01 Agosto 2016
O Papa Francisco pediu à imprensa que evite emitir juízo com base na reportagem segundo a qual o Cardeal George Pell teve contato impróprio com menores no passado, dizendo que acusações contra o prelado ainda estão sendo investigadas pelas autoridades australianas.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 31-07-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em breve coletiva de imprensa a bordo de do voo papal de volta da Polônia no domingo, o pontífice afirmou que as alegações contra Pell “estão nas mãos do sistema judiciário e não se deve julgar antes dos juízes do sistema judiciário”.
“Se eu fosse fazer um juízo a favor ou contra o Cardeal Pell isso não seria bom, porque eu estaria fazendo um juízo primeiro”, disse o papa ao responder a uma pergunta sobre quais ações ele pode considerar tomar contra o cardeal.
“Existes dúvidas, e existe aquele princípio cristalino do direito: na dúvida, pro reo”, disse Francisco referindo-se ao termo latino para a ideia de que um réu não pode ser condenado se dúvidas sobre sua culpa ainda restarem.
“Devemos esperar pelo sistema judiciário e não fazer juízo prematuro algum, ou um julgamento na imprensa”, declarou.
“Permaneçam atentos ao que o sistema judiciário decidir”, continuou. “Uma vez que a justiça se pronunciar, eu falarei”.
Pell é um prelado australiano a quem Francisco confiou a tarefa de supervisionar a reforma das finanças vaticanas, nomeando-o em 2014 para ser o chefe da nova secretaria da cidade-Estado, a Secretaria para a Economia. Pell também serve no Conselho dos Cardeais, grupo de nove cardeais assessores do papa.
A emissora Australian Broadcasting Corporation – ABC informou na quarta-feira, 27-07-2016, que a polícia no estado de Victoria, no sudoeste do país, havia entrevistado oito pessoas a respeito das acusações feitas contra o prelado sobre contatos sexuais impróprios com menores nas décadas de 70, 80 e 90.
A reportagem também dizia que a polícia teria encaminhado o assunto ao departamento de promotoria local para assessoria.
Pell, que serviu como arcebispo de Melbourne de 1996 a 2001 e como arcebispo de Sydney de 2001 a 2014, nega veementemente as acusações e disse que iria cooperar com as autoridades.
O cardeal já enfrentou acusações de abusos passados em 2002, quando o prelado tirou uma licença de seu posto em Sydney enquanto uma investigação sobre o assunto ocorria. O juiz que investigava o caso disse mais tarde que considerou verdadeiros os depoimentos tanto de Pell como dos acusadores, dando fim à investigação.
“O primeiro terrorismo”
Francisco estava falando neste domingo em uma coletiva de imprensa com os jornalistas a bordo do avião papal de volta a Roma depois de sua visita de cinco dias à Polônia para a Jornada Mundial da Juventude.
Outros temas que abordou na coletiva incluem o motivo por que ele não respondeu à recente tentativa de golpe na Turquia e por que escolhe não chamar de “terrorismo islâmico” a violência terrorista cometida pelos indivíduos e grupos alinhados com o chamado Estado Islâmico.
“Não gosto de falar de violência islâmica, porque todos os dias, quando lemos os jornais, vemos violência”, respondeu Francisco explicando que na Itália frequentemente se pode ler sobre homens que matam suas parceiras ou cunhadas.
“Eles são católicos batizados”, disse ele. “São católicos violentos. Se eu falo de violência islâmica, tenho de falar de violência católica. Nem todos os muçulmanos são violentos. Nem todos os católicos são violentos”.
“É como uma macedônia”, declarou o papa fazendo referência a uma sobremesa tipicamente italiana feita com vários pedaços pequenos de fruta.
“Uma coisa é verdade: em quase todas as religiões há sempre um pequeno grupo fundamentalista. Também nós [cristãos] os temos”, acrescentou.
O papa então contou uma história que, segundo ele, foi-lhe dita por um dos embaixadores do Vaticano em um país da África. O embaixador, disse Francisco, contara que muitos muçulmanos estão vindo à catedral na capital do país a fim de passar pela Porta Santa em sintonia com o Ano Jubilar da Misericórdia.
“São muçulmanos que querem fazer o Jubileu”, disse o papa. “Eles são irmãos e irmãs”.
“Há um pequeno grupo fundamentalista chamado ISIS”, disse Francisco. “Não podemos dizer – creio que não é verdadeiro nem é justo – que o Islã seja terrorista”.
Em seguida, o papa falou que queria acrescentar algo que ele não sabia se deveria dizer, pois “é um pouco perigoso”.
“O terrorismo cresce quando não há outra opção. Quando se põe no centro da economia mundial o deus dinheiro, não o homem e a mulher, isto é já um primeiro terrorismo”, continuou.
“Mandamos embora a maravilha da criação e colocamos no centro o dinheiro, isto é já um primeiro terrorismo de base. Pensemos nisso”, completou.
Caindo pela Nossa Senhora
Ao responder a uma pergunta sobre o porquê não fez uma declaração pública sobre a tentativa de golpe na Turquia e sobre a decisão subsequente do presidente Recep Erdogan de prender milhares de pessoas que, segundo disse, ajudaram no evento, o papa falou: “Não me pronunciei porque não tenho certeza da informação que recebi sobre o que está acontecendo lá”.
O papa falou que, embora sempre esteja preocupado com a situação dos católicos e minorias cristãs no país predominantemente islâmico, não é por isso que ele evitou se manifestar.
“É verdade, sempre devemos evitar causar coisas ruins aos católicos”, disse o pontífice. “Mas não em detrimento da verdade”.
“Vocês são testemunhas de que, quando tive de dizer algo que afetava a Turquia, eu disse”, lembrou ele em uma alusão aparente à sua decisão de se referir ao assassinato de 1.500 armênios na Primeira Guerra Mundial como um “genocídio” durante a viagem que fez em junho à Armênia.
A Turquia, Estado sucessor do Império Otomano, reivindica que a palavra “genocídio” não descreve precisamente as mortes ocorridas. O vice-primeiro ministro do país criticou o emprego que Francisco fez do termo, chamando a situação de uma “grande desgraça” que reflete os “todos os traços e reflexos da mentalidade das Cruzadas”.
Francisco também falou sobre um assunto de cunho mais pessoal durante a coletiva de domingo, explicando o que lhe fez cair num momento dramático durante a missa na Polônia quinta-feira. A certa altura durante a celebração na cidade sulista de Czestochowa, o pontífice errou o passo no altar e caiu ao chão.
Sorridente, explicou: “Eu estava olhando a Nossa Senhora [perto do altar] e me esqueci do degrau”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco pede que imprensa evite emitir juízo sobre o Cardeal Pell em acusações de abuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU