Por: André | 27 Mai 2016
Nesta entrevista Frédéric Lebaron analisa a “crise de confiança” que as propostas neoliberais atravessam depois das experiências progressistas na América Latina e da crise financeira global, mas adverte que as elites que as promovem seguem em posições de poder.
“O neoliberalismo já não é mais capaz de impor-se como antes”, disse Lebaron, mas as elites que as promovem “seguem em posições de poder”. Sociólogo francês, Lebaron foi auxiliar de Pierre Bourdieu no Collège de France e está na Argentina a convite do Centro Franco Argentino em Altos Estudos da UBA, para um seminário sobre “As políticas neoliberais contemporâneas”.
Nesta entrevista concedida ao Página/12, assinala que as ideias e as promessas associadas à suposta “eficiência natural do mercado” – as mesmas que buscam sua reconstituição na América Latina – atravessam “uma verdadeira crise de confiança” e produziram na Europa “um crescimento das desigualdades nas condições de vida”.
A entrevista é de Javier Lorca e publicada por Página/12, 23-05-2016. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Que especificidades você observa no neoliberalismo contemporâneo? Que diferenças e continuidades analisa em relação a experiências anteriores?
A partir de 2007-2008 e a grande crise financeira mundial, o neoliberalismo já não é capaz de impor-se de maneira tão evidente como antes como o portador da única política possível, em particular na América do Norte e na Europa. Enfrenta-se uma profunda crise intelectual: a ideia de uma eficiência natural do mercado perdeu grande parte de sua força, e as promessas de progresso e justiça relacionadas a um crescimento econômico liberalizado desvaneceram-se amplamente.
O neoliberalismo enfrenta uma verdadeira crise de confiança. Nos anos 1980, as conquistas neoliberais encadeavam-se com facilidade e rapidez: vitórias eleitorais (Thatcher, Reagan), a mudança doutrinal dos socialdemocratas europeus, rupturas estruturais com a liberalização financeira global, depois, o Consenso de Washington no começo dos anos 1990 após a queda do comunismo soviético. Todos pareciam êxitos.
As coisas mudaram na década de 2000 na América Latina com a chegada de governos de esquerda, e depois de 2007-2008 as mudanças se estenderam a nível mundial. A instabilidade endêmica das finanças globais é a principal causa da perda de credibilidade do neoliberalismo. Ao mesmo tempo, as elites econômicas e políticas neoliberais seguem estando em posições de poder e continuam tentando promover suas políticas.
Que consequências sociais tiveram as políticas de austeridade na Europa?
A unificação monetária europeia foi acompanhada por critérios estritos em matéria de déficit orçamentário e dívida pública. Mas os Estados exerceram um papel com as regras e, em 2009, até deixaram deslizar o déficit para enfrentar a crise econômica mundial. A partir de 2010, especialmente após a intensificação da especulação financeira enfrentada pelo Estado grego, governos e instituições da Zona do Euro orientam-se para políticas de austeridade mais ou menos severas, baseadas em uma rápida redução do gasto público. O objetivo é o desendividamento dos Estados, mas o resultado é, sobretudo, um crescimento econômico muito baixo e inclusive uma degradação bastante geral do mercado de trabalho.
A partir de 2013, a situação agrava-se menos rapidamente em geral, mas em certos países se produzem não apenas mais desemprego e precariedade laboral, mas também mais pobreza e mais desigualdade. A situação, em 2016, segue sendo de uma extremada deterioração na Grécia, Portugal e Espanha. Na França, as políticas de austeridade são menos fortes, mas têm, no entanto, efeitos graves, com o mercado de trabalho em uma situação muito difícil e com o aumento da precariedade. Estas consequências se refletem em toda a Zona do Euro com um crescimento das desigualdades nas condições de vida.
Qual é a incidência do neoliberalismo e das lógicas financeiras nas universidades e nas instituições de pesquisa científica?
No setor da educação superior e da pesquisa, as lógicas financeiras penetram lentamente e de um modo específico, na medida em que o peso das lógicas públicas e a referência ao serviço público seguem sendo muito forte.
Em primeiro lugar, observam-se cortes orçamentários mais ou menos brutais: na França e na Europa é particularmente o setor público e massivo do ensino superior que vê sua posição degradada.
Depois, as áreas hierárquicas e as estruturas internas se movem sob o efeito da difusão dos critérios financeiros: por exemplo, são considerados “centros de lucro” os laboratórios que têm mais contratos com o setor privado e os cursos dirigidos para segmentos mais valorizados do mercado de trabalho.
Os cursos massivos, ao contrário, aqueles que se dirigem a profissões do setor público, educação, ciências sociais, saúde, têm menos apoio. Os laboratórios de pesquisa básica sobrevivem só se demonstram sua “excelência” segundo critérios cada vez mais quantitativos. As lógicas do ranking se estendem em detrimento da ideia de luta contra as desigualdades sociais frente ao acesso e à produção do conhecimento.
Como se construiu o valor mercantil do conhecimento, em detrimento de sua concepção como bem público?
No contexto institucional que analisamos, o peso das empresas e das lógicas financeiras também é reforçado na produção e difusão dos conhecimentos. Mas, ao mesmo tempo, a demanda de educação superior de parte das famílias é forte, e o sentimento de injustiça e desigualdade diante do sistema atual é muito grande, particularmente na França.
Nós temos um sistema educacional muito oligárquico e hierárquico, e, por outro lado, a eficácia global das instituições está se deteriorando em consequência das restrições orçamentárias. A educação e o conhecimento são pilares da democracia, da igualdade e da autonomia. É por isso que defender estes valores e seu caráter de “bem público” é fundamental.
Que transformações analisa em particular no discurso das ciências econômicas?
A ciência econômica atravessa um período difícil desde que fracassou em 2008-2009. A teoria dos mercados eficientes e a idealização da utopia de um equilíbrio de mercado quase natural, viram-se diretamente desafiados pelos fatos. A partir daí, duas respostas são possíveis.
Alguns consideram que os fracassos das políticas econômicas se devem a uma insuficiência das reformas neoliberais para garantir o bom funcionamento dos mercados. Este discurso é muito forte na Europa, onde se responsabiliza o Estado de Bem-Estar Social por todos os males. Na França esta posição é representada por economistas como o Prêmio Nobel 2014, Jean Tirole. Eles pensam que o principal problema econômico é a rigidez do mercado de trabalho, assim como os economistas da Comissão Europeia, da OCDE, sem mencionar a maior parte dos economistas do FMI. São os economistas mais próximos da indústria financeira.
Do outro lado, há dois pólos: os que consideram que esquecer os preceitos da macroeconomia padrão e a influência das teorias falsas levou a uma crescente desigualdade e a uma maior instabilidade (Stiglitz, Piketty e alguns outros), e os que, no fundo muito próximos, consideram que o capitalismo financeiro entrou em uma crise muito profunda que volta a questionar os pilares do sistema econômico, motivo pelo qual apelam para reformas ainda mais radicais. Estes últimos são pós-keynesianos, institucionalistas, marxistas.
Parece-me que a aliança entre estas duas frações é portadora de uma mudança possível das instituições e das políticas econômicas, mas sua aproximação só terá eficácia se encontrar expressões no campo político. São os movimentos sociais, os povos, os que ainda têm a chave da História na mão.
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“O neoliberalismo enfrenta uma profunda crise intelectual”. Entrevista com Frédéric Lebaron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU