11 Março 2016
Felipe González, ex-presidente do Governo da Espanha (1982-1996), manifestou nesta quinta-feira seu apoio e reafirmou sua amizade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que na sexta-feira passada foi obrigado pela Polícia Federal a depor sobre sua suposta participação no esquema de corrupção da Petrobras, enquanto realizavam buscas em sua casa e na sede de seu instituto.
A reportagem é de Felipe Betim, publicada por El País, 10-03-2016.
“Fiquei chocado pela forma como se deu a condução coercitiva e o depoimento de Lula. Não acredito que ele tenha se negado a depor antes, de modo que me pareceu desnecessário o uso da coerção”, disse González, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), em uma entrevista coletiva na Universidade de São Paulo (USP), onde assumiu a cátedra José Bonifácio, do centro Ibero-americano. O socialista alertou sobre o que ele chama de "Governo dos juízes"; ou seja, quando a aplicação da lei pelo Judiciário busca influenciar a política e substituir o Executivo e o Legislativo.
González é o primeiro político europeu a falar sobre a operação da PF na semana passada e manifestar sua solidariedade a Lula, somando-se a outros políticos como Evo Moraes e Nicolás Maduro.
O socialista espanhol acredita que existirá “um antes e um depois” da Operação Lava Jato, “um novo cenário que definirá comportamentos diferentes, tanto de responsabilidades políticas como de responsabilidades empresariais”. Afirmou, entretanto, que mesmo que Lula esteja passando por um momento difícil, é e continuará sendo seu amigo. Mas que não fica “chocado” pelo fato do ex-mandatário ser investigado porque “somos todos iguais perante à lei”.
O ex-mandatário, que deu uma aula magna na USP, também frisou a importância de que os três poderes da democracia representativa – o Executivo, Legislativo e Judiciário – estejam em equilíbrio. Para ele, o mais sensível é o Judiciário, que precisa ser independente ao aplicar a lei, mas que pode sofrer distorções durante o desenvolvimento democrático. Especialmente quando, segundo ele, existe um “Governo dos juízes”.
Isso pode estar ocorrendo no Brasil, segundo o socialista. “O que vejo é que a política, como em todas as partes, se degradou. Novos atores precisam inclusive se apresentar como antipolíticos. Então os juízes podem acabar se transformando em heróis que representam a emoção e a aspiração das pessoas, e em um poder muito mais importante do que o que emana da vontade popular”, explicou. E acrescentou: “Gosto dos juízes, mas prefiro os que se dirigem às pessoas por meio de sentenças, resoluções e autos judiciais. São os mais sérios e respeitáveis”.
Presunção de inocência
González argumentou que a Justiça “não deve se voltar ao possível acusado, mas à aplicação da lei”. “A Justiça deve ser justa. E se é justa, é exemplar para todos igualmente. Mas quando se fala de exemplaridade, o pensamento é que com alguns deve-se ser mais exemplar do que com outros. E isso não é aplicação da Justiça”. Ao finalizar, relembrou: “Existe uma presunção de inocência sobre a qual se baseia o Estado democrático de direito”.
Em concreto, o Ministério Público Federal acusa o ex-presidente brasileiro de ser “um dos principais beneficiários” do esquema de desvio de dinheiro da Petrobras, investigado há dois anos pela Operação Lava Jato.
O ex-presidente chileno Ricardo Lagos (2000-2006) também expressou sua solidariedade ao ex-presidente Lula: “Como o próprio Lula disse mais de uma vez, ninguém pode estar acima da lei. Essa é solidez de nossas democracias. E, certamente, é o momento de relembrar que, apesar do momento ruim, Lula é o líder que veio das bases sociais para dar à democracia de seu país e de seu continente novos horizontes em prol da justiça social”, disse Lagos ao EL PAÍS, segundo informa Rocío Montes. Integrantes do Partido dos Trabalhadores (PT) articulam um manifesto de líderes mundiais em apoio a Lula, entre os quais deverão estar o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica e o ex-mandatário francês Nicolas Sarkozy, segundo diversos portais de notícias.
Um ano de cátedra no centro ibero-americano da USP
Felipe González compareceu nesta semana à USP para assumir a cátedra José Bonifácio, do Centro Ibero-americano, coordenado pelo Instituto de Relações Internacionais da USP. Ocupará o posto por um ano, em substituição à escritora Nélida Piñón. González liderará uma série de estudos sob o tema A crise da governança da democracia representativa, que deverão ser apresentados em um ano. Os outros titulares da cátedra foram o ex-presidente chileno Ricardo Lagos y Enrique Iglesias, ex-presidente do BID.
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Ex-premiê espanhol Felipe González alerta sobre um possível “governo dos juízes” no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU