19 Julho 2016
"Bola pra frente. O jogo do impeachment já foi jogado. Não adianta muito ficar insistindo nisso [novas eleições]. É gastar munição com algo que não vai produzir os efeitos esperados. Faz mais sentido pensar no reposicionamento da esquerda mais adiante."
A pesquisa Datafolha publicada em 17 de julho, após dois meses de governo do interino Michel Temer (PMDB), traz um dado curioso: mais de um terço dos entrevistados desconhece quem está no comando do País desde que Dilma Rousseff (PT) foi afastada, em 12 de maio, quando o Senado acolheu o impeachment. Ainda assim, 50% dos entrevistados disseram que preferem que Temer continue no poder à volta da petista. Há três meses, os números eram totalmente diferentes: 60% queriam a renúncia de Temer e 58% achavam que ele deveria ser "impeachado" também.
Como explicar, então, que metade dos entrevistados do Datafolha agora prefere um governante cuja agenda - neoliberal na economia e conservadora no social - não foi referendada nas urnas? Um governante forjado na Câmara comandada por Eduardo Cunha, que se lançou na Presidência com tropeços primários - como escalar um ministério com um terço de investigados na Lava Jato.
Para o cientista político e professor da FGV-SP, Claudio Couto, não há mérito de Temer nos números do Datafolha, mas sim rejeição gritante à Dilma. Na visão do especialista, justamente por falta de apelo popular, o afastamento da presidente eleita está consumado. "O jogo do impeachment já foi jogado."
A entrevista é de Cíntia Alves, publicada por Jornal GGN, 18-07-2016.
Couto explicou que a ideia de plebiscito por novas eleições é politicamente inviável, principalmente quando apenas 3% da população demonstra apoiar a bandeira levantada por parte da esquerda. Cabe à esquerda, na avaliação do cientista, discutir como se reposicionar como oposição a Temer.
Eis a entrevista.
Como explicar os números do Datafolha que apontam que 50% dos entrevistados preferem Temer no poder à volta de Dilma?
Isso se deve à avaliação que muita gente faz da própria presidente Dilma. É uma avaliação ruim que não tem a ver com problemas de corrupção, mas com sua incapacidade de liderar o governo, de manter uma base de sustentação no Congresso que lhe desse capacidade de agir, e desse liderança no sentido mais amplo. Acho que muita gente passou a notar Dilma como uma pessoa incapacitada para lidar com política, e daí qualquer alternativa que tenha o mínimo de traquejo nesse sentido passa a ser percebida como melhora, mesmo que haja restrições. Importa menos se as pessoas gostam do Temer e mais se elas avaliam que Temer tem mais capacidade de conduzir o governo que Dilma. Acho que é isso que a pesquisa revela.
Seria, então, menos mérito de Temer e mais rejeição ao PT e Dilma?
Sim, a rejeição do PT cresceu muito com todas as mobilizações contra o partido, a cobertura da imprensa sobre os escândalos em que ele esteve envolvido - claro que a gente sabe que outros partidos tiveram mais problema com isso, mas o PT é o partido que tem uma identidade mais forte e, por isso, foi mais afetado pelos escândalos. Mas acho que mais que ao próprio PT, a rejeição é forte contra Dilma. Acho que há a percepção de que ela não foi capacitada para exercer o cargo que ocupava. Mesmo que as pessoas não gostem do Temer, talvez percebam nele alguém mais talhado para essa função do que Dilma.
Hoje a esquerda parece dividida. Há um grupo que definiu apoio a novas eleições e outro, mais ligado ao PT, que denuncia o "golpe" e quer a derrubada do impeachment, apenas. No Datafolha, a parcela dos que querem novas eleições é de apenas 3%. O que essa pesquisa tem a dizer à esquerda?
Pois é, se tanta pouca gente apoia novas eleições... Talvez quem apoie não perceba que não parece uma saída realista, algo factível. Diante disso, acho que a esquerda deve pensar - e o PT, em particular - em como se reposicionar na condição de oposição. Pensar menos em reversão do processo e olhar mais para 2016. As eleições municipais desse ano vão ser difíceis para o PT e para a esquerda, mas digo mais para o PT porque foi o partido que mais cresceu em três eleições seguidas, e devemos ver a reversão desse processo por causa do desgaste. O partido tem que se reinventar e pensar nesse cenário.
Então o PT estaria certo se abandonasse a causa do plebiscito e focasse nas próximas eleições?
Exatamente. Bola pra frente. O jogo do impeachment já foi jogado. Não adianta muito ficar insistindo nisso. É gastar munição com algo que não vai produzir os efeitos esperados. Faz mais sentido pensar no reposicionamento do partido mais adiante.
Na sua avaliação, o impeachment será consolidado? Não há fatores externos que possam impedir isso?
Acho muito dificil, na atual conjuntura.
Depois de quatro derrotas na eleição presidencial, o PSDB agora volta ao poder, de carona com o impeachment. Qual o caminho que o partido deve trilhar até 2018, já que no Datafolha seu candidato não aparece colhendo os frutos da derrocada do PT?
É curioso que embora o PSDB tenha sido a principal oposição ao PT nesses anos todos, esse grande golpe que o PT sofreu não se mostrou um instrumento útil para o PSDB se posicionar. Basta ver o resultado dos candidatos presidenciais do PSDB [do Datafolha]. Quando mencionados, não têm vantagem em relação a Lula, mesmo com toda a campanha de desgaste que Lula sofreu, com direito a Pixuleco e tudo mais. O esperado numa situação como essa era que o PSDB fosse o grande beneficiado e crescesse, mas o que se vê é empate técnico com Lula no segundo turno, ou diferença muito pequena em relação a ele. O PSDB também se viu, de alguma forma, atingido por escândalos. Talvez o PSDB não tenha conseguido fazer um discurso que mostrasse ao eleitor que o partido representaria algo muito diferente para melhorar do país.
Quem poderia correr por fora e se beneficiar dessa situação em 2018?
Esse cenário pode mudar - como tudo que eu disse aqui também está sujeito às transformações do que vem pela frente - mas acho que sai fortalecida, hoje, a Marina Silva. Resta saber se ela sobrevive a si própria, porque na última campanha ela perdeu para si mesma, não demonstrou muita consistência na campanha. Mas se mostra uma candidata fora do sistema político mais estabelecido, o que é benefício para ela. Candidatos que sejam percebidos como fora do sistema são candidatos em potencial. Não precisa ser ela, mas qualquer um que seja anti-sistema - não estou dizendo anti-golpista ou algo do gênero - mas alguém que seja contra o que está estabelecido.
Considerando que Temer vai até 2018, como o PMDB chega para a próxima eleição?
Se Temer for bem sucedido no governo, pode ser que o PMDB lance alguém forte em 2018, talvez ele próprio, embora Temer diga o contrário. Se, entretanto, a coisa caminhar de lado, ficando para o futuro governo a condição de pilotar uma onda de crescimento econômico, acho que o PMDB chega em 2018 como sempre chegou: incapaz de ter candidato presidencial, mas forte o suficiente para eleger governadores e uma grande bancada no Congresso. Acho esse segundo cenário mais provável.
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Como explicar que 50% preferem Temer à Dilma? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU