anterior. Então, nesse sentido, estamos numa situação muito mais confortável que em períodos passados. A volatilidade está nas nossas bolsas e na taxa de câmbio, que têm oscilado significativamente. Ao mesmo tempo, a economia real dos EUA tem sido atingida. Os EUA em recessão significa que o crescimento no mundo todo tende a cair. E o Brasil também terá um crescimento menor. Entre outras coisas, o volume de crédito tende a cair e o seu custo aumentar, o que inclusive já tem acontecido. E isto obviamente afeta o PIB.
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"Para evitar novos danos no futuro, os mercados financeiros precisam ser regulamentados". Entrevista especial com Thaiza Regina Bahry - Instituto Humanitas Unisinos - IHU