17 Junho 2016
"O massacre de Orlando polariza ainda mais as eleições presidenciais dos EUA, a serem realizadas no mês de novembro, com dois candidatos portando discursos opostos", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.
Eis o artigo.
O atentado de Orlando, Florida, realizado na madrugada de domingo, 12 de junho, congrega o que de pior temos hoje em termos de ameaça visível para a ideia de democracia de massas. A ação terrorista e de crime de ódio aproxima extremos sectários, atiçando tanto uma onda de islamofobia assim como visibilidade da homofobia em escala de pavor societário. Também caracteriza um momento onde a política interna dos Estados Unidos consegue se mundializar, através de redes cibernéticas, efeitos virais e de lealdades ideológicas onde a América Latina reproduz, pela via de elites econômicas e midiáticas pautadas pelo viralatismo, as piores clivagens da direita republicana, dos ultra liberais e neoconservadores orientados pelo crivo religioso.
Voltando ao ataque homofóbico e de intenção totalitária, vamos ao relato. Um jovem estadunidense de origem afegã, Omar Mir Sediq Matteen, 29 anos, nascido em Nova York (NYC), filho de refugiados do território invadido pelos EUA em 2001 e antes ocupado pela extinta União Soviética em 1979, ataca uma casa noturna LGBT. O resultado foram 49 mortos e 53 feridos; o cidadão que cometeu o ato terrorista, também terminou morto, resultando no quinquagésimo óbito na fatídica madrugada. Matteen agiu alegando estar inspirado no Estado Islâmico (ISIS) e, obviamente, também simpático a causas conservadoras e abusando do direito ao uso de armas pessoais. No meio do tiroteio, o cidadão estadunidense que trabalhava como segurança privado, realizou algumas ligações para a polícia, dando ênfase maior ao ato, e, simultaneamente, caindo em seguidas contradições. De forma oportunista, na manhã seguinte, o ISIS reivindica a ação de tipo lobo solitário, embora o discurso do autor do ataque fosse muito, muito contraditório.
O oportunismo de Trump e o jogo de duas caras de Hillary Clinton
O massacre de Orlando polariza ainda mais as eleições presidenciais dos EUA, a serem realizadas no mês de novembro, com dois candidatos portando discursos opostos. Hillary Clinton, 68 anos, candidata pelo Partido Democrata e contando com o apoio do atual presidente Barack Hussein Obama, vai reforçar o debate pela restrição ao porte e compra de armas no país. Já Donald Trump, 69 anos, candidato pelo Partido Republicano, vai ter a chance de aumentar a marca sectária de sua campanha, apostando na islamofobia e uma postura ofensiva contra as ameaças de terrorismo, em especial no nível doméstico.
Vale destacar que Omar Matteen trabalhava como segurança particular, guarda de valores, empregado na empresa G4S e com posto fixo. As armas utilizadas no ataque, duas, foram compradas legalmente pelo cidadão estadunidense. Menos de 24 horas após o massacre, temos um choque de interpretações entre as duas candidaturas. Hillary Clinton alega que o bloqueio republicano para a mudança no estatuto legal da compra de armas de uso pessoal impede a segurança no território dos EUA, expostos a tiroteios e crimes de ódio e intolerância regularmente. Já Donald Trump alega que a administração Obama tem a “mão leve” e se nega a endurecer contra o “islã radical”. O ataque na Pulse Nightclub pode inclusive, voltar a unificar o discurso do Partido Republicano, que até sexta passada, preparava um desembarque massivo da campanha de Trump, liberando suas bases para não aderir ou mesmo recomendar o apoio a Hillary.
Embora ataques com armas automáticas sejam um fenômeno regular nos EUA, o atentado contra a Pulse, atingindo majoritariamente latino-americanos e descendentes vivendo em Orlando e região, foi o pior massacre doméstico desde o 11 de setembro de 2001. Ocorrendo em junho, faltando pouco mais de um mês para as convenções nacionais dos dois partidos majoritários dos EUA, sem dúvida o ato de terror individual – tipo lobo solitário – radicaliza posições, acirra preconceitos e dá fôlego para a insana campanha de Trump. O milionário, apresentador e com veia de comediante entra como franco atirador na corrida presidencial e caso consiga retirar o elemento de racionalidade dos debates, pode incomodar bastante em uma disputa que, hipoteticamente, segundo a maior parte das análises prévias, já estaria resolvida em prol de Hillary Clinton mesmo antes do início da campanha majoritária.
A dimensão doméstica das eleições estadunidenses não condiciona o acionar internacional
O jogo de duas caras da ex-secretária de Estado ultrapassa também o senso do ridículo em escala internacional. O governo do Democrata Barack Hussein Obama tem duas patas no Oriente Médio com vínculos diretos para com o jihadismo sunita. Primeiro, por jamais ameaçar sequer punir as monarquias árabes conservadoras, lideradas pela Arábia Saudita, e seguidas por Omã, Bahrein, Kuwait, Qatar e EAU. São os emires do petróleo os ordenadores de despesa e controladores das redes de inteligência a abastecer os “rebeldes” sunitas na Guerra da Síria. Em outras palavras, os EUA e sua vasta rede de espionagem e controle, nada fazem para frear a ação da Frente Al Nusra, alimentadas e financiadas por sauditas e aliados, não por acaso, também aliados dos EUA no Grande Oriente Médio e Mundo Árabe. Já o único país membro da OTAN e de maioria islâmica, a Turquia, corresponde ao segundo maior contingente da Aliança e é quem abastece toda a logística do ISIS!
Trata-se de uma farsa absurda associar a candidatura de Hillary Clinton a uma postura “humanista e tolerante” no âmbito internacional. Afirmo que não há diferença qualitativa entre a gestão da candidata Democrata e a de seu sucerro John Kerry à frente do Departamento de Estado no que diz respeito ao padrão de alianças entre a superpotência e seus aliados regionais no Oriente Médio e, por consequência, as linhas logísticas do jihadismo sunita, tanto da Al Qaeda como de seu concorrente, o ISIS. Logo, a islamofobia profanada por Donald Trump, embora ofensiva, não altera a correlação de forças no cenário conflagrado, onde quem realmente combate o jihadismo sunita, o PKK e seu guarda-chuva de organizações sociais, ainda está sob a rubrica de “terrorista” pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Se em escala mundial não compreendermos esta hipocrisia estrutural, apelidada de cálculo “realista”, simplesmente estaremos ainda mimetizando a polarização entre Democratas e Republicanos, sem compreender os interesses estratégicos para latino-americanos e povos do mundo que são alvo das políticas imperiais da Superpotência.
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O atentado de Orlando e as opções presidenciais dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU