Por: Cesar Sanson | 18 Fevereiro 2016
Auditório lotado marcou o primeiro dia do seminário ‘Direito e Desenvolvimento’ promovido pela Terra de Direitos. A necessidade de união da população e o papel do poder judiciário no combate as violações de direitos humanos em grandes projetos foram destacadas pelos participantes.
A reportagem é publicada por Terra de Direitos, 17-02-2016.
Com auditório lotado, a assessora jurídica da Terra de Direitos, Layza Queiroz, iniciou o seminário Direito e Desenvolvimento indicando o propósito da atividade. “Esse evento não se propõe à neutralidade”, indicou. “É resultado da percepção da necessidade de denunciar as diversas violações de direitos que resultam desse modelo que prioriza o crescimento econômico”.
O primeiro dia do seminário – que teve início nesta terça-feira (16), na Universidade do Oeste do Pará, em Santarém – destacou a necessidade de união da população e o papel do poder judiciário no combate e na continuidade dessas violações de direitos humanos. Sentados nos degraus ou em pé nos corredores, estudantes, militantes, pesquisadores e integrantes de movimentos sociais participaram da atividade.
Presente no debate “Desafios para garantia de direitos e o modelo de desenvolvimento da Amazônia”, a subprocuradora geral da República, Deborah Duprat (foto), apontou de que forma a noção que o Estado tem de desenvolvimento – como sinônimo de progresso econômico – impacta a vida das pessoas.
Para ela, essa visão noção chega para as pessoas de forma vertical, sem que haja um debate plural e horizontalizado , como no que está relacionado a construção de grandes empreendimentos. Por isso, Duprat apontou a necessidade de efetivação de diálogo para além dos grupos afetados por esses projetos.
“A Consulta Prévia não é uma ação afirmativa. É um imperativo da sociedade plural. Um governo não consegue saber o que é melhor para o povo sem consultar ele”, avaliou. E alerta: “O direito de participar e ser consultado depende da informação adequada e íntegra que chega aos impactados”.
O procurador da república Luís de Camões Boaventura (foto) também destacou a necessidade de estabelecer diálogo com a população, visto as grandes mudanças trazidas por megaprojetos. Hidrelétricas, portos, mineradoras, concessões florestais, monocultura e pecuária extensiva estão entre os principais projetos que violam os direitos da população.
São essas obras que vão obrigar milhares de famílias a saírem de suas terras, que irão alterar o ecossistema da região e o equilíbrio do meio ambiente, que vão interferir na forma de organização de vida de diferentes grupos. “Tudo que esses povos querem é poder viver em paz dentro de suas comunidades. Eles não querem compensações ou royaltes, como diz o governo”, aponta Camões.
Deborah Duprat avalia que os impactos dos empreendimentos vão muito além da área onde será realizada a obra. Ao terem que se deslocar, as pessoas alteram também a vida das cidades e lugares para onde estão indo. “Não tem nada que não se altere no meio físico que não impacte o social”, diz.
A subprocuradora também destacou a incoerência na realização de estudos que avaliam a viabilidade dos projetos. Para ela, a maneira como os estudos são feitos revela a forma como o Estado lida com o conflito entre o interesse econômico e a garantia dos direitos da população. “Os estudos [como o de Impacto Ambiental] tem como ponto de partida o empreendimento, não o impacto. Isso cria o pressuposto de que o empreendimento vai ter que existir”, explica. Duprat questiona a falta de reflexão das pesquisas, que não leva em consideração outras alternativas para a realização das obras – no caso de hidrelétricas, a possibilidade de aproveitamento da energia solar não é cogitada. “Não temos no Brasil licenciamento ambiental minimamente sério”, avalia.
Suspensão de Segurança e violação de direitos humanos
Apesar de denúncias de irregularidades na construção de grandes empreendimentos – como portos e hidrelétricas – o primeiro dia de debates apontou o judiciário como um dos responsáveis pela garantia de continuidade desses projetos e das violações de direitos. A estrutura pouco horizontal e autoritária desse poder seria uma das causas de tais decisões.
Obras como a da Hidrelétrica de Belo Monte e do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, por exemplo, foram paralisadas após decisão judicial, mas puderam prosseguir após a utilização do instrumento jurídico conhecido como Suspensão de Segurança.
Advogada popular da Terra de Direitos, Layza Queiroz destacou a complexidade desse instrumento, que permite que decisão liminar ou sentença sejam suspendidas caso se avalie que tal decisão cause lesão à ordem, saúde, segurança e economia pública. Essa suspensão é proferida por apenas uma pessoa – o presidente do Tribunal Superior de onde foi tomada a decisão suspensa –, mesmo que a decisão tenha passado por diversas instâncias processuais.
A inconstitucionalidade desse instrumento está sendo discutida em representação protocolada pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria Geral da República ao procurador geral. O grande número de vezes que os pedidos de Suspensão de Segurança foram deferidos pelos presidentes dos tribunais revela também o distanciamento deste órgão com as demandas da população. “O poder judiciário não pode estar distante das nossas lutas sociais. A sociedade não tem canal de diálogo”, avaliou a advogada popular.
Para o procurador Camões, essa realidade resulta também da forma como vem se formado esse poder, que é ocupado por pessoas que integram a classe de alta renda. Deborah Duprat concordou. “Esse é em um campo de disputa”, avaliou a subprocuradora geral da República. “Precisamos nos aparelhar no discurso para disputarmos ideias. É hora de ir para as ruas gritar: ‘eu conheço meus direitos. Quero que se cumpra a constituição’”.
A avaliação da forma como é utilizada o instrumento da Suspensão de Segurança é trazida em publicação da Terra de Direitos, lançada no evento. O material Suspensão de Segurança, neodesenvolvimentismo e violações de direitos humanos no Brasil aborda casos emblemáticos que retratam como o instrumento jurídico é utilizado de forma a atender os interesses do Estado – mesmo que às custas de violações de direitos.
Fotos: Terra de Direitos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Um governo não consegue saber o que é melhor para o povo sem consultá-lo”, diz Deborah Duprat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU