Francisco, as mulheres e a urgência de uma reforma. Artigo de Vito Mancuso

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16 Mai 2016

É uma questão de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.

A opinião é do teólogo leigo italiano Vito Mancuso, professor da Universidade de Pádua, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 13-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Talvez nos encontremos na presença do primeiro movimento significativo daquela que poderia ser uma revolução realmente epocal. Considero-a a mais importante de todas as meritórias iniciativas de reforma empreendidas até agora pelo Papa Francisco. Se há um caminho privilegiado, de fato, para a renovação da qual a Igreja Católica hoje tem uma necessidade imensa, trata-se do caminho feminino.

Mais do que a reforma da Cúria, mais do que o ecumenismo, mais do que a reforma da moral sexual, mais do que a liberdade de ensino nas faculdades teológicas, mais do que muitas outras coisas, o ingresso das mulheres na estrutura hierárquica da Igreja Católica teria o efeito de transformar de modo irreversível tal venerável e também um pouco debilitada instituição.

Reconhecendo a emancipação feminina que já havia chegado a cumprimento no Ocidente em todos os âmbitos vitais, João Paulo II produziu uma série de documentos altamente elogiosos em relação àquilo que ele definia como "gênio feminino"; pense-se na carta apostólica Mulieris dignitatem, de 1988, e na específica Carta às Mulheres, de 1995.

Nem nesses textos nem em outro lugar, porém, o papa polonês jamais definiu o que ele realmente entendia por essa expressão, usada também, em seguida, mais de uma vez, por Bento XVI nos seus discursos sobre o assunto.

O Papa Francisco, na exortação apostólica Evangelii gaudium, de 2013, também falou de "gênio feminino". Nessa quinta-feira, 12 de maio, no entanto, com a abertura ao diaconato feminino, falando diante de mais de 800 freiras superiores, essa expressão papal hermética finalmente recebeu a possibilidade de passar de uma edificante proclamação retórica a um concreto caminho institucional.

Talvez, em breve, não se falará mais de gênio feminino, mas de gênios femininos, porque as mulheres individuais finalmente terão a possibilidade de voltar a doar, de pleno direito, o seu patrimônio genético a todo o organismo da Mãe Igreja, que, agora, na sua mente, é feminina unicamente quanto à gramática, enquanto, em relação ao direito canônico, ela é exclusivamente masculina (e daí decorre a atual esterilidade, porque a vida espiritual, além da biológica, também precisa de cromossomos Y e cromossomos X).

Eu usei a expressão "voltar a doar" porque a abertura ao diaconato feminino por parte de Francisco não é uma novidade absoluta. No Novo Testamento já se fala de diaconisas. Ou, melhor, tal abertura papal pode envolver a revolução epocal de que eu falava precisamente porque remete a uma dupla fidelidade: a uma fidelidade ao presente, a fim de tornar a Igreja Católica à altura de tempos em que a emancipação feminina, ao menos no Ocidente, é um processo quase completo, e uma fidelidade ao passado, a fim de recuperar a extraordinária inovação neotestamentária quanto ao papel das mulheres.

Se lermos os Evangelhos, de fato, vê-se como Jesus, de um modo totalmente descontínuo em relação à práxis rabínica do tempo, buscava e encorajava a presença feminina. Lucas, por exemplo, escreve que, no seu ministério itinerante, "estavam com ele os Doze e algumas mulheres", dando até os nomes delas: Maria Madalena, Joana, Susana e, acrescenta, "muitas outras", expressão a partir da qual é lícita inferir um número de seguidoras mulheres mais ou menos igual ao dos seguidores homens.

Portanto, não deve surpreender o fato de que a Igreja primitiva conhecia as diaconisas, como aparece em São Paulo, que escreve: "Recomendo a vocês nossa irmã Febe, diaconisa da igreja de Cencreia" (Romanos 16, 1; o texto oficial da Conferência Episcopal Italiana, infelizmente, é infiel ao original, porque traduz o grego diákonon como "a serviço"! Muito diferente é a Bible de Jérusalem, que se traduz corretamente "diaconesse de l'Église" [a versão em português usada acima, que mantém o termo "diaconisas", é da Bíblia Pastoral]).

Que resultado terá a instituinte comissão de estudo sobre o diaconato feminino? Quanto tempo passará antes de que ela realmente esteja trabalhando? Quanto tempo antes de que ela entregue os resultados? E que sabor terão? São perguntas às quais, neste momento, não é possível responder. Certamente, porém, a reforma no feminino do Papa Francisco é uma urgência da qual a Igreja não pode mais se eximir.

Trata-se, simplesmente, de justiça: quando se entra em qualquer igreja para a missa, as mulheres estão sempre em clara maioria. Como é possível que nenhuma delas possa comentar o Evangelho no altar? O diaconato feminino poria fim a essa injustiça e abriria muitos novos caminhos.

É um sonho destinado a se tornar realidade? Ninguém sabe, mas certamente o sucesso da reforma no feminino do Papa Francisco vai depender da capacidade de saber mostrar a dupla fidelidade que está em jogo: fidelidade às mulheres de hoje e fidelidade ao Mestre de 2.000 anos atrás, fidelidade à atualidade e fidelidade àquele eterno princípio de paridade que surgiu no momento da criação: "E Deus criou o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou homem e mulher" (Gênesis 1, 27).

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