14 Julho 2016
O arcebispado de Munique-Freising publicou sua situação financeira, mostrando que a diocese dispõe de 6,26 bilhões de euros. A Igreja pode ser tão rica? Ou seria melhor que fosse pobre? Perguntamos ao Vigário-Geral da diocese, Peter Beer.
A entrevista é de Michael Schrom, publicada por Publik-forum, 08-07-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis a entrevista.
Senhor Vigário, o arcebispado de Munique-Freising dispõe de 6,26 bilhões de euros. De onde vem todo este dinheiro?
A prescindir do fato de que não somos nós, como arcebispado, que simplesmente "dispomos" de cerca de seis bilhões. Os ativos tangíveis e financeiros do arcebispado são devidos ao desempenho de muitas pessoas, durante um longo período de tempo. Eles administraram com inteligência e habilidade, fizeram ofertas direcionadas, conscientemente deixaram em herança, construíram de modo previdente, pagaram devidamente os impostos, trabalharam duro, apoiaram prontamente.
Quando falamos do patrimônio da Igreja, nunca devemos esquecer daqueles a quem o devemos. A gratidão e a estima dessas pessoas é, ao mesmo tempo também, um bom meio para superar a tentação de possíveis ilusões de grandeza.
Como se sente em dirigir os destinos de uma diocese tão rica?
Falando simploriamente, malditamente bem e bastante pequeno. É uma sensação boa, quando juntos na diocese, cada um em seu devido lugar, com base nestes recursos, podemos prever a capacidade de oferecer contribuição positiva para pessoas do lugar e também de fora. Nos sentimos, também, bastante pequenos, porque temos que viver com a responsabilidade inerente às decisões sobre a utilização destes meios. Ninguém pode garantir, com certeza absoluta, que não haja erros e que não se provoque danos: danos à diocese, às pessoas, porque não se agiu onde teria sido necessário, ou se provocou coisas que não são boas para ninguém.
Muitos cristãos se sentem desconfortáveis diante de determinadas cifras. O senhor compreende isto?
Logicamente! Há sempre algo de desconfortável quando não se pode explicar ou definir, de uma vez por todas, de forma clara, sem quaisquer outras dúvidas ou perguntas. Isso provoca insegurança. No que diz respeito aos aspectos financeiros, sempre e necessariamente existem inseguranças. A razão é simples. Não se trata apenas de números, mas de persistentes perguntas sobre a utilização dos meios que seja razoável, orientada, sustentável, num mundo em mudança. Com esta situação de fundo, acho oportuno o sentimento de desconforto. Para dizer a verdade, eu desejaria até mais.
O patrimônio foi tornado público. Que sinal o senhor espera?
Não temos nada a esconder. Trabalhamos de forma transparente. Palavras e ações coincidem. Estes são sinais importantes para obter confiança, tanto dentro como fora da Igreja, em vista de uma colaboração positiva, e para motivar as pessoas a trabalharem juntas com a Igreja, para fazer o mundo um pouco mais saudável. Também deve-se ser claro: não basta a publicação feita apenas uma vez. Na minha opinião seria apenas uma cortina de fumaça. Precisamos de comunicação contínua sobre a finalidade para a qual precisamos certos recursos, de onde vêm e como são administrados.
Era necessário chegar ao escândalo da Diocese de Limburg para, com fadiga, dar este passo?
Lembro-me muito bem de que o tema Igreja e finanças tinha sido repetidamente objeto de animadas discussões, já antes Limburg. Mas, porque as crises são sempre possibilidades de desenvolvimento, a situação em Limburg teve efeito catalítico. De certa forma, sou até grato, porque, para ser honesto, devo admitir que não sei onde estaríamos sem esse catalisador. Um bom governo das finanças da Igreja pode ser desgastante, e ninguém está absolutamente disposto, diante de uma situação eclesial provocatória, a catapultar-se para novas áreas problemáticas. A publicação do património eclesial não é simplesmente uma coisa que acontece escrevendo algo, e depois chega. Para que o processo seja positivo, deve, entre outras coisas, rever e mudar toda a contabilidade, precisam ser esclarecidas todas as saídas, fazer avaliação, instruir os funcionários e as funcionárias a mudarem de mentalidade.
Quem controla o patrimônio de Munique?
Nunca uma só pessoa, sempre as comissões competentes, com os relativos peritos nos diversos campos. Temos a comissão para as taxas diocesanas, a comissão de finanças, o colégio dos consultores, o conselho das fundações que administram os ativos diocesanos. Competências e responsabilidades são claras, bem como a comunicação e a transparência entre as diversas comissões.
Muitas paróquias, na base, estão tendo que economizar. Como o senhor concilia estas situações? O dinheiro não é distribuído de forma équa?
Precisamente porque queremos compartilhar o dinheiro de forma équa, todos somos chamados a um uso parcimonioso e responsável dos recursos comuns, limitados, apesar de parecem elevados. Isso significa que nem todos os lugares e sempre, todos podem realizar o que desejam ou imaginam poder fazer. Esta é uma limitação eficaz e necessária a favor de quem tem menos das paróquias, ou mesmo daqueles que virão depois de nós e que, no futuro, provavelmente, terão de trabalhar em condições mais duras do que as que temos agora.
As dioceses da Alemanha calculam seu patrimônio de maneira diferente. Por que não se encontra um método comum?
A Igreja Católica não é um bloco monolítico, assim, em diferentes situações ou necessidades, dependendo do lugar, pode haver diferenças. Mas acredito que em todas as diocese há um forte desejo de regulamentar os assuntos financeiros de forma transparente e justificável.
Há uma compensação financeira entre dioceses ricas e pobres? Se sim, como funciona – na base da livre vontade das dioceses ricas ou dos direitos das dioceses mais pobres garantidos por escrito?
De maneira bastante semelhante às compensações entre os Länder do Estado, também no interior da Igreja há diversas medidas de compensação. Entre outras coisas, foi introduzida uma chamada contribuição estrutural e uma ajuda para a velhice, com as quais as dioceses financeiramente mais fortes apoiam os mais fracas, com determinada quota. Isto é feito através da união de Dioceses (Verband der Diozesen Deutschland, VDD). Além disso, há prestações livres através de medidas de apoio entre dioceses particulares em casos de necessidades ou desastres. Por exemplo, a Diocese de Munique-Freising ajudou outra diocese, quando houve inundações. Como serão as compensações no futuro, resultará das discussões nas Conferência dos Bispos.
Se o senhor fosse fazer uma pregação sobre a passagem de Lc 18,22 e seguintes, sobre o camelo e o buraco da agulha, como colocaria?
Eu diria: não se tornem camelos! Não pensem que os recursos da Igreja são uma riqueza pessoal! Os recursos da Igreja tornam-se riqueza prejudicial, se são usados para ostentar, ou para fazer uma vida confortável. Os recursos da Igreja são os meios necessários para ajudar pessoas e para realizar a missão da Igreja de anunciar a boa notícia e para a construção do Reino de Deus.
A Igreja de Munique-Freising não está muito longe do desejo do Papa de uma Igreja pobre?
Não! Eu apoio plenamente o desejo do papa de uma Igreja pobre. Como se passa do desejo para a realidade, na minha opinião, é evidente ao olhar a ação concreta do papa Francisco. Na responsabilidade pelo que se herdou, por exemplo, não vende os tesouros de arte, mas os mantém em posse da Igreja como testemunhos históricos da fé e do patrimônio cultural; ao mesmo tempo, estes bens, como os edifícios renascentistas vaticanos, são usados como fonte de receitas para uma boa causa. No conhecimento dos meios financeiros necessários para o serviço às pessoas, não se parta sem um planejamento de recursos materiais, mas por meio de reformas importantes, prepara sua manutenção e sua gestão adequada. Por amor verdadeiro e profundo às pessoas, faz pessoalmente sacrifícios, mas sem esquecer que, fazendo sacrifícios pessoais, ainda não ajudou a ninguém, se não intervierem grandes recursos, planejamento sustentável e contínua aquisição de meios. A Igreja de Munique-Freising não está longe do desejo papal de uma Igreja pobre. Mas não nos iludamos! É preciso esforço conjunto e permanente para que continue a ser assim!
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Desconfortável, senhor Vigário? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU