Por: Cesar Sanson | 28 Março 2016
A palavra de ordem “Não vai ter golpe” ecoa cada vez mais alta dentro do Palácio do Planalto. Cercada por protestos no entorno da Presidência da República e prestes a ver o PMDB, o maior partido aliado, desembarcar, Dilma Rousseff tem feito da sede de seu Governo um bunker de apoio.
A reportagem é de Afonso Benites e publicada por El País, 27-03-2016.
Nas últimas semanas qualquer ato público do qual ela participa, a claque de petistas e de sindicalistas está lá para dar esse suporte, que repercute na NBR – a TV estatal – nas mídias sociais e serve como pano de fundo para reportagens de emissoras de televisão. Enquanto do lado de dentro o Planalto tenta reter parte da sua base de apoio e evitar o impeachment, do lado de fora o PT divulga agenda de atos em universidades contra o processo de destituição, manifestos de intelectuais e escritores em apoio e anuncia para 31 de março uma nova mobilização nacional com o objetivo de colar a luta contra a destituição, que consideram sem base legal, ao simbolismo da data do golpe de 1964.
Nas últimas duas semanas foram ao menos três ocasiões em que centenas de pessoas ocuparam o Salão Nobre do Planalto para demonstrar apoio à presidenta. Eram praticamente comícios políticos com direito ao advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, bradar “Não passarão” e ao deputado federal Olímpio Gomes (SD-SP) ser expulso do local ao tentar se manifestar contra o PT.
O primeiro evento foi a posse de Luiz Inácio Lula da Silva no ministério da Casa Civil no dia 16. Os outros foram nos dias 22 e 23, quando ocorreram um ato de juristas em defesa de legalidade e o lançamento de edital para pesquisas envolvendo o Aedes aegypti, respectivamente. Do lado de fora, foram ao menos três protestos pedindo a queda da presidenta. Neles, o público variou de 1.000 a 8.000 participantes. Na posse de Lula, que foi posteriormente suspensa pela Justiça, a estrela era o ex-presidente, mas apenas Rousseff discursou e ouviu jingles de campanhas passadas.
No ato dos juristas, o Governo ficou no limiar de uma saia justa. Cerca de 70 diplomatas internacionais participaram do encontro e viram uma militância gritar por apoio à presidenta. Os que lá estiveram lá não ouviram só argumentos jurídicos para defender que não há argumentos para um processo de impeachment, mas se depararam com ataques ao juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, reclamações contra os opositores e aliados fazendo paralelos entre o momento atual e o golpe em 1964. “Isso é uma desmoralização total da Presidência da República. Era como um comício de bairro para desmoralizar um juiz”, reclamou o senador oposicionista José Medeiros (sem partido – MT).
Em outra frente, Rousseff tem sido incentivada pelos seus auxiliares a ir mais para a rua. Não para participar de protestos, como fez Lula na semana passada. Mas para se reunir com autoridades estaduais e aparecer na mídia local. “Temos que nos limitar a fazer o que ela sabe fazer, que é discutir propostas com quem entende do assunto e, claro, aproveitar parte da mídia que não quer derrubá-la. Pedir para ela ser um Lula e mobilizar a militância não dá”, diz um dos assessores da presidenta. A avaliação é que, por mais que corra riscos de se deparar com manifestações, ela precisaria sair do bunker.
'Solução Temer' e manifestos
O Governo corre para garantir, por votos ou ao menos ausências na Câmara, os números necessários para barrar o impeachment. Para aprovação no plenário, são necessários os votos de dois terços dos deputados, ou 342 parlamentares. Se a soma dos ausentes, dos que se abstiverem e dos que votarem contra for igual ou superior a 172 votos, o processo será arquivado. Mas, para consultorias de risco político, como a Eurasia e Arko Advice, salvo reviravoltas com acusações diretas contra Michel Temer até a votação - ele não aparece, por exemplo, na chamada lista da Odebrecht -, a saída de Rousseff é uma questão de tempo. Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, 68% aprovam o impeachment, uma maioria que ganha fôlego como pressão parlamentar em um ano eleitoral.
A "solução Temer", cujo partido é largamente implicado na Lava Jato, também é vista com simpatia em setores empresariais dado o "programa de Governo", documento lançado em outubro chamado Ponte para o Futuro, de corte liberal e com promessas como mudanças na regras do ajuste do salário mínimo e flexibilização de leis trabalhistas. A agenda, no entanto, é vista como mais um fator de aglutinação dos grupos de esquerda em torno de Dilma Rousseff, mesmo que eles não apoiem o Planalto.
Neste sábado, o presidente do PT, Rui Falcão, escreveu em seu Facebook mensagem que embute uma advertência em caso de derrota da presidenta petista: "As manifestações mostram o seguinte: queremos paz, mas não tememos a guerra. Se eles acham que haverá estabilidade derrubando Dilma, estão muito enganados".
Além da ofensiva internacional oficial do Governo, com entrevistas da mandatária e outros ministros a veículos estrangeiros, o PT tem divulgado manifestos de intelectuais em apoio ao Governo, que também incluem acadêmicos estrangeiros. Um dos mais amplos inclui a assinatura do cantor e escritor Chico Buarque, do esloveno Slavoj Zizek e do cubano Leonardo Padura. À diferença de Fernando Collor em 1992, a presidenta e seus apoiadores mostraram musculatura levando milhares às ruas em 18 de março. Na Paulista, com a presença de Lula, foram 95.000 pessoas, e agora a aposta é fazer outro ato grande na quinta-feira.
Guilherme Boulos, líder do movimento de moradia MTST, é um dos articuladores do ato de quinta e diz que a mobilização visa deter "uma nova direita que agride quem está de vermelho na rua, que não tolera alguém que pense diferente". "Nós não temos nenhuma expectativa de que esse Governo vá dar um giro na sua política [econômica e social]. Esse Governo, sempre que esteve acuado, a posição que tomou foi girar mais à direita. O que está em jogo é barrar essa ofensiva antidemocrática que está em curso no país".
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Isolada em Brasília, Dilma vê avanço da ‘solução Temer’ e faz do Planalto um bunker - Instituto Humanitas Unisinos - IHU