18 Fevereiro 2016
Dirigindo-se aos jovens em uma das cidades mais pobres e violentas do México – onde muitos são recrutados como algozes contratados por cartéis de drogas –, o Papa Francisco falou duro nessa terça-feira (16-02-2016) contra uma sociedade que, segundo ele, deixa a juventude sem trabalho, marginalizada das oportunidades e que a usa somente para “fins mesquinhos”.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicado por National Catholic Reporter, 16-02-2016. A tradução é deIsaque Gomes Correa.
O pontífice também convocou os jovens a não aceitarem entrar no mundo da violência, declarando: “Jesus nunca nos convidaria para ser algozes, mas chama-nos discípulos”, disse Francisco a dezenas de milhares de jovens em um encontro na tarde de terça-feira. “Ele nunca nos mandaria à morte, mas tudo n’Ele é convite à vida”.
“Vocês são a riqueza deste país”, disse o papa. “Quando tiverem dúvidas sobre isso, olham para Jesus Cristo, Aquele que desmente todas as tentativas de tornar vocês inúteis ou meros mercenários de ambições alheias”.
Francisco estava falando na terça-feira em seu segundo evento público em Morelia, capital do estado de Michoacán, na região central do país. Localizada a cerca de 320 quilômetros a oeste da Cidade do México, Morelia tem vivido um período obscuro de violência, principalmente em decorrência da luta pelo controle da produção de metanfetamina.
A situação é tão devastadora que os jovens aqui são muitas vezes recrutados por cartéis de drogas como “sicários”, ou algozes, assassinos contratados que agem em troca de dinheiro. Uma vez que um jovem faz parte de uma estrutura de cartel, fica difícil, se não impossível, sair.
Em seu discurso, Francisco denunciou um sistema que, segundo ele, deixa os jovens sem esperança, sentindo-se inúteis e incapazes de fazer qualquer coisa com suas vidas. Ele criticou duramente os desejos dos jovens por riqueza, dizendo que ela não pode comprar a felicidade.
“A principal ameaça à esperança é quando sentes que tanto vale estares como não estares”, disse o papa aos jovens. “Isso mata, isso aniquila-nos e é porta de entrada para tanta amargura”. “A principal ameaça à esperança é fazer-te crer que começas a valer qualquer coisa, quando te mascaras com roupas de marca, do último grito da moda, ou que ganhas prestígio, te tornas importante por teres dinheiro”, continuou. “Mas, no fundo do teu coração, não crês ser digno de carinho, digno de amor”.
O papa então falou sem rodeios aos jovens sobre a tristeza que eles sentem diariamente com a morte de amigos. “Compreendo que muitas vezes se torna difícil sentir-se tal riqueza, quando estamos continuamente sujeitos à perda de amigos ou familiares nas mãos do narcotráfico, das drogas, de organizações criminosas que semeiam o terror”, disse.
“É difícil sentir-se a riqueza de uma nação, quando não se tem oportunidades de trabalho digno, possibilidades de estudo e formação, quando não se sentem reconhecidos os direitos levando vocês a situações extremas”, continuou. “É difícil sentir-se a riqueza de um lugar, quando, por serem jovens, usam vocês para fins mesquinhos, seduzindo vocês com promessas que, no fim, se revelam vãs”, disse ele.
Uma multidão de jovens embalou o estádio José Maria Morelos y Pavon, em Morelia, num dia ensolarado, com todos ansiosos para ver o papa. Antes de Francisco chegar, os jovens estavam animados tremulando bandeiras de diferentes cores. Um apresentador os conduzia, dizendo ao microfone: “Este é o papa dos jovens!”.
Depois que Francisco chegou, uma longa procissão de jovens vestidos com roupas indígenas nas cores vermelha, azul, verde e dourado deu uma volta em torno do estádio antes de presenteá-lo com uma série de presentes. Mulheres em fantasias de borboleta batiam suas asas ao ar. Além de dezenas de milhares no estádio, cerca de 50 mil assistiam ao evento em telões instalados nos estacionamentos do estádio.
Em sua fala, Francisco estava dando uma resposta a muitas coisas vividas pelos jovens da região. Um desses se identificou como “um dos 30 milhões de jovens no México que querem viver em paz”. “Muitos de nós estudam (…), muitos trabalham honestamente para sustentar nossas famílias”, disse o jovem chamado Alberto. “Nós queremos criar uma sociedade de igualdade e respeito”.
“Alguns jovens são pegos em desespero e acabam ávidos por uma vida de ganância e corrupção, promessas de uma vida intensa e fácil, mas do lado de fora da lei”, disse ele. “As vítimas do narcotráfico, da violência, dos vícios e da exploração de pessoas estão aumentando”, continuou o jovem. “Muitas famílias têm chorado a perda de seus filhos, porque a impunidade tem dado asas aos que sequestram, extorquem e matam”.
“Irmãos, Francisco, como podemos nos tornar artífices da paz?”, perguntou-se o jovem diante da multidão.
O papa disse-lhes para olharem para Jesus como um exemplo de esperança. “É graças a Ele que podemos dizer que não é verdade que a única forma que os jovens têm de viver aqui seja na pobreza e na marginalização: marginalização de oportunidades, marginalização de espaços, marginalização da formação e educação, marginalização da esperança”, disse o pontífice.
“Jesus Cristo é Aquele que desmente todas as tentativas de tornar vocês inúteis, ou meros mercenários de ambições alheias”, disse. “Vocês me pediram uma palavra de esperança... A que tenho para dar chama-se Jesus Cristo”, continuou Francisco. “Quando tudo parecer pesado, quando parecer que o mundo cai em cima de vocês, abracem a sua cruz, abracem a Ele e, por favor, nunca larguem a Sua mão; por favor, nunca se afastem d’Ele”.
“Por isso, queridos amigos, em nome de Jesus peço que não se deixem excluir, não se deixem desvalorizar, não se deixem tratar como mercadoria”, pediu o papa. “Claro, é provável que vocês não tenham à porta o último modelo de carro, a carteira cheia de dinheiro, mas vocês têm algo que ninguém poderá jamais roubar: a experiência de se sentirem amados, abraçados e acompanhados; a experiência se sentirem família, de se sentirem comunidade”, acrescentou.
Ao mencionar a história de Nossa Senhora de Guadalupe – segundo a qual Maria apareceu a um nativo mexicano no século XVI e pediu-lhe que construísse um santuário para ela –, Francisco falou que Deus está pedindo aos jovens do país que continuem na construção de um santuário. “Um santuário que não é um lugar físico, mas uma comunidade”, disse. “Um santuário chamado paróquia, um santuário chamado nação”.
“A comunidade, a família, o sentir-se cidadãos são alguns dos principais antídotos contra tudo o que nos ameaça, porque nos faz sentir parte desta grande família de Deus”, completou.
Francisco vai estar de visita ao México até quarta-feira. Todas as noites ele retorna à capital do país, Cidade do México, viajando diariamente a regiões diferentes ao sul, oeste e norte. O pontífice irá ao norte mexicano na quarta-feira até a cidade fronteiriça de Ciudad Juárez, do outro lado de El Paso, cidade no Texas. Aí ele vai visitar uma penitenciária local e celebrará uma missa pública bem na fronteira entre os dois países.
Francisco retorna a Roma na quarta-feira no fim do dia.
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Francisco aos jovens mexicanos: “Jesus nunca nos convidaria para ser algozes” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU