22 Julho 2016
"Italo Calvino invocava uma ‘pedagogia das imagens’: e eu tenho sérias dúvidas sobre o fato de que correr através de um museu com o rosto no smartphone possa fazer parte dela."
A opinião é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II, em Nápoles. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 21-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Pokemongo avistado nos Uffizi." Não é uma das perguntas dementes do quiz que há dias aguarda os 19.500 candidatos para o grande concurso para os funcionários dos Bens Culturais italianos, mas um tuíte do ministério [da Cultura italiano] de Dario Franceschini. Um tuíte que abriu a caça às criaturas imaginárias japonesas, que estão fervilhando nos corredores de Vasari, nas salas de Pitti, nas do Arqueológico de Nápoles e em milhares de outros lugares monumentais.
O diretor dos Uffizi saudou com pragmatismo a linha ministerial: é sempre melhor a invasão virtual dos Pokémon do que a invasão muito concreta dos carrapatos, debelada com muito esforço nos últimos meses.
É difícil dizer que ele está errado, mas talvez não seja inapropriado levar a coisa a sério. Nos Estados Unidos, alguns museus (o MoMA de New York em primeiro lugar) entraram na Pokémon-mania, mas locais como o Museu do Holocausto em Washington e o Memorial do Marco Zero acharam terrivelmente inapropriado o ataque das pequenas feras.
Ora, o fato de os diretores dessa caça planetárias não terem tido nenhum escrúpulo em invadir lugares como esses, ou como o cemitério monumental de Arlington, pode oferecer uma chave de reflexão útil.
As dúvidas, de fato, certamente não surgem da "sacralidade" dos museus ou da arte (que, simplesmente, não existe), nem da aproximação alto-baixo ou de uma suspeita em relação à dimensão do jogo: mas, no máximo, do fato de que Pokémon Go é uma operação comercial inescrupulosa (2,1 bilhões de faturamento em 2015).
E os museus deveriam ser um dos poucos espaços em que não somos clientes, consumidores, peões: mas mas cidadãos livres. Livres até mesmo para pensar e para ver.
E se, em vez disso, queremos nos resignar ao fato de que não existem lugares livres do marketing, é certo que, para filmar um documentário nos Uffizi, tenhamos que pagar, enquanto Pokémon Go pode explorá-lo gratuitamente para uma autopromoção planetária?
Em um nível mais alto, podemos nos perguntar se tudo isso não ofereça o risco (para usar as proféticas palavras de Italo Calvino na lição americana sobre a visibilidade, 1985) de nos fazer "perder uma faculdade humana fundamental: o poder de focar visões de olhos fechados, de fazer surgir cores e formas a partir do alinhamento de caracteres alfabéticos pretos em uma página branca, de pensar em imagens".
Calvino invocava uma "pedagogia das imagens": e eu tenho sérias dúvidas sobre o fato de que correr através de um museu com o rosto no smartphone possa fazer parte dela.
Além disso, é claro, pode acontecer que um rapaz entre nos Uffizi pela primeira vez na sua vida graças ao Pokémon Go e que, ao perseguir Rattata e Bulbasaur, ele se depare (esperemos que não materialmente) com Cimabue, Giotto ou Rafael.
Se, depois, uma vez dentro, o celular ficasse sem bateria: bem, seria um providencial milagre. Do Beato Angelico.
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A caça ao Pokémon, entre Giotto e Rafael. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU