Por: André | 18 Março 2016
Nos Evangelhos fala-se pouco sobre ele e não se cita suas palavras. A devoção pelo pai putativo e protetor de Jesus, “padroeiro da Igreja”, cuja festa se celebra no dia 19 de março, é um culto que se consolidou aos poucos. O que sabemos sobre ele e como os dois últimos papas falaram sobre ele.
Fonte: bit.ly/1S7R0De |
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 17-03-2016. A tradução é de André Langer.
A figura de São José, “padroeiro da Igreja”, cuja festa se celebra no dia 19 de março, foi “descoberta” pela própria Igreja com certa lentidão. Não há vestígios sobre o seu culto nos calendários litúrgicos ou nos martirológios antes do século IX. No Ocidente, o culto aparece formalmente no século XI: dedicou-se a ele um oratório na catedral de Parma (em 1074) e construiu-se uma igreja em sua honra em Bolonha (1129).
No final do século XIV difundiu-se a festa de 19 de março dedicada ao santo, que se converteu em um preceito em 1621 por decisão de Gregório XV. Em 1870, Pio IX proclamou São José padroeiro da Igreja, e no ano seguinte reconheceu a ele o direito a um culto superior aos demais santos. O Papa Francisco, com um decreto da Congregação para o Culto Divino, de 1º de maio de 2013, incluiu uma menção de São José no cânon da missa, na oração eucarística, imediatamente depois do nome de Maria e antes dos nomes dos apóstolos.
O Evangelho de Mateus
Segundo o direito hebraico Jesus pertence a uma estirpe, a davídica, por ser filho de José. O primeiro dos dois Evangelhos da infância, o de Mateus, ocupa-se inteiramente da figura do pai putativo de Jesus para destacar que o Menino pertence à estirpe de Davi. Nele assume uma importância particular quando o carpinteiro aceita que o menino, filho de sua jovem e prometida esposa, não é seu. José é mencionado somente nos poucos parágrafos dos Evangelhos da infância, e nunca são citadas as suas palavras.
Seu nome significa “Ele [Deus] acrescentará” ou “Ele [Deus] reunirá”, e é o mesmo nome de outros seis personagens bíblicos. A tradição indica que este homem era idoso. Não só devido à sua completa ausência quando Jesus começa seu ministério público, ausência que permitiria deduzir que nessa época já não estava vivo. Também há a vontade, completamente apologética, de representar José idoso, é mais decrépito, para evitar qualquer insinuação sobre a castidade e sobre a virgindade de sua esposa Maria.
Migrante e refugiado
A iconografia clássica apresenta-o, pois, bastante idoso e com um bastão. José, com Maria e depois com o pequeno Jesus, foi um migrante e um refugiado. Migrante devido ao censo que o obrigou a ir de Nazaré a Belém, onde nasceu o menino nas condições precárias descritas por Lucas. Depois refugiado, porque se viu obrigado a fugir para o Egito, atravessando a fronteira de um país tradicionalmente acolhedor, para fugir da espada dos soldados de Herodes, que tinham recebido a ordem de matar todas as crianças pequenas de Belém.
O carpinteiro
Qual era a profissão de José? No Evangelho de Mateus (13, 55) lê-se esta definição de Jesus: “Não é este, por acaso, o filho do carpinteiro?” O próprio Cristo é definido pelo evangelista Marcos (6, 3) como “carpinteiro”. Estamos acostumados a traduzir a palavra grega “tékton” como “carpinteiro”. Mas estudos mais recentes tendem a reconsiderar esta definição e a propor uma tradução mais próxima a um “construtor”, embora esta, obviamente, seja uma hipótese.
“Tékton”, na época, indicava um operário que trabalhava com materiais duros, portanto não apenas madeira, mas também pedras, e que sabia fazer de tudo. Um indício que poderia indicar a solução de um José “construtor” seriam algumas parábolas do seu filho, dedicadas à arte de construir uma casa. Por exemplo, em Mateus (7, 24-26): “Qualquer um, pois que ouve estas palavras e as coloca em prática é comparável a um homem prudente que edificou sua casa sobre a pedra”.
No Evangelho de Lucas (14, 28-30), por outro lado, se pode ler: “Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele. Dizendo: este homem começou a edificar e não pôde acabar”.
A menos de seis quilômetros de Nazaré estava Séfora (a atual Sípora), cidade que até o ano 20 a.C. foi a capital da Galileia, que depois teria sido substituída por Tiberíades. Carsten Peter Theide levantou a hipótese de que José e seu filho Jesus trabalharam na sua construção. A profissão de José, seja como for, devia permitir à sua família viver com dignidade.
“Era justo”
Merece também um comentário a expressão que Mateus usa ao definir José: “era justo”. O termo hebreu “sadiq”, explicam os estudiosos, significa “homem exemplar”, que respeita a Lei. Um hebreu “praticante”, observante, que possuía, portanto, certa cultura e que conhecia tanto o hebraico como o aramaico: a primeira era a língua clássica de Israel, a segunda era a que se usava comumente nessa época.
Uma antiga tradição rabínica relaciona o ofício de “operário”, “construtor”, com uma formação especial, ou seja, com um conhecimento especial do texto bíblico e com uma insólita capacidade para explicá-lo. José, escreve Mateus, é um homem “justo” e misericordioso. Ao tomar conhecimento da gravidez de Maria, antes de receber a mensagem de Deus em um sonho, decidiu repudiar sua esposa, mas em segredo. Não a repudia em público, não divulga a notícia da gravidez “ilegítima”. O anjo que aparece a ele em um sonho, com seu anúncio, resolve a situação.
As palavras de Bento XVI
Em uma homilia que o Papa emérito pronunciou no convento em que mora no Vaticano, Bento XVI traçou um “perfil” de São José: “Por que Deus escolheu José? Porque José era um homem justo, piedoso. Mas também porque José era um homem prático. Além disso, necessitava-se de um homem prático para organizar a fuga para o Egito, mas também para organizar a viagem para Belém por ocasião do censo e para satisfazer todas as necessidades práticas de Jesus”.
No dia 19 de março de 2006, o Papa Ratzinger recordou a figura do santo cujo nome carrega e destacou que “a grandeza de São José, junto com Maria, ressalta ainda mais porque sua missão foi desempenhada na humildade e no ocultamento da casa de Nazaré”.
Nas primeiras Vésperas da festa de São José de 2009, Bento XVI traçou, quase com estupor teológico, a figura do santo: “Ilustra-o São José de maneira surpreendente, ele que é pai sem ter exercido nenhuma paternidade carnal. Não é o pai biológico de Jesus, de quem apenas Deus é o Pai. No entanto, ele exerce uma paternidade plena e completa. Ser pai, sobretudo, é ser servidor da vida e do crescimento. São José demonstrou, neste sentido, uma grande dedicação. Por Cristo conheceu a perseguição, o exílio e a pobreza que deriva. Teve que estabelecer-se em um lugar diferente da sua aldeia. Sua única recompensa foi a de estar com Cristo”.
O “perfil” de Francisco
No dia 19 de março de 2013, o Papa Francisco celebrou a missa para o início do seu Pontificado. Na homilia, apresentou São José como modelo de educador, que protege e acompanha humildemente Jesus em seu crescimento. “José é ‘protetor’ porque saber escutar a Deus, se deixa guiar por sua vontade e, justamente por isso, é mais sensível às pessoas que se confiam a ele, sabe ler com realismo os acontecimentos, está atento ao que o rodeia e sabe tomar as decisões mais sábias. Nele, queridos amigos, vemos como se responde à vocação de Deus – com disponibilidade, com prontidão, mas também vemos qual é o centro da vocação cristã: Cristo! Protejamos Cristo na nossa vida para proteger os outros, para proteger a Criação!”
E, significativamente, no próximo sábado 19 de março de 2016, festa de São José, será assinada a exortação dedicada à família, documento que representa o caminho de dois sínodos.
O “documento de identidade” do protetor
Com tudo o que foi dito anteriormente, é possível concluir citando algumas características do “perfil” de São José. É um homem justo e misericordioso, capaz de ver além das convenções sociais. É um homem silencioso e humilde. Está aberto às “surpresas” de Deus, aos seus planos, embora alterem a vida cotidiana. É um protetor da vida, permite que Deus se faça homem, um menino inerme, “completamente dependente dos cuidados de um pai e de uma mãe” (como disso o Papa Wojtyla em Belém, em março de 2000); permite que cresça. É capaz de ser pai de um filho que não era seu. É um homem prático, capaz de ouvir a voz de Deus e de colocá-la em prática, para tomar as melhores decisões pelo bem de sua família.
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“Perfil” de José, o santo do anti-protagonismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU