01 Novembro 2007
Composta por Teixeirinha, a canção Querência Amada é proposta por um deputado gaúcho para ser o hino popular rio-grandense. Isso tem gerado inúmeras discussões, pois enquanto a música é uma reverência à cultura gaúcha, mas para algumas pessoas, como o advogado Jacques Alfonsin a referência que a canção faz a Deus é lamentável. Sobre este assunto, a IHU On-Line conversou brevemente com Irmão Antonio Cechin, que enfatiza "para constatar a inconveniência, ou melhor a irreverência desses arquétipos, basta inquirir qualquer operário para se dar conta do substrato da palavra patrão que vai na cabeça dele".
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A canção “Querência Amada” faz referência a Deus, caracterizando-o como gaúcho pampeano. Qual é a sua opinião sobre a cristologia gaúcha?
Irmão Antonio Cechin - No Fórum da Igreja Católica, há pouco realizado, participei de uma oficina que tinha como tema “Haverá uma cristologia gaúcha”? Todos os presentes partimos para a reflexão sob o mote: “Embora nem tudo na cristologia seja teológico, tudo na cristologia é cultural. O cultural é a forma matricial, expressiva e comunicável da reflexão teológica”. Uma de nossas primeiras constatações foi de que o Jesus oficial do Rio Grande do Sul, produzido pela cultura dominante neste Estado, deixou muitas coisas esquecidas. Uma das mais gritantes é o seu profetismo diante dos ricos. Aqui no Estado, jamais Ele disse um “ai de vós ricos”, e muito menos a sua mãe Maria veio com aquelas frases do tipo “deixou os ricos sem nada”. A contradição das relações de produção não aparecem. Ricos e pobres colaboram, contribuem, cooperam uns com os outros. A pobreza e a riqueza são frutos de um processo natural. Não há esta história de “ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres". O Jesus gaúcho não é o do presépio nem o do patíbulo da cruz.
IHU On-Line - A canção fere a fé que temos em Deus?
Irmão Antonio Cechin - O Deus de todas as religiões é um só e o mesmo de todas. Os caminhos para se chegar até Ele é que são os mais diversos. O que, no meu modesto entender, distingue o Deus das religiões do Deus do cristianismo, é que o primeiro (das religiões) é um Deus transcendental e que se revela aos homens por intermédio de algum profeta especial. Por exemplo: Buda, no budismo; Maomé, nos islamismo, etc. No caso do cristianismo, nosso Deus é um HOMEM, é Jesus de Nazaré. Fora de Jesus Cristo, o cristianismo não existe. Jesus de Nazaré foi de tal maneira humano, que de tão humano só podia mesmo ser Deus. O homem Jesus, Deus encarnado, veio do lado dos pobres. Fora dessa opção pelos últimos dos mortais, é impossível qualquer cristologia. Ora, a cultura gauchesca de que vem revestida essa canção, que é tão do agrado das classes dominantes em nosso Estado, não simpatiza com os pobres, haja vista como trata o MST, os moradores de rua, os desempregados, catadores etc.
IHU On-Line - Qual é a sua opinião sobre a missa crioula que aconteceu no Fórum da Igreja Católica?
Irmão Antonio Cechin - Por opção, não assisti à missa crioula no Fórum. Como educador da fé que sou por profissão, considero essa missa um obstáculo para os trabalhos de evangelização. Os arquétipos com que vem revestida a linguagem, durante todo o transcorrer da celebração, são totalmente inconvenientes. Três exemplos: Deus-Pai é invocado como patrão celestial; Jesus Cristo, o Deus Filho, é o divino tropeiro; Maria, a Mãe de Jesus, é a primeira prenda do céu. Para constatar a inconveniência, ou melhor a irreverência desses arquétipos, basta inquirir qualquer operário para se dar conta do substrato da palavra patrão que vai na cabeça dele; quais os sentimentos que lhe afloram na alma quando ouve esse palavra. Logo nos daremos conta da infelicidade do termo, em relação ao Pai amoroso, que é o nosso Deus. Na língua hebraica era designado como “Aba, ou seja, paizinho” como relatam as Escrituras.
IHU On-Line - O que representa para o Estado ter uma canção como esta, com estas referências a Deus?
Irmão Antonio Cechin - O mínimo que posso dizer é que essa canção ofende profundamente a sensibilidade religiosa dos cristãos rio-grandenses e brasileiros.
IHU On-Line - A música “Querência Amada” é uma afronta à cultura gaúcha?
Irmão Antonio Cechin - Entendo que as comemorações que fizemos em 2006 e que continuamos a fazer em torno dos 250 anos do martírio de São Sepé Tiaraju, ao mesmo tempo herói e santo por vontade expressa do povo guarani e dos movimentos populares do Rio Grande, muito estão nos ajudando a descobrir raízes mais autênticas do tradicionalismo gaúcho do que esse que anda por aí.
Não é só São Sepé Tiaraju que “nasceu nas Missões dos Sete Povos”, como diz a canção de Barbosa Lessa. Nós todos, os rio-grandenses, nascemos e renascemos junto com Sepé, nas Missões Jesuíticas, que significam o ato fundante do Rio Grande do Sul e que como tal, devem ser o referencial permanente tanto para a Igreja daqui e desta sociedade sulina. O referencial central do gauchismo em voga, que é a Revolução Farroupilha, é pobre demais para continuar a ser cantado em prosa e verso.
Sepé Tiaraju e o Povo Missioneiro além de serem declarados patrimônio da humanidade pela Unesco, também foram proclamados pelos luminares da Revolução Francesa como “o grande Triunfo da humanidade”. A chamada “Grande Experiência” com que foram designadas as Missões, pelos intelectuais do século 18, só tem como sinônimo o sonho representado pelo Fórum Social Mundial dos nossos dias, que tem como objetivo construir um mundo diferente, na linha da solidariedade praticada pelo Povo Missioneiro.
Nesta altura dos acontecimentos, somos muito mais para missioneiros do que para gaúchos em nossa prática tradicionalista que, aliás, já vem sendo protagonizada por respeitáveis moradores deste Estado, particularmente por aqueles que moram na Região de passado Missioneiro.
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"Querência amada ofende a sensibilidade religiosa dos cristãos sul-riograndenses e brasileiros". Entrevista especial com Irmão Antonio Cechin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU