05 Outubro 2016
"A chegada de um papa de nome Francisco revigorou a paixão por Francisco de Assis, e a bibliografia incessante sobre o Santo atesta que nunca ficamos saciados de descobrir cantos remotos da alma e da história de um personagem já cercado de luz poucos anos depois da sua morte ocorrida no entardecer do sábado, 3 de outubro de 1226, como testemunha Dante no canto XI do Paraíso."
A opinião é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 02-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Artesão da paz (Periodista Digital)
"Francisco, o meu santo preferido. Eu escrevi quatro comédias sobre ele. Retratei-o mil vezes. Mas nunca fiquei saciado." Essa confissão de Dario Fo no diálogo Dario e Dio, realizado por Giuseppina Manin, expressa um sentimento muito difundido entre crentes, não crentes e diversamente crentes.
Naturalmente, a chegada de um papa de nome Francisco revigorou essa paixão, e a bibliografia incessante sobre o Santo de Assis atesta que nunca ficamos saciados – para usar a locução de Fo – de descobrir cantos remotos da alma e da história de um personagem já cercado de luz poucos anos depois da sua morte ocorrida no entardecer do sábado, 3 de outubro de 1226, como testemunha Dante no canto XI do Paraíso.
Pescando na bibliografia desses últimos meses, deparamo-nos com uma série variada de textos, particularmente os publicados pelas Edizioni Biblioteca Francescana, que têm a sua sede no convento de uma das igrejas mais queridas dos milaneses, Sant'Angelo, uma das principais testemunhas da arquitetura lombarda do século XVI, embelezada por um imponente aparato pictórico e escultórico.
Esse convento, elaborado por Giovanni Muzio nos anos 1930-1940, foi a sede de um importante centro cultural, o "Angelicum", com um teatro e até mesmo uma orquestra, com espaços para exposições, estruturas de caridade e, justamente, uma rica Biblioteca Franciscana. Às suas edições, devemos também a fundamental coleção das Fontes Franciscanas, que apareceu pela primeira vez em 1977 e foi repetidamente revista e reeditada até 2011. Agora, ao contrário, nos são apresentadas várias obras "franciscanas": começamos com o livro de um dos maiores estudiosos de Francisco, Jacques Dalarun, dedicado à obra-prima (em nível literário e popular) do santo de Assis, o "Cântico do Irmão Sol", tomando como referência textual o fundamental manuscrito assisiano 338.
Depois de abordar as coordenadas gerais (autor, gênese, tradição), o estudioso – autor, dentre outros, de um monumental François d'Assise (2010), em dois volumes que totalizam 3.418 páginas – traça uma espécie de tríptico, pontuado por diversos atos, delineando, assim, a estrutura literária e temática do hino. Por essa via, somos conduzidos pela mão nas maravilhas de um canto de "laude, gloria, honore, benedictione" através de panoramas que não devem ser contemplados romanticamente, porque são verdadeiros símbolos místico-teológicos. A esse respeito, Dalarun é incisivo ao impedir uma hermenêutica "ecologista" demais: "Francisco não venera a natureza: ele celebra a criação (…) Ele não é um admirador extático da natureza (…) Francisco é tão pouco vegetariano quanto ecologista". Com efeito, a Laudato si' do Papa Francisco, embora remetendo às questões ambientais, também o faz na perspectiva bíblica da proteção da criação e em chave teológica e moral.
O esplêndido aparato iconográfico que incrusta cada página desse ensaio, a apaixonada premissa de Attilio Bartoli Langeli e, principalmente, a intensa exegese de Dalarun permitem que o leitor reencontre o comprimento de onda correto para estar em sintonia com Francisco, que "não era um sonhador", mas uma extraordinária testemunha no qual beleza e miséria, estupor e realismo, canto e oração se fundiam em uma trama unificada, marcada pelo baixo contínuo da fé alta e pura.
Basta ouvir novamente, por exemplo, o suspiro da sua "Oração diante do Crucifixo", considerada o texto mais antigo do santo, composta talvez em janeiro de 1206, quando, ao entrar na igreja de São Damião, ocorreu a sua "conversão": "O alto e glorioso Dio, illumina le tenebre de lo core mio, e dammi fede diritta, speranza certa e caritade perfetta, senno e cognoscimento, Signore, che faccia lo tuo santo e verace comandamento. Amen" [Ó alto e glorioso Deus, ilumina as trevas do meu coração e dá-me fé reta, esperança certa e caridade perfeita, senso e conhecimento, Senhor, que eu faça o teu santo e veraz mandamento. Amém].
O próprio Jacques Dalarun nos apresenta, em outro livro, uma aventura vivida por ele. Em 2014, do Vermont, um amigo lhe assinalava um antigo manuscrito posto a leilão, que continha uma biografia de São Francisco: a um primeiro exame realizado nas reproduções online daquele códice – que continha outros textos nos seus 122 fólios de pergaminho copiados nas décadas de 1230-1240 para o uso dos Frades Menores – ele revelava um remanejamento abreviado de uma das fontes capitais para o conhecimento da história do santo, a "Vida do Bem-aventurado Francisco", de Tomás de Celano, composta sob encomenda do ministro geral dos franciscanos, aquele Frei Elias tão caro ao santo. Estamos, portanto, diante de uma obra conectada diretamente com aquela fonte e agora, sempre acompanhados pelo estudioso francês que tinha feito com que a Biblioteca Nacional de Paris adquirisse o códice, podemos ler este que é por ele intitulado significativamente de "A Vida reencontrada do bem-aventuradíssimo Francisco".
No imaginário popular, Francisco é confiado principalmente aos esboços vivazes e pitorescos dos Fioretti, versão em vulgar de um original em latim mais amplo atribuído a um certo Ugolino Boniscambi de Montegiorgio. Na realidade, os 53 capítulos em que se subdivide a obra, que abrange um arco temporal de mais de 110 anos, estendendo-se, portanto, aos companheiros do santo e a outros freis, são marcados por uma clara marca espiritual que purifica o prodigioso que às vezes se esconde nos relatos. O tema dominante, de fato, é o seguimento de Cristo: Francisco, "vivendo nessa miserável vida, com todo o seu esforço, empenhava-se para seguir a Cristo, perfeito mestre" (c. 25), razão pela qual ele viveu sempre de modo a "se conformar perfeitamente a Cristo em todas as coisas" (c. 13).
Para descobrir justamente o rosto autêntico de São Francisco do modo como ele emerge a partir dessas narrações, em que os homens se transfiguram, tornando-se celestes, e os anjos se encarnam, fazendo-se terrestres, é dedicada a "leitura franciscana dos Fioretti" delineada por Daniele Soavi, que, na abertura, assinala também o incessante encanto dessas páginas nos séculos posteriores até os nossos dias (quem não se lembra do "Francisco, arauto de Deus", de Rossellini, ou "Passarinhos e passarões", de Pasolini, ou do álbum "O infinitamente pequeno", de Branduardi?).
Reencontrar a atmosfera espiritual, além do maravilhoso, a carga de esperança, o primado do bem sobre o mal, o paraíso possível contra o inferno exorcizado, o contágio da santidade superior ao do pecado, a confiança em Deus para além do desespero, o Deus pai paciente e até leproso conosco para além da onipotência transcendente são algumas linhas de leitura dos Fioretti, ao longo das quais somos guiados página após página. Sempre, porém, brilha o ícone do santo do qual, no fim, devemos assinalar a nova apresentação da famosa "Vida de São Francisco de Assis", que o calvinista francês Paul Sabatier (1858-1928) publicou em 1893 e que foi destinada a um sucesso retumbante (Tolstói o traduziu para o russo).
Ligado à Assis, da qual também se tornou cidadão honorário, esse historiador, fundador de uma Sociedade Internacional de Estudos Franciscanos, quis recompor o perfil genuíno de Francisco, remontando o máximo possível às fontes e libertando-o das incrustações devocionais. Nasceu daí um retrato certamente mais despojado, ancorado na matriz evangélica que irradiava as suas características, mas também envolto em vestes novas, as do opositor firme das pretensões papais, mas também do ingênuo carismático traído pelos seus próprios coirmãos, apaixonado defensor do primado da consciência.
A obra – sujeita a várias críticas – continua sendo, no entanto, atraente e mostra como Francisco ultrapassa, com a sua presença de luz, as fronteiras da sua cultura e da sua própria historicidade e espiritualidade, assim como testemunhava Dario Fo.
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Das Edizioni Biblioteca Francescana de Milão (www.bibliotecafrancescana.it):
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O Pobrezinho de Assis é um bestseller. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU