Por: André | 18 Abril 2016
A oposição ficou nas mãos da esquerda e esta não perdeu tempo para assumir esse papel. “Seremos uma oposição firme e fiscalizadora do próximo governo; esse será o nosso papel daqui em diante”, disse Verónika Mendoza.
A reportagem é de Carlos Noriega e publicada por Página/12, 15-04-2016. A tradução é de André Langer.
A eleição peruana deixa um duplo efeito: por um lado, dá uma ampla maioria à direita, mas, por outro lado, ressuscita uma esquerda de perfil próprio que vinha muito fragilizada e que se coloca como um ator político importante. Diante de um segundo turno com dois candidatos da direita que coincidem quase como uma fotocópia em suas propostas econômicas neoliberais, a esquerda, terceira colocada nas eleições do domingo, posicionou-se rapidamente como oposição ao próximo governo, seja de Keiko Fujimori, da direita mais populista e autoritária, seja do economista neoliberal e lobista de grandes empresas Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK.
Quer vença Keiko ou PPK, as semelhanças na política econômica de ambos fará com que seguramente o perdedor termine apoiando as medidas econômicas do novo governo, que deverão aprofundar o modelo neoliberal. Nesse terreno, a oposição fica nas mãos da esquerda, e esta não perdeu tempo para assumir esse papel. Na terça-feira, Verónika Mendoza, a candidata da Frente Ampla (de esquerda), que com 18,8% ficou a dois pontos de ir para o segundo turno, deixou-o muito claro.
“Seremos uma oposição firme e fiscalizadora do próximo governo; esse será o nosso papel daqui em diante, no Congresso e em todos os espaços cidadãos. Esse é o mandato que o povo peruano nos deu”, disse Mendoza.
A esquerda terá, no próximo Congresso, 20 parlamentares das 130 cadeiras do Parlamento unicameral, que será dominado pelo fujimorismo com 71 deputados. A Frente Ampla é a segunda maior força no Congresso. O partido de Kuczynski conseguiu 18 cadeiras.
“Estaremos atentos e vigilantes para denunciar qualquer ato de injustiça, de enfraquecimento da institucionalidade democrática, o que pode acontecer com as duas forças que passaram para o segundo turno”, anunciou a ex-candidata da esquerda.
“São dois candidatos muito semelhantes, ninguém pode duvidar disso”, disse na quinta-feira Verónika Mendoza referindo-se a Keiko Fujimori e Kuczynski, cujas posturas neoliberais voltou a questionar sem fazer nenhuma concessão. Rodeada pelos futuros congressistas e principais dirigentes da frente progressista, Mendoza apresentou os seis pontos da agenda proposta pela esquerda:
1) Uma profunda reforma do sistema político eleitoral, que implica a institucionalização e democratização interna dos partidos políticos – a Frente Ampla foi a única organização que fez eleições internas abertas para a escolha dos seus candidatos;
2) Uma luta frontal contra a corrupção, dando uma real autonomia do governo à Procuradoria Anticorrupção, o que significaria modificar a Constituição fujimorista;
3) Recuperar a soberania sobre os recursos naturais para que o Estado possa decidir o que fazer com eles, dando prioridade ao mercado interno, faculdade que agora o Estado não tem;
4) Uma reforma trabalhista para assegurar um trabalho digno e com direitos trabalhistas;
5) Acabar com as discriminações por razões de raça, orientação sexual e religião;
6) Dar plenos direitos às populações indígenas para que possam decidir sobre o seu próprio desenvolvimento e se faz em seu território reconhecendo sua autodeterminação.
Estes são os seis pontos da agenda política do país da Frente Ampla.
“Vamos defender com firmeza esta agenda que estamos apresentando. Vamos lutar com afinco e organizadamente para defender seus seis pontos”, disse Verónika Mendoza, que aos seus 35 anos converteu-se na líder de uma esquerda que experimentou uma profunda renovação geracional.
Sobre a postura da esquerda para o segundo turno, Mendoza indicou que esta ainda não foi tomada. Está claro que a Frente Ampla não apoiará a candidatura do fujimorismo, com toda a carga de autoritarismo, violações dos direitos humanos e estendida corrupção que traz. Essa opção está totalmente descartada. Mas a esquerda também é muito diferente do neoliberal Kuczynski.
“Iremos tomar uma decisão sobre o segundo turno, como sempre fizemos na Frente Ampla, de maneira democrática e participativa”, disse Mendoza.
“A Frente Ampla nasceu para ficar, para fazer história, e essa história começa hoje. Lutamos por mais justiça, mais igualdade, mais direitos e mais dignidade. Lutamos por mais”, disse Mendoza, em uma breve apresentação à imprensa na sede do seu partido. Os dirigentes de seu partido que a acompanhavam aplaudiram-na e gritaram palavras de ordem, tais como: “sim, se pode”.
Consultado pelo jornal Página/12 sobre o futuro da esquerda, o historiador e catedrático da Universidade Católica Nelson Manrique disse que, “embora esta eleição tenha sido uma vitória da direita, os quase 20% dos votos obtidos pela Frente Ampla, que começou a trabalhar em janeiro deste não, e o fato de ter ganhado em sete das 24 regiões do país, foram um grande avanço para a esquerda”.
“Esta é uma esquerda que se distanciou da geração anterior, que estava fracionada com diversos caudilhos. Isso foi muito importante para a unidade. A Frente Ampla é chamada a ser a oposição do próximo governo, seja qual for. Ela precisa se fortalecer nesse papel. Abre-se um espaço para a esquerda para a partir daí criar uma alternativa ao modelo neoliberal. A esquerda transforma-se em um ator político muito importante. Resta muito trabalho a fazer para a esquerda. Ela deve fortalecer a coesão da Frente Ampla, que devolveu um horizonte de esperança ao país”, indicou Manrique.
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Ressuscita a esquerda peruana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU