19 Mai 2016
"Estágio" em ocupações em São Paulo e no Rio de Janeiro, orientação jurídica de entidades estudantis e articulação entre alunos de diferentes colégios: nada houve de improviso na tomada das escolas pelos alunos da rede estadual, que ganha força desde a semana passada.
A reportagem é de Erik Farina e Bruna Scirea, publicada por Zero Hora, 19-05-2016.
O movimento que se espalha rapidamente pelo Rio Grande do Sul era planejado desde o início de abril por grêmios estudantis, sob o fio condutor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e apoio do Cpers/Sindicato. Até a noite de quarta-feira, eram 76 estabelecimentos sob o controle dos alunos, conforme a página no Facebook Ocupa Tudo RS — levantamento de ZH teve confirmação de 28 delas, e a Secretaria de Educação do Estado (Seduc) não divulga números.
As ocupações foram adiadas em razão de conflito de interesses entre Ubes, Cpers e grêmio estudantil da Escola Padre Reus, na zona sul da Capital, onde havia um acordo para iniciar o movimento no último dia 5. Enquanto as entidades queriam que a escola defendesse bandeiras estaduais da educação pública, como a valorização dos professores e o veto ao PL 44/16, que avaliam ser uma brecha para a privatização do ensino, os alunos preferiam debater os problemas da própria escola, como o sucateamento da biblioteca e da ala de informática.
Vendo a disputa na trincheira, outros grêmios estudantis, que aspiravam um movimento simultâneo, passaram a organizar movimentos independentes. E quem tomou a dianteira foi uma escola que mantinha certa distância das entidades: o Colégio Estadual Emílio Massot, no bairro Cidade Baixa.
— Vínhamos pensando em uma ocupação desde o início do ano, não tínhamos por que esperar um movimento da Ubes ou qualquer outra entidade — diz Marcos Anderson Mano, presidente do grêmio estudantil do Emílio Massot.
Com 18 anos, Marcos é "filho" das manifestações pelo Passe Livre, que se espalharam pelo país em 2013. Sem filiação partidária ou adesão a coletivos universitários, soube pelas redes sociais das ocupações em São Paulo e começou a articular um movimento local com companheiros do grêmio.
— Há anos a escola sofre com atraso de verbas e falta de monitores para as turmas da tarde e da noite. Como o governo do Estado não atendia nossa reivindicação, resolvemos ocupar — diz.
No mesmo dia em que a tomada da Coronel Massot foi anunciada, outras duas escolas da Capital aderiram: Agrônomo Pedro Pereira, no bairro Agronomia, e a própria Padre Reus, onde tudo deveria ter começado. Foram 24 horas agitadas para os alunos e os dirigentes de associações.
Depois de receberem mensagens em seus celulares avisando que as ocupações haviam se iniciado, representantes da Ubes e de outras entidades, como a União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (Umespa), tomaram o rumo da Coronel Massot para oferecer ajuda na ampliação do movimento. Chegando lá, encontraram estudantes de outras escolas que visitavam as ocupações para replicá-las em seus bairros.
— Oferecemos ajuda para fazer faixas e para esclarecer com divulgação e orientação sobre quais causas são importantes defender. Se alguém nos chamava para levar a mobilização a sua escola, íamos — explica Isabela Luzardo Monteiro, 18 anos, diretora regional da Ubes no Rio Grande do Sul.
Após visitar o Coronel Massot, Antônio Henrique Fonseca Porto, vice-presidente do grêmio da Pedro Pereira, tomou um ônibus até a Assembleia Legislativa do Estado. É lá que fica a sala da sede regional da Ubes. Fonseca havia conversado com membros do órgão, e agora buscava suporte para esticar a ação ao estabelecimento que defende.
— A gente já pretendia fazer uma ocupação, mas não sabia muito bem por onde começar — conta Antônio. — Eles nos ajudaram a formar a pauta de reivindicações e a comunicar à diretoria que a ocupação havia começado.
Alunos buscaram ajuda em entidades para iniciar ocupação
Aos 16 anos, Fonseca adotou precauções como um veterano. Prevendo que, cedo ou tarde, as escolas públicas do Rio Grande do Sul iriam repetir o movimento de São Paulo, Rio e Goiás, Antônio visitou, em abril, meia dúzia de escolas sob ocupação na capital paulista. Na viagem de uma semana, viu que as articulações envolviam grêmios de diferentes colégios, que as escolas eram unidas por pautas comuns e que era preciso ficar de sobreaviso para a reação negativa do governo.
Quando voltou a Porto Alegre, Antônio compartilhou a experiência com colegas de grêmio, que, por sua vez, contataram alunos de outros colégios e passaram a organizar as manifestações.
— O movimento de cada escola é independente, mas os grêmios se uniram para trocar experiências e ampliar o movimento — explica — Talvez por isso se espalhe tão rapidamente.
Na Escola Estadual Presidente Costa e Silva, ocupada na segunda-feira, apesar da liderança ser de Gabriel Brocca, 17 anos, vice-presidente da Ubes, o discurso é de independência e receptividade a outras entidades.
— Não escolhemos quais movimentos vão entrar. Se tiver mais conhecimento para nos trazer, mais informação, não tem por que barrar aqui. O pessoal da UNE, por exemplo, já esteve aqui. É o espaço que grupos com pensamentos diferentes podem debater — afirma Gabriel, um dos líderes do grupo que pede a não privatização do ensino público, a construção de um refeitório e a alteração do nome da escola, substituindo o nome do ex-presidente pelo de Edson Luís, estudante morto na ditadura militar.
Pais apoiam mobilização dos filhos
Na Escola Estadual de Ensino Médio Roque Gonzáles, no bairro Cavalhada, em Porto Alegre, o envolvimento de alunos com as causas do colégio, da educação — e dos movimentos sociais, como um todo — é novidade. Ali, grande parte dos cerca de 20 estudantes que desde segunda-feira passam os dias e as noites no saguão e salas do colégio não tinha contato anterior com qualquer causa – seja política, social ou referente aos movimentos estudantis.
— Ficamos mais ativos, passamos a participar de atividades e iniciativas dentro da escola principalmente a partir do último novembro, quando se formou o Grêmio Estudantil, de que faço parte desde o início do ano. O contato com grêmios de outras escolas com certeza nos tornou mais fortes e possibilitou que a ocupação fosse feita aqui também. A ajuda principal foi dos alunos da Escola Padre Reus — conta Thifany Silveira, 15 anos, aluna do 2º ano do Ensino Médio.
O recente engajamento da filha chamou a atenção do professor de Educação Física Vanderlei Silveira Júnior. Foi na última sexta-feira que Thifany chegou em casa com a confirmação de que, na segunda seguinte, ela e colegas iniciariam a ocupação na escola. Ela explicou ao pai que a quadra do colégio estava cheia de buracos, que não havia laboratório de química, que a internet da escola às vezes não funcionava — o que inviabilizava alguns trabalhos —, que os repasses para a Educação não estavam em dia e que os professores tinham seus salários parcelados.
— Tive orgulho. Quando ela se envolve com alguma coisa, vai de cabeça. E aí, claro, me restou a preocupação normal de um pai. Busquei me informar como seria a ocupação, a segurança dos alunos e a alimentação no tempo em que ficariam lá. Acho que está fazendo bem para ela. É uma maneira de crescer — afirma Júnior.
A adolescente era uma entre os cerca de 15 estudantes que, na manhã de ontem, confeccionavam cartazes no saguão da escola — o material seria colado, mais tarde, na parte externa, "para que todos vissem". Pouco antes, Thifany havia deixado o colégio para tomar banho na casa de uma colega, que mora mais perto da escola. Mas não demorou a voltar. A pressa tinha justificativa.
— Estou aqui porque acredito que ocupando a gente chama atenção. Eu ainda tenho fé que a educação vai melhorar, que o país vai para a frente. A gente está aqui para mostrar a nossa força, mostrar que a gente ainda está lutando, que a gente não deixou a esperança morrer. E, no fim das contas, o que serão alguns dias sem aula perto de uma educação muito melhor no futuro? — argumenta.
Gisele Hartwig, 16 anos, é estudante do 2º ano e faz parte da nova formação do grêmio do colégio. Segundo a adolescente, a mobilização dos estudantes na escola foi possível com a ajuda de entidades estudantis que estão à frente do movimento, entre elas, a União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas de Porto Alegre (Umespa) — que alguns alunos que ocupam a escola fazem parte.
— Eles nos deixaram livres, disseram que nos apoiariam não importasse qual fosse nossa decisão. Decidimos que iríamos ocupar. Em São Paulo, os alunos saíram vitoriosos da luta deles. Por que aqui não daria certo? É uma força a mais que estamos dando aos professores, mostrando que também estamos lutando pela educação — diz Gisele, que afirma também ser apoiada pelos pais.
De acordo com os alunos, a tentativa de transformar o movimento legítimo pela sua causa — afastando as ideias de que estão ligados a movimentos políticos ou de que a ocupação seria uma forma de "matar aula" —, é constante na programação do movimento.
— Fazemos atividades todos os dias, passamos documentários, realizamos debates e conversamos com professores. Nos esforçamos para mostrar quais são nossos objetivos, por que estamos ocupando esta escola e também por que outras tantas estão ocupadas — explica Gisele.
Assim, conquistaram também o apoio de colegas que não fazem parte do grêmio estudantil e que dizem estar pela primeira vez fazendo parte de um movimento, "lutando" por um objetivo.
— Nunca me envolvi, mas agora estou vendo o que está acontecendo com a educação. As coisas estão piorando e se continuarem assim, não sei onde vão parar. Se estou aqui é porque acredito que a situação pode melhorar. Não é para matar aula, e também não é só para o bem próprio. De certa forma, é um legado que podemos deixar para os alunos do futuro — afirma Anderson Farias, 15 anos, aluno do 1º ano.
Entre os ocupantes, alguns dormem na escola — outros, os pais não deixam, alguns têm o discurso mais afiado, outros não sabem dizer bem ao certo o que significa ser contra a PL 44, mas parecem se unir em uma certeza: a de que "a educação pode mudar", como dizem.
— Realmente pode mudar. Não teria porque lutarmos se não esperássemos retorno. Na minha casa eu tenho Netflix, tenho cama, tenho a comida que eu quiser. Não teria o porquê de nos mobilizarmos até aqui se não fosse para esperar um retorno do governo. Talvez a mudança demore, mas não vamos sair daqui até que ela aconteça — enfatiza Ingrid Freitas, 16 anos, aluna do 2º ano.
A Secretaria de Educação do Estado divulgou uma nota garantindo que não irá tratar as ocupações como "casos de polícia". A SEC comunica que "tem buscado o diálogo com as direções e os alunos, para conhecer a pauta de reivindicações" e na maioria das vezes, "trata-se de justas contribuições ao processo de melhoria da qualidade da educação pública. As demandas apresentadas são atendidas na medida do possível".
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O que move as ocupações de escolas no Rio Grande do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU