17 Mai 2016
O Papa Francisco irá visitar o campo de extermínio nazista de Auschwitz no dia 29 de julho, no terceiro dia de sua visita à Polônia durante a Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia.
Fonte: http://www.cruxnow.com/ |
No infame campo alemão de concentração e extermínio nazista de Auschwitz, entre outras coisas encontra-se, logo na entrada, uma citação do pensador espanhol George Santayana: “Aqueles que não lembram do passado estão condenados a repeti-lo”.
É quase impossível deixar de ouvir estas palavras ecoarem neste local, onde o Papa Francisco se fará presente no final de julho por ocasião de sua ida à Polônia para a Jornada Mundial da Juventude.
A reportagem é de Ines San Martin, publicada por Crux, 16-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Ao chegarem em Auschwitz sob o regime nazista, grávidas, crianças, idosos e enfermos eram declarados impróprios para o trabalho e, portanto, incapazes de sobreviver, sentença dada por um médico nazista, o que significava que eram “atirados” para dentro das câmaras de gás. A grande maioria dos demais não sobrevivia mais do que um ano, por consequência de maus-tratos, fome, frio, desolação, doenças não tratadas e trabalho escravo.
Ainda hoje, o sofrimento destas pessoas é palpável nas marcas deixadas em suas mãos, pelo desespero de escapar à morte. Em geral, essa não tardava a chegar.
Duas crianças foram submetidas a experimentos tão inimagináveis que os guias que explicam alguns dos detalhes mais sórdidos da “vida” dos prisioneiros se recusam a dizê-los, inclusive ignorando a pergunta quando ela lhes é feita diretamente.
Mais de 1 milhão de judeus de toda a Europa, 150 mil poloneses, 25 mil ciganos, 15 mil soviéticos e 25 mil prisioneiros de outros grupos étnicos foram deportados para Auschwitz pelos alemães, que mataram 1,1 milhão deles. 90% destes que morreram eram judeus.
O sofrimento foi tal que, quando visitou o local em 2006 o Papa Bento atreveu-se a questionar a Deus em meio ao que ele descreveu como um silêncio estupefato: “Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto?”
“[Tenho] pedido … ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante”, disse ele.
Bento também reconheceu que “como filho daquele povo [alemão]”, ele não “não podia deixar de vir aqui”.
São João Paulo II, polonês, religioso que cresceu na cidade vizinha de Wadowice, proferiu palavras semelhantes quando visitou o local pela primeira vez em 1979, embora já tinha estado em Auschwitz várias vezes antes.
“Não podia deixar de vir aqui como papa”, disse ele.
Francisco vai seguir os passos de seus antecessores neste mês de julho, quando viajará para a cidade de Cracóvia no intuito de se juntar a centenas de milhares de jovens, vindos de mais de 180 países, na Jornada Mundial da Juventude.
De acordo com o Pe. Antonio Spadaro, editor de uma revista jesuíta em Roma e um confidente do Papa Francisco, este, assim como João Paulo II e Bento XVI, “acha que essa escala é algo obrigatório, poder-se-ia dizer fundamental”.
Da mesma forma como aconteceu com Bento, durante a sua visita Francisco compartilhará uma oração inter-religiosa com líderes da comunidade judaica local.
Spadaro acredita que, assim como o pontífice alemão questionou Deus em sua visita a Auschwitz, Francisco está inclinado a questionar a humanidade, como fez em 2014, quando visitou o Memorial do Holocausto Yad Vashem, em Israel.
“Adão, onde você está?”, perguntou Francisco na ocasião. “Homem, quem é você? Não o reconheço mais. O que você fez? De quais horrores você foi capaz? Por que você caiu tão baixo?”
“Em Auschwitz, ele fará esta pergunta de novo para lembrar os homens e mulheres de que o que se fez aqui é incompreensível”, afirmou Spadaro ao sítio Crux minutos depois de uma visita ao campo de extermínio.
Por outro lado, acrescentou o padre jesuíta, “na relação com Deus, Auschwitz é o ícone de um mundo que não conhece a misericórdia”.
Spadaro, que tem sido um amigo próximo do pontífice argentino desde o começo de seu pontificado, deu dois outros motivos pelos quais a visita de Francisco a Auschwitz é tão importante.
Um é o fato de que fazer esta visita durante a Jornada Mundial da Juventude irá lhe dar a possibilidade de brilhar a luz da misericórdia sobre os jovens de todo o mundo, de forma que eles possam levá-la de volta a seus países.
Isso, por sua vez, tem a ver com a terceira razão citada por Spadaro: mostrar a importância da misericórdia divina e o seu amor a um mundo onde divisões, violência e nacionalismos extremos parecem estar florescendo.
“Ao redor do mundo, figuras políticas estão surgindo por prometerem construir muros”, afirmou o religioso, lembrando as cercas de arame farpado que estão sendo construídas em toda a Europa para manter imigrantes do lado de fora.
Segundo ele, “o Jubileu da Misericórdia representa a resposta a este drama: um mundo sem misericórdia, sem Deus, que é Auschwitz”.
Segundo o Pe. Manfred Deselaers, sacerdote alemão que trabalha no Centro para o Diálogo e a Oração em Oświęcim [nome em polonês para Auschwitz], nos últimos 20 anos “essa máquina da morte” não é somente um lugar em que se pode ficar chocado pela memória do mal, embora isso, disse ele, aconteça definitivamente aqui.
“Ele é também um lugar onde se pode vir em busca de reconciliação. Ele pode ser um lugar positivo, para o diálogo e o encontro”, dois conceitos-chave no pontificado de Francisco.
Na qualidade de padre e alemão, tendo se encontrado com centenas de sobreviventes judeus e poloneses, Deselaers disse ter aprendido que estas pessoas “não querem que usemos esta situação como um motivo para ficarmos deprimidos”.
“Pelo contrário”, falou. “Elas querem que aprendamos com isso, aprendamos a respeitar uns aos outros, a fazer amizades que ajudem a construir um mundo melhor”.
“Isso daqui é uma escola para os jovens. Aqui eles aprendem a valorizar o outro, e isso cria a consciência neles de que nós temos a responsabilidade de aprender a viver uns com os outros”, declarou Deselaers.
Deselaers também acredita que a visita de Francisco a Auschwitz, com a juventude católica a espera de sua mensagem, pode ter um impacto positivo no longo prazo.
“Confiamos que a Palavra de Deus tem a última palavra, também sobre Auschwitz”, acrescentou Deselaers. “E esperamos que a memória desse horror não destrua a confiança em Deus e na humanidade, e que nos convide a amarmos mais, a confiarmos mais e acurar as feridas”.
A esperança que as quase duas milhões de pessoas que visitam o lugar estejam conscientes sobre os perigos de a história se repetir é o que move Agata Andrzejewski, dia após dia, a contar a história, no museu dos visitantes, do que aconteceu.
“Importa conhecer sobre estas pessoas, lembrar as suas histórias, para que isso não ocorra novamente. Espero que nós aprendamos, que lembremos, para que não repitamos a história”, disse.
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Papa visitará ícone do mundo sem misericórdia em Auschwitz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU