16 Março 2016
Vamos ao nosso balanço pós-crise.
O comentário é de Luís Nassif, jornalista, publicado por Jornal GGN, 16-03-2016.
A rigor, manifestações servem apenas para o exercício da catarse e para expor o verdadeiro tamanho de alguns personagens públicos, jornalistas, políticos.
O efeito de fato é sobre a perspectiva futura do eleitorado. Nesse sentido, as manifestações são eficientes por demonstrar capacidade de mobilização contra o governo e as esquerdas em geral.
Mas é apenas um fator.
O que se discute hoje em Brasília é mais amplo do que a votação em 2018: é disputa de poder real, atual, do momento e as expectativas de poder a partir de 2018.
Vamos a um pequeno rescaldo dos fatos do momento.
Fato 1 – O D+ do impeachment.
Não há consenso sobre o dia seguinte de um eventual impeachment.
Há um enorme conjunto de interrogações no ar, o que dificulta o pacto pró-impeachment.
A maior parte das alternativas degola Dilma e leva junto o vice-presidente Michel Temer. Se Lula conseguir apresentar uma alternativa minimamente viável, ainda pode segurar o PMDB.
Chama a atenção o fato de, na delação do senador Delcídio do Amaral, nenhum procurador ou delegado ter manifestado a mais remota curiosidade sobre o papel de Gregório Preciado – ligado ao senador José Serra – nas relações com empreiteiros. Como se recorda, Preciado foi expressamente mencionado por Delcídio no grampo armado por Bernardo Cerveró – o filho de Nestor – que serviu de base para a prisão do senador.
Fato 2 – Lava Jato e o estado policial.
É ilusória a ideia de que o afastamento de Dilma ou a prisão de Lula faria cessar o jogo político da Lava Jato. Pelo contrário, se derrubarem a Bastilha do poder presidencial, conseguirão implantar definitivamente o estado policial no país. Pois não haverá mais força institucional capaz de detê-la. Se ousarem recuar, perdem toda a base de apoio da malta.
Os episódios das últimas semanas revelaram que intenção da Lava Jato é implodir qualquer forma de acordo político, mesmo que signifique jogar o país em uma guerra interna e em uma depressão econômica.
São vários os indícios.
Indício 1 - As manifestações de domingo corroborando a ideia de que o movimento atual é contra o sistema político em geral. E a visão redentorista de que resolvendo a questão da corrupção, todas as soluções aparecerão por si.
Indício 2 – as pregações do procurador Deltan Dallagnol, dando outra leitura para a Itália pós-Mãos Limpas. Segundo ele, houve a eleição de Berlusconi e a paralisação da operação não porque jogou a economia da Itália no fundo do poço, mas porque a Mãos Limpas não cuidou de impedir os acertos políticos posteriores. Ou seja, para limpar definitivamente o país da corrupção e implantar a paz dos cemitérios, a Lava Jato tem que ir além da derrubada do atual governo. O adversário é toda a classe política.
Indício 3 – O acirramento da perseguição a Lula, pela Lava Jato, que está em Curitiba; o vazamento do grampo em Aloizio Mercadante e da delação de Delcídio, que estão em Brasília. Alguma dúvida?
Indício 4 – em maio do ano passado, o Ministro Teori Zavascki suspendeu os mandados de prisão determinados por Sérgio Moro e requisitou os processos para analisa-los. No dia seguinte, o site da revista Veja divulgou matéria na qual dizia que um investigado da Lava Jato tinha apoiado Zavascki nas eleições para a diretoria do Grêmio. Naquela mesma tarde, Zavascki reviu sua posição (veja nos anexos pdf da matéria de Marcelo Auler da Carta Capital). O mesmo ocorreu com o Ministro Luís Roberto Barroso. Após um voto corajoso sobre os ritos do impeachment, foi alvo de ataques através das redes sociais, sobre um apartamento adquirido por sua esposa em Miami, em operação perfeitamente legal. No momento seguinte, reescreveu sua biografia voltando pela supressão da terceira instância nos processos.
A estratégia de grampear um Ministro de Estado é apenas mais um passo na escalada da Lava Jato, depois que atravessou o Rubicão. Lateralmente, há uma estratégia de intimidação de quem ousar ficar na frente.
Fato 3 - Lula.
Se fosse pensar exclusivamente no seu processo, seria mais prudente a Lula não aceitar o cargo. Sendo Ministro, o caso vai para o STF (Supremo Tribunal Federal) e não haverá instâncias de apelação.
Politicamente, não há outra saída.
Não se tem um desafio fácil pela frente.
No formato mais rápido, o rito do impeachment leva 45 dias. Nesse período, Lula precisará apresentar ao PMDB um cenário minimamente confortável, que precisa incluir uma estratégia econômica, que não pode ser conservadora a ponto de agravar a recessão, nem fiscalmente imprudente.
O Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tem em mãos algumas alternativas interessantes de retomar investimentos em saneamento com participação da iniciativa privada, em cima do encontro de contas com Estados e Municípios. O padrão Dilma, no entanto, é o receio de que um respiro mais forte e a água entrar pelo nariz. Talvez com Lula chegando, possa ser rompida a inércia.
O acordo com o PMDB só será selado se Lula demonstrar que o governo Dilma se tornou economicamente viável.
Há alguns fatos a favor. Nas últimas semanas surgiram no ar indícios de recuperação da economia e de redução do ímpeto inflacionário. Não se sabe até que ponto a Lava Jato conseguirá abortar essa recuperação, com as bombas dos últimos dias.
Fato 4 – Eugênio Aragão e o STF.
Se não pararem com a escalada da Lava Jato, não haverá estabilização possível.
Tem-se um quadro curioso.
O PGR Rodrigo Janot montou uma Força Tarefa absolutamente confiável, com total integração e afinidade política entre os procuradores escolhidos e os delegados da Polícia Federal.
Fora da Lava Jato, no entanto, há uma animosidade crescente entre procuradores e policiais, devido à tentativa da Polícia Federal em conquistar autonomia financeira e administrativa.
Aragão é um procurador eminentemente legalista. Mesmo tendo assumido a defesa do governo, em algumas ocasiões, conta com o amplo respaldo das associações de procuradores. E, na condição de Ministro da Justiça, passa a ser o comandante de fato da Polícia Federal.
A total perda de controle na Lava Jato - com grampos em Ministros do governo, ataques a Ministro do STF, truculência na invasão de residências e na decretação de prisões - é um fator potencial a mais para reagrupar forças jurídicas e políticas, antes que sobrevenha o caos.
Não tenho elementos suficientes sobre a habilidade política de Aragão, sobre o nível atual das suas relações com Janot, ou mesmo sobre sua posição em relação à Lava Jato para formular qualquer prognóstico. Nos debates e na defesa de ideias, mostrou-se uma fortaleza de coerência e de responsabilidade institucional. O jogo político exige mais, habilidade, visão estratégica. Aí, é esperar para ver.
A questão central é que sem uma ação orquestrada e responsável, passando pelo STF, que limite as estripulias da Lava Jato, não haverá normalização política e econômica possíveis.
Cenário de estabilização
O cenário de estabilização política e econômica passa pelas seguintes etapas, de difícil execução:
1. Lula conseguindo reagrupar a base de apoio com o PMDB. O PSDB caindo na real sobre os riscos do estado policial.
2. O STF colocando um freio na escalada da Lava Jato. Nos próximos dias a Lava Jato, juntamente com a Globo, jogará tudo – inclusive ameaças à família de Lula – para abortar qualquer tentativa de acordo.
3. A perspectiva de recuperação da economia não ser novamente abortada pela estratégia da Lava Jato.
Há uma possibilidade, ainda que pequena, de reverter o jogo.
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O xadrez do estado policial, no D+ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU