Por: André | 04 Julho 2016
Ao seu modo, após ter se mostrado favorável à comunhão para os divorciados recasados, na medida em que “não é um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”, o Papa Francisco encoraja agora também os protestantes e os católicos para que recebam a comunhão juntos nas suas respectivas missas.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 01-07-2016. A tradução é de André Langer.
Ele o faz, como sempre, de maneira discursiva, alusiva, não definitória, e remetendo a decisão última à consciência de cada indivíduo.
A este respeito, é emblemática a resposta que deu – no dia 15 de novembro de 2015 em sua visita à Christuskirche, a igreja dos luteranos de Roma –, a uma protestante que lhe perguntava se podia aproximar-se da comunhão junto com o seu marido católico.
A resposta de Francisco foi uma impressionante cascata de palavras: sim, não, não sei, vejam vocês. É indispensável lê-la inteira, na sua transcrição oficial:
“Obrigado, senhora. À pergunta sobre a partilha da Ceia do Senhor, não é fácil para mim responder-lhe, sobretudo na presença de um teólogo como o cardeal Kasper! Tenho medo! Acho que o Senhor nos disse, quando nos deu este mandato: ‘Fazei isto em memória da mim’. E quando compartilhamos a Ceia do Senhor, recordamos e imitamos, realizamos aquilo que fez o Senhor Jesus. E haverá a Ceia do Senhor, o banquete final na Nova Jerusalém, mas este será o último. Ao contrário, ao longo do caminho, pergunto-me — e não sei como responder, mas faço minha a sua interrogação — pergunto-me: compartilhar a Ceia do Senhor é o fim de uma caminhada, ou constitui o viático para caminhar juntos? Deixo a pergunta aos teólogos, àqueles que entendem. É verdade que num certo sentido, compartilhar significa dizer que entre nós não há diferenças, que nós temos a mesma doutrina — sublinho esta palavra, uma palavra difícil de entender — contudo, pergunto-me: mas não temos o mesmo Batismo? E se temos o mesmo Batismo, temos o dever de caminhar juntos.
A Senhora é o testemunho de um caminho também profundo, porque se trata de uma senda conjugal, de uma via própria da família, do amor humano e da fé compartilhada. Nós temos o mesmo Batismo. Quando a Senhora se sente pecadora — também eu me sinto muito pecador — quando o seu marido se sente pecador, a senhora apresente-se ao Senhor e pede-lhe perdão; que o seu marido faça o mesmo e vá ter com o sacerdote para lhe pedir a absolvição. São remédios para manter vivo o Batismo. Quando vós rezais juntos, aquele Batismo cresce, torna-se vigoroso; quando vós ensinais aos vossos filhos quem é Jesus, por que motivo Ele veio, o que fez Jesus, fazei o mesmo, tanto na linguagem luterana como na linguagem católica, mas é o mesmo. A pergunta: e a Ceia?
São interrogações às quais só se formos sinceros conosco e com as poucas ‘luzes’ teológicas que tenho, devemos responder o mesmo, mas vede-o vós. ‘Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue’, disse o Senhor, ‘Fazei isto em memória de mim’, e este é um viático que nos ajuda a caminhar. Tive uma grande amizade com um bispo episcopaliano, de quarenta e oito anos, casado, pai de dois filhos, que vivia com a seguinte inquietação: a esposa católica, os filhos católicos e ele bispo. Aos domingos acompanhava a sua esposa e os filhos à Missa e depois ia oficiar o culto com a sua comunidade. Constituía um passo de participação na Ceia do Senhor. Mas depois ele foi em frente, o Senhor chamou-o, um homem justo.
À sua pergunta, só respondo com outra interrogação: como posso comportar-me com o meu marido, para que a Ceia do Senhor me acompanhe pelo caminho? Trata-se de um problema ao qual cada um deve responder. No entanto, um pastor amigo dizia-me: ‘Nós cremos que ali o Senhor está presente. Está presente! Também vós acreditais que o Senhor está presente. E qual é a diferença?’ — ‘Pois são as explicações, as interpretações...’. A vida é maior do que as explicações e interpretações. Fazei sempre referência ao Batismo: ‘Uma só fé, um só Batismo, um só Senhor’, assim nos diz Paulo, e assumir as suas consequências. Nunca ousarei conceder a autorização para fazer isto, porque não é da minha competência. Um só Batismo, um só Senhor, uma só fé. Falai com o Senhor e ide em frente. Não me atrevo a dizer mais.”
É impossível tirar uma indicação clara destas palavras. Mas, certamente, falando de uma maneira tão “líquida”, o Papa Francisco colocou tudo em discussão no que diz respeito à intercomunhão entre católicos e protestantes. Fez com que toda opinião seja plausível e, portanto, que se possa colocar em prática.
E de fato, entre os luteranos, as palavras do Papa foram consideradas uma via livre para a intercomunhão.
Mas, também no âmbito católico chegou, recentemente, uma tomada de posição similar: ela se apresenta como uma interpretação autêntica das palavras de Francisco na Igreja luterana de Roma.
Quem se faz de intérprete autorizado do Papa sobre esta questão é o jesuíta Giancarlo Pani, no último número da revista La Civiltà Cattolica, dirigida pelo Pe. Antonio Spadaro, que se converteu na voz oficial da Casa Santa Marta, isto é, pessoalmente de Jorge Mario Bergoglio, que revisa e aprova os artigos que mais lhe interessam, antes da sua publicação.
Tomando como ponto de partida a recente declaração conjunta da Conferência Episcopal católica dos Estados Unidos e da Igreja evangélica luterana da América, o Pe. Pani dedica toda a segunda parte do seu artigo à exegese das palavras de Francisco na Christuskirche de Roma, selecionando com destreza aquelas mais úteis para esta finalidade.
E tira a conclusão de que elas significaram “uma mudança” e “um progresso na prática pastoral”, análogo àquela produzida pela Amoris Laetitia para os divorciados recasados.
São apenas “pequenos passos para frente”, escreve Pani no parágrafo final. Mas a direção está assinalada.
E é na mesma direção que Francisco avança quando declara – como fez durante o voo de volta da Armênia – que Lutero “era um reformador” bem intencionado e que sua reforma foi “um remédio para a Igreja”, ignorando as divergências dogmáticas essenciais entre protestantes e católicos no que diz respeito ao sacramento da eucaristia, porque – palavra de Francisco na Christuskirche de Roma – “a vida é maior do que as explicações e interpretações”.
Seguem, abaixo, as principais passagens do artigo do padre Pani publicado na La Civiltà Cattolica.
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Sobre a intercomunhão entre católicos e protestantes, por Giancarlo Pani, SJ
No dia 31 de outubro de 2015, festa da Reforma, a Conferência Episcopal católica dos Estados Unidos e a Igreja evangélica luterana na América publicaram uma declaração conjunta que analisa a história do ecumenismo no último meio século. [...] O texto foi publicado após o encerramento do Sínodo dos Bispos sobre a família e em vista da comemoração conjunta, em 2017, dos 500 anos da Reforma. [...]
O documento termina com uma importante proposta positiva: “A possibilidade de uma admissão, ainda que esporádica, dos membros das nossas Igrejas à comunhão eucarística com a outra parte (ou seja, a ‘communicatio in sacris’), poderia ser oferecida de maneira mais clara e estar regulada de maneira mais misericordiosa (compassionately)”. [...]
A visita do Papa Francisco à Christuskirche de Roma
Duas semanas depois da promulgação da declaração, no dia 15 de novembro passado, o Papa Francisco visitou a Christuskirche, a Igreja evangélica luterana de Roma. [...]
Durante o encontro, houve uma conversa entre o Papa e os fiéis. Uma das intervenções foi a de uma senhora luterana, casada com um católico, que perguntou o que ela podia fazer para participar junto com o seu marido da comunhão eucarística. Ela especificou: “Vivemos felizes juntos há muitos anos, compartilhando alegrias e sofrimentos. E nos causa sofrimento o fato de estarmos divididos na fé e não poder participar juntos da Ceia do Senhor”.
Respondendo, o Papa Francisco fez uma pergunta: “Compartilhar a Ceia do Senhor, é o final de uma caminhada, ou é o viático para caminhar juntos?”
A resposta a esta pergunta foi dada pelo Vaticano II no decreto Unitatis Redintegratio: “Não é lícito considerar a communicatio in sacris como um meio a ser aplicado indiscriminadamente na restauração da unidade dos cristãos. Esta communicatio depende principalmente de dois princípios: da necessidade de testemunhar a unidade da Igreja e da participação nos meios da graça. O testemunho da unidade frequentemente a proíbe. A busca da graça algumas vezes a recomenda. Sobre o modo concreto de agir, decida prudentemente a autoridade episcopal local, considerando todas as circunstancias dos tempos, lugares e pessoas”.
Esta posição foi confirmada e ampliada pelo diretório de 1993, aprovado pelo Papa João Paulo II, para a aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo. Nele se diz: “A compartilha das atividades e dos recursos espirituais deve refletir esta dupla realidade: 1) a comunhão real na vida do Espírito que já existe entre os cristãos e que se expressa em sua oração e no culto litúrgico; 2) o caráter incompleto desta comunhão por causa de diferenças de fé e de modos de pensar que são inconciliáveis com uma compartilha plena dos dons espirituais”.
O diretório enfatiza o “caráter incompleto da comunhão” das Igrejas, que tem por consequência a limitação ao acesso ao sacramento eucarístico. Mas, se as Igrejas se reconhecem na sucessão apostólica e admitem os recíprocos ministérios e sacramentos, gozam de um maior acesso aos próprios sacramentos que, em qualquer caso, segundo o documento, não deve ser massivo e indiscriminado. A compartilha sacramental segue sendo, ao contrário, limitada para as Igrejas que não têm uma comunhão e unidade de fé no que diz respeito à Igreja, à apostolicidade, aos ministérios e aos sacramentos.
No entanto, a teologia católica conserva com sabedoria diretrizes de grande alcance, considerando assim caso por caso – como recorda o decreto Unitatis Redistegratio – com um discernimento que compete ao ordinário do lugar. Neste sentido, ao menos depois da promulgação do diretório, não se pode dizer que “os não católicos nunca possam receber a comunhão em uma celebração eucarística católica”. É interessante observar como a mesma lógica de “discernimento pastoral” foi aplicada pelo Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia (nn. 304-306).
É permitido participar juntos da Ceia do Senhor?
Aqui podemos referir-nos novamente ao Papa Francisco, que prossegue: “Não temos o mesmo Batismo? E se temos o mesmo Batismo, temos o dever de caminhar juntos. Você [o Papa refere-se à Senhora que fez a pergunta] é o testemunho de um caminho também profundo, porque se trata de uma senda conjugal, de uma via própria da família, do amor humano e da fé compartilhada. [...] Quando você se sente pecadora — também eu me sinto muito pecador — quando o seu marido se sente pecador, a senhora apresente-se ao Senhor e pede-lhe perdão; que o seu marido faça o mesmo e vá ter com o sacerdote para lhe pedir a absolvição. São remédios para manter vivo o Batismo. Quando vós rezais juntos, aquele Batismo cresce, torna-se vigoroso. [...] A pergunta: e a Ceia? São interrogações às quais só se formos sinceros conosco e com as poucas ‘luzes’ teológicas que tenho, devemos responder o mesmo. [...] ‘Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue’, disse o Senhor, ‘Fazei isto em memória de mim’, e este é um viático que nos ajuda a caminhar”.
Mas, então, pode-se participar juntos da Ceia do Senhor? A este propósito, o Papa faz uma distinção: “Nunca ousarei conceder a autorização para fazer isto, porque não é da minha competência”. Depois acrescenta, recordando as palavras do apóstolo Paulo: “Uma só fé, um só Batismo, um só Senhor” (Ef 4, 5) e exorta, continuando: “Trata-se de um problema ao qual cada um deve responder. [...] Falai com o Senhor e ide em frente”.
Aqui entra em jogo a missão principal da Igreja, formulada também no Código de Direito Canônico como “salus animarum, quae in Ecclesia suprema lex esse debet” (cfr. 1752). A necessidade de uma avaliação concreta de cada caso individual é absolutamente confirmada por aquela que é a missão principal da Igreja, a “salus animarum”. Por isso, diante de casos extremos, o acesso à vida da graça que os sacramentos garantem, sobretudo no caso do acesso à eucaristia e à reconciliação, torna-se um imperativo pastoral e moral.
A pastoral do Papa Francisco
A tomada de posição do Papa parece ser uma reafirmação das diretrizes do Vaticano II. Mas observa-se que existe uma mudança que pode ser entendida como um progresso na prática pastoral. De fato, Francisco, como Bispo de Roma e pastor da Igreja universal, confirmando o quanto afirma o Concílio inclui esta prática no caminho histórico que o diálogo luterano-católico fez sobre os sacramentos da reconciliação e da eucaristia. O diretório de 1993 já observava que, “em determinadas circunstâncias, de maneira excepcional e em determinadas condições, a admissão a estes sacramentos pode ser autorizada, e inclusive recomendada, a cristãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais”.
Além do mais, 10 anos antes, o Código de Direito Canônico ditava as condições em fiéis das Igrejas nascidas da Reforma (luteranos, anglicanos, etc.) podem receber os sacramentos em circunstâncias particulares: por exemplo, “quando estes não possam acudir a um ministro de sua própria comunidade e o peçam espontaneamente, com tal de que professem a fé católica respeito a esses sacramentos e estejam bem dispostos.” (cân. 844 § 4).
O Papa João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, de 2003, esclareceu alguns pontos a respeito, afirmando que “é necessário fixar-se bem nestas condições que são imprescindíveis, mesmo tratando-se de casos particulares e determinados”, como a do “perigo de morte ou outra grave necessidade”. A intenção destas precisões é sempre a atenção pastoral das pessoas, estando especialmente atento para não levar ao indiferentismo.
É necessário esclarecer aqui que se, por um lado, as medidas de prudência e restritivas que a Igreja pôs no passado estão baseadas na teologia sacramental, por outro lado, sua missão pastoral e a salvação das almas, fundamentais para ela, revelam o valor da graça do Senhor e a compartilha dos bens espirituais. O Papa Francisco prestou particular atenção aos problemas da pessoa na “communicatio in sacris”, à luz dos desenvolvimentos do ensino da Igreja, desde o Concílio até o diretório de 1993 consagrado aos princípios e normas do ecumenismo, desde a declaração conjunta relativa à doutrina da justificação de 1999 até o texto “Do conflito à comunhão” de 2013 e até a última declaração de 2015.
Trata-se de pequenos passos para frente na prática pastoral. A norma e a doutrina devem estar guiadas, cada vez mais, pela lógica evangélica e pela misericórdia, pela atenção pastoral dos fiéis, pela atenção dos problemas da pessoa e pela valorização da consciência iluminada pelo Evangelho e pelo Espírito de Deus.
Para ler o artigo (em italiano) do Pe. Giancarlo Pani na revista La Civiltà Cattolica de 9 de julho de 2016, clique aqui">aqui.
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Comunhão para todos, inclusive para os protestantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU