08 Fevereiro 2016
Diante do caos instalado pelas consequências incomensuráveis da picada do mosquito Aedes aegyptie e da ausência de uma percepção dos diferentes fatores econômicos, políticos e sociais que resultam em uma epidemia, corre-se o risco de se criar uma pandemia de preconceito e discriminação.
A reportagem é de Martinha Clarete Dutra dos Santos e Claudia Pereira Dutra, publicada por Jornal GGN, 04-02-2016.
A mulher torna-se alvo preferencial de preocupações exclusivamente sanitárias em razão das consequências das doenças transmitidas pelo mosquito às gestantes. Tais preocupações ultrapassam os limites da prevenção e do cuidado com a saúde das mulheres e invadem o campo dos Direitos Humanos, focalizando a microcefalia como a grande ameaça por causar a deficiência, propalada como a maior das tragédias.
Nesse contexto, a microcefalia é apresentada como o fator de risco à população. As mulheres são interpeladas a não engravidar nos próximos anos e alertadas para a desgraça individual de ter um filho com deficiência, instalando-se uma situação de pânico e insegurança que conduz ao aborto como solução e não como uma política de saúde pública, fundamentada nos direitos reprodutivos das mulheres.
Estamos diante de uma dupla violência contra os direitos das mulheres e das pessoas com deficiência. Ignoram-se os avanços conquistados por meio das políticas de igualdade de gênero e de inclusão das pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência voltam a ser apontadas como o problema, negando-se o princípio constitucional da deficiência como parte da diversidade humana.
Após dez anos da publicação da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU/2006, ao invés de se fortalecer a concepção social e política da deficiência que assegura a igualdade de direitos e promove a inclusão, motivado pelo surto de microcefalia, promove-se o recrudescimento do estigma da deficiência que imputa ao individuo a inadequação, a anomalia, a incapacidade. Este é um evidente retrocesso ao modelo clínico superado pela Convenção que define a deficiência como um conceito em evolução e não admite a discriminação com base na condição de deficiência.
É bastante oportuno recordar que o modelo clínico da deficiência serviu para justificar a segregação das pessoas com deficiência que por um longo período foram isoladas dos diferentes ambientes sociais, enquanto a sociedade se eximia de promover mudanças estruturais para assegurar as condições de acessibilidade e de participação.
Eis aí o risco iminente da pandemia do preconceito e da discriminação. Como enfrentar esse risco? Responsabilizando as mulheres? Estigmatizando as pessoas com deficiência? Acreditamos que não. O caminho não é reduzir direitos, mas fortalecer as políticas públicas intersetoriais, ampliando o acesso à informação, à proteção e aos cuidados.
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O Zica e o Risco da Pandemia do Preconceito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU