Por: Cesar Sanson | 11 Mai 2016
Se existe um consenso, hoje, não só a nível nacional quanto global, é que o modelo atual de desenvolvimento não está funcionando. Seja de direita ou de esquerda, todo mundo tem críticas, e alguns até têm também sugestões. Mas os governos andam surdos às vozes que vêm das ruas, e a discussão sobre como deveria ser uma nova ordem mundial está sendo pouco desenvolvida.
Durante quase duas horas, num café em Copacabana, na semana passada, entrevistei o sociólogo Ivo Lesbaupin, que durante anos dirigiu a Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns - e que hoje vem se dedicando, junto a outros estudiosos, a refletir sobre o que poderia ser um novo modelo de sociedade.
Lesbaupin e outros oito professores criaram uma plataforma chamada Novos Paradigmas de Desenvolvimento, que já tem até um livro publicado, com vários artigos . Ela é aberta e quer se tornar mais acessível. A ideia é aglutinar ideias e montar outro projeto de civilização, sobretudo com mais respeito às questões climáticas.
Ivo foi filiado ao Partido dos Trabalhadores, cerrou fileiras com o ex-presidente Lula, mas tornou-se severamente crítico. “O grande erro do governo PT foi fazer política do mesmo jeito que os outros e, ao fazer isso, precisou se apoiar nesse Congresso”. No entanto, é contra a saída da presidente Dilma e acredita que o governo que virá, caso o impeachment seja consolidado, vai ser muito pior.
A entrevista é de Amelia Gonzalez, publicada por G1, 09-05-2016.
Eis a entrevista.
Nunca se discutiu tanto sobre política no Brasil, e o que se observa é que as pessoas estão desesperançadas e revoltadas. Mesmo quem queria a saída da presidente Dilma, nem todos estão satisfeitos com o novo governo que se formou. Qual a origem desse imbróglio?
A campanha eleitoral de 2014 foi um fator muito importante para o que estamos vivendo hoje. O ódio destilado ali para destruir Marina Silva não foi normal. Era impossível conversar, as pessoas estavam polarizadas. Enquanto isso estava acontecendo, eu pensei: esta situação vai ter troco. E o troco veio depois: assim que terminou a eleição, o ódio que tinha sido despejado contra Marina, contra Aécio, se voltou contra Dilma. Mas, na verdade, até mesmo antes disso: as manifestações de rua de 2013 já tinham um clima de ódio.
Isso porque as pessoas de esquerda tinham expectativas que não foram cumpridas com os governos sociais?
O PT copiou o modelo da direita de governar, não quis mudar isso. A grande raiva do PSDB, com razão, é que o Lula roubou o programa deles. Quando o mensalão foi denunciado, eu já sabia, era só acompanhar nos jornais: de vez em quando um partido inteiro, 40 deputados, começava a votar sempre com o PT. Era óbvio demais. Fernando Henrique Cardoso também fazia isso.
Há críticas, sobretudo, à política econômica de Lula...
Sim, Lula continuou atendendo ao pagamento da dívida, que gasta quase metade do orçamento anual. E boa parte vai para quem investe em títulos da dívida pública, interna. Ou seja: os juros, alta soma em dinheiro, vão para a camada mais rica da população. Segundo João Sicsú, economista que foi diretor de políticas e estudos macroeconômicos do Ipea, em 2014 os juros foram de R$ 300 bilhões e, em 2015, foram R$ 500 bilhões.
Para governar, no sistema atual de governo, é preciso fazer alianças. Com o PT não foi diferente...
Sim, o PT percebeu que se continuasse com as alianças de sempre, não chegaria ao poder. Ampliou as alianças para assumir, e quando se faz isso, o que acontece é que quem se alia não o faz pela cor dos olhos, mas só se tiver os interesses atendidos. Tenho mil críticas ao Brizola, mas foi o único político brasileiro que não fez isso.
Mas o governo Lula/Dilma tem uma marca social forte, fez programas sociais importantes, tirou 30 milhões de pessoas da miséria. Isso não teria que torná-lo isento de críticas aos olhos dos movimentos sociais?
Teria, se o governo estivesse agindo a favor dos pobres integralmente, mas 90% das ações são voltadas para os ricos. Eu acompanho os lucros dos bancos e eles foram maiores no governo Lula do que no governo FHC. Tanto que a elite financeira, os grandes grupos, não queriam o impeachment até um determinado momento. Isso só mudou em 2012, quando Dilma mexeu nos juros. Além disso, há outros julgamentos contrários. Era expectativa de toda a militância do PT que, quando Lula assumisse, ele fizesse uma auditoria das privatizações do governo FHC. Porque todo mundo sabia que tinha havido muito roubo, mas ele não fez. Ficamos sem entender. O Lula ainda manteve os leilões das áreas de exploração de petróleo, que era uma denúncia do PT na época do FHC. A Dilma foi eleita como candidata anti-privatizações, e mal chegou à metade do mandato, saiu privatizando. Pensava-se até, na época, que a militância sairia às ruas, mas isso não aconteceu.
Por quê?
Os governos do PT conseguiram calar a capacidade crítica do pessoal da esquerda ligada ao PT. Não de todos, mas boa parte, com medo que a direita voltasse. Os movimentos sociais foram cooptados. Eram muito críticos, mas passaram a receber facilidades do governo, tipo ônibus para organizar congressos, estrutura para manter assentamentos. Não é bom ter um governo contra nós. E passou a ser difícil um discurso permanentemente crítico, mesmo que tivesse razão para fazer crítica.
Mas a pobreza diminuiu.
Sim, e o que realmente contribuiu para isso foi o aumento do salário mínimo, até porque isso atinge também quem recebe benefícios da Previdência. E esta é a primeira coisa que um governo novo que entre vai querer mexer. A direita quer essa dexindexação desde a Constituinte, e agora será a grande chance deles.
Esse aumento das condições de compra da maioria é um fator positivo. Não contou para obter o apoio de todos os movimentos sociais?
Isso tudo é fator positivo, sem dúvida. Só que o governo usava isso para justificar o todo e queria a aprovação de todos, afinal esse é papel do governo. O papel dos movimentos é ir para rua, em defesa das conquistas sociais mas denunciando a política de austeridade, o desemprego, aumento da dívida, a recessão. Dilma poderia ter seguido os economistas keynesianos, mas preferiu assumir quase o programa de governo do adversário. A questão é que, como disse Frei Beto, o PT trocou um projeto de nação pelo projeto de poder. Sou crítico, como você vê, mas é preciso dizer que os governos Dilma e Lula possibilitaram a punição legal de empresários.
Você acha que os cidadãos de baixa renda, que moram em periferia, estão descontentes?
Até agora eles não vieram para as ruas, só tivemos manifestações – contra e a favor – da classe média. Mas se mexerem no Bolsa Família, eles vão. Na verdade, eles sofrem com o desemprego mas não culpam a presidente Dilma, se identificam com ela.
O que pode acontecer de agora em diante no Brasil?
Quando o impeachment passar e o PT estiver na oposição, acho que algo vai acontecer nesse país. O PT no governo não tinha mais jeito. Mas agora, pela primeira vez, depois de muito tempo, as esquerdas têm se juntado na luta pela democracia. Uma parte vai defender que tem que ser Lula de novo, mas vamos ficar muito tempo juntos porque vamos ter que lutar contra a prisão do Lula porque tentarão inviabilizar sua eleição em 2018. Se ele for candidato, todo mundo sabe que ele ganha. Mas, se ele ganhar e não houver reforma política, não vai mudar nada. O grande erro desse governo, ao resolver fazer política do mesmo jeito, é que para isso teve que se apoiar nesse Congresso, fazer barganhas.
Como se pode pensar em novo modelo de sociedade?
A crítica ao desenvolvimento está forte, mas os governos não mudam nada. Passei a pesquisar, autores que pudessem mostrar outros caminhos e descobri que já tem um número razoável de pessoas pensando sobre como organizar essa sociedade, já tem quase outra sociedade pronta, outra economia. Andei lendo e percebi que a gente precisa juntar gente para desenvolver e divulgar. Foi daí que nasceu a ideia do projeto Novos Paradigmas do Desenvolvimento. Fazemos boletins semanais, estamos buscando meios de disponibilizar o último livro de Lester Brown – “Plano B” – em capítulos. É um autor fundamental. Criamos também um banco de dados de práticas alternativas para mostrar que é possível fazer diferente.
A questão ambiental precisa ser levada em conta...
Michael Löwy é um dos pensadores que já estão fazendo parte do nosso projeto. Ele diz: a luta revolucionária hoje é ecosocialismo, não tem outra. Socialismo, só se for ecológico. Acho que tem setores de esquerda que já se converteram à questão ambiental, mas uma parte acha que tem que ter desenvolvimentismo para ter emprego. Em vez de pensar: como seria ter emprego de outro jeito? Se for pensar só no desenvolvimentismo, então vai ser preciso manter as madeireiras amazônicas porque é uma forma de dar emprego...Só que nessa forma de gerar emprego vai-se matando as condições que permitem a vida dos humanos.
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“Depois de muito tempo, as esquerdas se juntaram no país” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU