01 Julho 2008
Bispo emérito de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Dom Clemente José Carlos Isnard, nasceu em julho de 1917, ou seja, está comemorando 91 anos de idade este mês. Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, muito lúcido, ele fala sobre sua experiência como bispo de Nova Friburgo por 33 anos e afirma que foi nesse período que descobriu "a opção preferencial pelos pobres, que ajudei com meu voto a implantar na Conferência de Puebla".
Dom Clemente foi bispo de Nova Friburgo de 1960 a 1992 e vice-presidente da CNBB de 1979 a 1983, quando Dom Ivo Lorscheiter era presidente e Dom Luciano Mendes de Almeida era secretário. Entre outros cargos, foi presidente do Departamento de Liturgia do CELAM de 1979 a 1982; 2º vice-presidente do CELAM de 1983 a 1987; participante das Conferência de Puebla (1979) e Santo Domingo (1992); e vigário geral da Diocese de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Dentro da Igreja, sempre se destacou na dimensão litúrgica, tendo, inclusive, participado do Concílio Vaticano II.
Cursou Teologia na Escola Teológica de São Bento, do Rio de Janeiro, Filosofia no Mosteiro de São Bento, e é ainda bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Atualmente, vive em Recife. É autor de, entre outros, Dom Martinho (biografia) (Rio de Janeiro: Lúmen Christi, 1999).
Eis a entrevista:
IHU On-Line – O senhor completará 91 anos de idade neste mês de julho. Que balanço faz de sua vida como religioso e membro da Igreja?
Dom Clemente Isnard – Eu não esperava viver tanto tempo, embora minha mãe tenha chegado a quase 99 anos. Faleceu três dias antes. Tive uma vida resguardada por Deus, em uma família feliz e unida, e com uma babá extraordinária. Fiz os estudos em casa, com professores particulares. Terminei o ginásio com 13 anos. Com essa idade, ingressei na Faculdade de Direito e comecei a comunhão diária. Entrei na Ação Católica e, com 18 anos, ingressei no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Tive bons amigos no período universitário e uma tia em casa que foi providencial. Tive um diretor espiritual extraordinário na pessoa de Dom Martinho Michler. Ordenei-me padre em 1942 e em 1960 fui nomeado bispo, ficando 33 anos e meio como bispo de Nova Friburgo. Na CNBB e no CELAM fui eleito vice-presidente e fui cerca de 20 anos presidente da Comissão de Liturgia. Quando deixei minha Diocese, aos 76 anos, servi quatro anos como vigário geral de Duque de Caxias. Aos 90 anos, resolvi em Recife dedicar o resto dos meus anos à defesa do Movimento Litúrgico e do Concílio Vaticano II. Publiquei três livros. É um balanço muito homogêneo.
IHU On-Line – O que significa para o senhor a experiência de 33 anos de atuação como bispo da Diocese de Nova Friburgo?
Dom Clemente Isnard – Foi uma revelação ter sido bispo por 33 anos em Nova Friburgo. Descobri nesse período a opção preferencial pelos pobres que ajudei com meu voto a implantar na Conferência de Puebla. E como bispo participei do Concílio Vaticano II.
IHU On-Line – O que o motivou a escrever seu livro publicado recentemente Reflexões de um bispo sobre as instituições eclesiásticas atuais? Quais as questões mais candentes que o senhor aborda nestas reflexões?
Dom Clemente Isnard – Ser bispo representou para mim uma conversão. Achei, então, que devia dar um testemunho público acerca das atuais instituições eclesiásticas. São quatro capítulos em que escrevo sobre a nomeação dos bispos, o celibato dos padres, as ordenações femininas e os bispos eméritos. Por intervenção da Nunciatura a “Paulus” desistiu de publicar meu livro. Mas a Editora Olho D’Água de São Paulo se prontificou a fazê-lo, pelo que muito agradeço.
IHU On-Line – Que efeitos o senhor espera que produzam estas reflexões na Igreja católica?
Dom Clemente Isnard – Espero que essas idéias acabem frutificando na hora de Deus (quando Deus quiser) e sendo adotadas. Quando? Não sei.
IHU On-Line – Quais são os principais avanços e as principais dificuldades vividas pela Igreja na caminhada das comunidades após a promulgação da Sacrosanctum Concilium?
Dom Clemente Isnard – Nas Dioceses que adotaram o programa das CEBS (Comunidades Eclesiais de Base) os avanços foram os seguintes: celebração da Palavra de Deus aos domingos com distribuição da comunhão; leigos e leigas como ministros extraordinários do Batismo e testemunhas qualificadas do Matrimonio; difusão da Oração do Povo de Deus; modificação da espiritualidade. As dificuldades também existiram, mas vieram da força da inércia para adaptar o novo.
IHU On-Line – Para que aconteça uma reforma litúrgica em nosso contexto o que seria necessário? Por que a liturgia, que é festa do Povo de Deus, se reduz a um culto de espectadores adultos?
Dom Clemente Isnard – A reforma litúrgica avançou bastante. Para que avance mais, contamos com um trabalho nos seminários para animar a nova geração de padres.
IHU On-Line – Que mudanças e que alternativas se esperam da Igreja hierárquica para sair do que o senhor denuncia como farisaísmo no seu livro?
Dom Clemente Isnard – O farisaísmo está definido no Evangelho. Todo mundo que já leu uma vez o Evangelho sabe. É gostar das aparências, dos sinais exteriores, das roupas suntuosas, dos títulos. Praticando o Evangelho, excluímos o farisaísmo.
IHU On-Line – Uma flexibilização das posições do magistério da Igreja quanto ao celibato dos padres (por exemplo: celibato como escolha pessoal e não como condição) e a ordenação de mulheres não ajudaria a igreja a ser mais viva, mais mística e mais humana?
Dom Clemente Isnard – Essa pergunta encara uma verdade. Por exemplo: a escolha pessoal do celibato e não este transformado em condição, ajudaria a Igreja a ser mais viva e mais humana. Perguntando se ensina.
IHU On-Line – Qual é o maior impedimento para que os padres casados possam exercer seu ministério, sendo que na Igreja primitiva isso era permitido, e para que mulheres possam ser ordenadas? Como isto se justifica?
Dom Clemente Isnard – O casamento dos padres não é impedimento teológico. É impedimento meramente jurídico, dependendo de uma lei que pode ser revogada. Aliás, esse impedimento só existe na Igreja Latina. Na Melquita e em outras Igrejas unidas a Roma, os padres são casados. A ordenação das mulheres depende de outras coisas, inclusive de um documento infeliz de João Paulo II.
IHU On-Line – Na Conferência de Aparecida, a presença de mulheres foi muito limitada, e a questão do ministério das mulheres não esteve na pauta. Que possibilidades o senhor vê para se avançar nesta questão?
Dom Clemente Isnard – A idéia da ordenação sacerdotal de mulheres é nova na Igreja. É idéia que ainda está crescendo. O livro Mantenham as lâmpadas acesas, do cardeal Lorscheider, explica bem esse ponto nas páginas 58 e 59. E termina dizendo: “o assunto fica em aberto. Pode-se ter esperança ainda”!
IHU On-Line – Além do senhor e do cardeal Martini, que outras vozes e movimentos apontam hoje para uma reforma na Igreja?
Dom Clemente Isnard – Eu não saberia apresentar uma enumeração completa, mas há muitas vozes no dia de hoje pedindo uma reforma na Igreja. Pedir a reforma da Igreja não é ser contra, mas a favor. É querer que a Igreja volte aos seus tempos primitivos, à sua proximidade do Evangelho de seu fundador, Jesus Cristo.
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"A ordenação de mulheres é uma idéia nova na Igreja e está crescendo". Entrevista especial com D. Clemente Isnard - Instituto Humanitas Unisinos - IHU