17 Março 2008
Hoje, congestionamento a qualquer hora do dia é parte do cotidiano das grandes cidades brasileiras. Um fato por demais problemático, que tenciona as relações e, principalmente, o dia-a-dia de quase toda uma população que depende do transporte – público ou não – para deslocar-se. Enquanto não há pesquisas ou trabalhos que possam resolver esse problema, o Brasil destaca-se no campo de estudos relacionados aos combustíveis alternativos aos fósseis. “O que estamos vendo é um histórico de descaso com o transporte coletivo. Por isso, temos esse problema grave de congestionamento no Brasil e um foco muito grande no automóvel”, afirmou o professor Luis Lindau, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Luis fala sobre o transporte sustentável, combustível limpo e o déficit que nosso país tem em relação a projetos na área de transporte coletivo. Para ele, o transporte precisa ser encarado como a principal pauta no projeto desenvolvimento das cidades. “O que está acontecendo no momento é que a cidade vai se desenvolvendo e o transporte corre atrás”, diz.
Luis Antonio Lindau é engenheiro civil, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Obteve o título de doutor em Transportes na University of Southampton, na Inglaterra, e o de pós-doutor na University of London, também na Inglaterra. Atualmente, é membro de diversos cômites de pesquisas relacionadas a transportes, como Associação Nacional de Transportes Públicos e professor da UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Luis, qual é a situação atual do transporte sustentável no país?
Luis Lindau – O ponto principal é que o transporte no Brasil não é sustentável. O que temos são propostas de combustíveis. Se eles são sustentáveis ou não, é outra discussão. Está havendo um debate internacional sobre o que seriam combustíveis realmente sustentáveis. De qualquer forma, o Brasil está despontando no cenário internacional por ter propostas para biocombustíveis. Em relação ao restante, não é sustentável. O que vemos é um histórico de descaso com o transporte coletivo. Por isso, temos esse problema grave de congestionamento no Brasil e um foco muito grande no automóvel.
IHU On-Line – Como o senhor analisa as pesquisas que estão sendo feitas no Brasil sobre transporte sustentável e combustível limpo?
Luis Lindau – Existem pesquisas sobre os combustíveis em si, sobre formas de produção, sobre qual a melhor matéria-prima para biocombustíveis e isso feito por uma área que não a de transportes, ou seja, pelo campo da biologia, ou da química. A parte de combustíveis está evoluindo, e o Brasil apresenta um histórico de desenvolvimento nesse campo. No entanto, isso não implica que o transporte no Brasil seja sustentável. Quando vamos para o lado operacional, que envolve como as coisas circulam no país, não temos sustentabilidade. Porque não possuímos, na área de carga, um foco em tecnologias menos dependentes de combustíveis fósseis, como por exemplo, na área de ferrovias e na área de transporte marítimo. E, no caso urbano, estamos focados na área de automóvel. Assim, somos pouco sustentáveis na área de transporte.
IHU On-Line – Qual é o papel do transporte urbano na promoção do desenvolvimento local e global das cidades?
Luis Lindau – O transporte precisa ser encarado como o eixo do desenvolvimento. Na cidade, o transporte precisa ser visto como o elemento que irá promover o desenvolvimento da cidade. É necessário que pensemos em corredores urbanos com alta capacidade de transporte coletivo, para, a partir deles, fazer e promover o desenvolvimento da cidade. O que está acontecendo no momento é que a cidade vai se desenvolvendo, e o transporte corre atrás. Então, nós precisamos inverter essa lógica. Há cidades que já fizeram isso, como Curitiba, que promoveu todo o seu desenvolvimento a partir do sistema de transportes. Por isso, hoje é mais barato comprar imóveis em Curitiba do que em Porto Alegre, por exemplo.
IHU On-Line – De que forma as cidades devem repensar as políticas de transporte urbano?
Luis Lindau – As cidades precisam entender que o transporte coletivo é sua mola propulsora ou é o elemento estruturador do desenvolvimento da cidade. Além disso, precisam pensar primeiro em prover esses corredores de alta capacidade, além de pensar no transporte não-motorizado também. Estou falando de pedestres e bicicletas. Penso neles como elemento do transporte como um todo, como alimentadores de um sistema de transporte coletivo e também nesses transportes não-motorizados como o principal elemento do deslocamento dos bairros das cidades, de curta distância. Precisamos dessas facilidades disponíveis como alternativa ao uso do automóvel.
IHU On-Line – Como o senhor imagina que será a cidade sustentável no futuro?
Luis Lindau – Existem cidades que, inclusive, estão sendo desenhadas do nada para ter essa dimensão. Então, a cidade sustentável é mais do que transporte. Há outras coisas que precisam ser consideradas na sustentabilidade da cidade. É preciso ter, por exemplo, também, o tratamento de todos os efluentes. Do ponto de vista de transportes, a cidade sustentável tem esse componente todo: o sujeito tem uma boa alternativa de transporte coletivo, boa alternativa de circulação, um espaço viário bem designado e bem caracterizado para o pedestre, para o ciclista, para o transporte coletivo e para o transporte individual, mas nessa ordem e não o inverso. Hoje, por exemplo, percebemos que o automóvel está pautando tudo, ou seja, está roubando o espaço do pedestre, do transporte coletivo, das bicicletas. E, como todos sabem, ele é muito pouco eficiente. Do ponto de vista de capacidade do transporte, perde para todas as outras modalidades de que falei em termos de necessidade de uso de via. O fato é que estamos dando muito espaço para a modalidade menos eficiente.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a possibilidade de Porto Alegre instalar o sistema de rodízios de carros assim como São Paulo?
Luis Lindau – Só para dar outros dois exemplos, esse sistema funciona também em Bogotá e na Cidade do México. Em todas essas cidades, o que se observou foi o aumento da frota veicular, quando isso foi implantado ao longo do tempo. À medida que isso acontece, as pessoas se motorizam mais. Esses veículos adquiridos são antigos, portanto mais poluentes. E agora cada veículo é utilizado por mais pessoas. Esse é um fenômeno que irá acontecer e com um agravante adicional, a entrada de mais motocicletas. Além de serem poluentes, elas comprometem a segurança dos usuários. Infelizmente, essa é a pior forma de resolver o problema. Uma vez implementado esse sistema, se pressupõe que o transporte coletivo seja muito bom. Apesar de termos ônibus muito bons circulando na cidade, o espaço de circulação e a forma como nosso sistema de transporte coletivo estão desenhados não são ainda apropriados. Ou seja, não representam um bom sistema ainda.
IHU On-Line – E o que a sociedade precisa fazer para mudar prioridade de espaços destinados aos diferentes transportes?
Luis Lindau – A sociedade precisa cobrar dos governantes para que um bom sistema de transporte coletivo seja implementado. Este precisa ter todos os atributos de um sistema como o ferroviário, que é caro, instalado no mesmo sistema em que se inserem os ônibus, de forma que possamos ter uma rede bem extensa. Precisamos exigir isso, pois o metrô é fantástico, mas muito caro. Não conseguimos implantar todo um sistema metroviário numa cidade rapidamente, mas rapidamente é possível redesenhar todo um sistema de ônibus para que tenhamos um sistema de ônibus fantástico. Uma vez que tenhamos esse sistema de ônibus, podemos reestruturar todo o resto, o que é perfeitamente factível.
IHU On-Line – Há algum programa hoje que seja considerado o ideal em termos de transporte sustentável?
Luis Lindau – O que temos são várias cidades no mundo perseguindo diferentes linhas, ou linhas próximas. Temos um esforço muito grande no mundo desenvolvido em bicicletas, com uma meta de elevar 20% os deslocamentos através desse meio. Essa é uma meta e as cidades estão perseguindo essa meta. Um exemplo mais claro disso é Paris. Ou seja, as ótimas cidades nunca param, estão sempre evoluindo. Nesse caso, a capital francesa possui um ótimo sistema de transporte coletivo, mas está buscando a meta de ter mais bicicletas. Depois, temos os exemplos de Londres e Estocolmo, que estão perseguindo o controle do automóvel de uma forma inteligente – que não é por meio da placa, uma forma muito antiquada. Eles estão perseguindo isso através da cobrança do uso das vias, uma espécie de pedágio urbano dependendo da hora do dia e do tipo do veículo. Mas de novo, por detrás disso, se pressupõe um bom sistema de transporte coletivo, ou seja, não adianta estar pensando em soluções mirabolantes se não tivermos um bom sistema de transporte coletivo montado.
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Transporte sustentável: uma difícil tarefa que o Brasil ainda não começou. Entrevista especial com Luis Lindau - Instituto Humanitas Unisinos - IHU