14 Janeiro 2016
Sumário:
• Não há dúvida de que o estrelato de Francisco não diminuiu
• É um momento de bonança para o catolicismo em muitos lugares, mas não no Ocidente
• Não é novidade: o popular João Paulo II não conseguiria reverter o declínio no número de fiéis no longo prazo
• Francisco terá de descobrir como aproveitar o seu sinal distintivo pessoal
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 13-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Alguns dados surgiram recentemente e, tomados juntos, eles confirmam uma realidade inquietante para o Papa Francisco: a sua popularidade não parece estar se traduzindo em um entusiasmo notavelmente maior na Igreja que ele lidera.
Na semana passada, agências noticiosas informaram que as nove contas no Twitter do pontífice haviam alcançado um total de 26 milhões de seguidores em todo o mundo, representando um crescimento impressionante para contas papais, criadas recentemente. (Em 2012, criaram-se contas no Twitter em inglês, italiano e francês sob a liderança de Bento XVI; em pouco tempo outros idiomas foram acrescidos.)
Estes 26 milhões, a propósito, incluem 411 mil pessoas que seguem o papa em latim, dando a entender que os rumores da morte deste idioma eram exagerados. O TechnoAndroid, sítio eletrônico italiano que acompanha as tendências digitais, também informou que, em 2015, uma das hashtags mais usadas no Twitter foi #PapaFrancesco.
Tudo isso mostra que o estrelado do pontífice não diminuiu.
Por outro lado, a União dos Ateus e Agnósticos Racionais informou, no começo de janeiro, que a demanda para o formulário que a instituição fornece para permitir que alguém se retire oficialmente da Igreja Católica alcançou o ponto mais alto de todos os tempos no ano de 2015, com 47.726, 4% acima que o ano anterior.
A Itália reconheceu legalmente um procedimento coloquialmente conhecido de “desbatismo” em 1999, exigindo que as paróquias alterem os seus registros quando alguém submete uma carta em que pede pela remoção de suas informações dos cadernos batismais.
Esta associação ateia está crescendo em toda a Itália, abrindo recentemente uma filial em Barletta-Andria-Trani, no sudoeste do país, marcando a sexta província na qual ela se faz presente. Na terça-feira (12 de jan.), a sua filial em Ravenna protestou contra uma decisão tomada pela cidade de Russi em alocar mais de 1 milhão de dólares em fundos públicos para escolas administradas pela Igreja.
Com certeza, um número de deserções menor que 48 mil no período de um ano dificilmente pode ser considerado uma crise. Isso também com certeza não acontece apenas na Igreja Católica, sendo um mal-estar europeu geral das religiões institucionais.
A Igreja da Inglaterra, por exemplo, informou recentemente que a participação nos seus cultos alcançou o nível mais baixo de toda a história, levando o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, a refletir a respeito das dificuldades de se ministrar em uma cultura cada vez mais anticristã.
É igualmente verdadeiro que, embora o catolicismo pode estar em crise no Ocidente, o mesmo não acontece em todos os lugares. Vivemos um momento de bonança para a Igreja na África subsaariana, por exemplo, onde ela cresceu quase 7 mil por cento ao longo do século XX.
Não obstante tudo isso, a Itália é o quintal do papa e é aí onde poder-se-ia esperar que o “efeito Francisco” se fizesse mais palpável.
Em outras partes do mundo, as tentativas de encontrar evidências quantificáveis empiricamente na fé e prática católica devido ao Papa Francisco, em geral, não tiveram sucesso.
Oito meses depois da eleição de Francisco em 2013, o Pew Forum não encontrou impacto algum nos EUA, e um estudo mais recente do Pew Study descobriu que o catolicismo está perdendo mais membros no citado país do que ganhando, e isso num ritmo mais rápido do que qualquer outra denominação – tendência que o fascínio pelo papa não foi possível de deter.
A questão de fundo é que, embora as pessoas podem gostar de Francisco, isso nem sempre é o suficiente para mantê-las na Igreja ou trazê-las de volta.
Para complicar um pouco mais as coisas: para cada não católico ou ex-católico que Francisco possa vir a alcançar com o seu estilo despojado, existe um “ainda católico” que ele pode afastar.
Fomos lembrados disso nestas últimas semanas, quando no Ano Novo os italianos estiveram tuitando, mandando mensagens de textos, postando na internet uma suposta “mensagem de Ano Novo de Francisco” intitulada “Jamais desista da felicidade”. O texto continha frases do tipo autoajuda, tais como “use as suas lágrimas para irrigar a sua tolerância” e “use suas mágoas para moldar a sua paciência”.
O caso em torno desta mensagem é que ela sublinha o quão apeladora a figura do papa pode ser às pessoas e o quão ávido elas se encontram a ouvir o que ele tem a dizer.
No entanto, quando se soube que era uma brincadeira, o escritor católico italiano Bonifacio Borruso rapidamente sugeriu que Francisco não pode culpar ninguém senão a si mesmo pelo fato de as pessoas terem feito algo assim, posto se tratar do tipo de nonsense ao estilo nova era que fomos levados a esperar dele.
Tais católicos que assumem este tipo de pensamento geralmente não abandonam a Igreja, mas podem entrar em um tipo de exílio interior tão preocupante a um papa quanto as suas próprias saídas.
Com certeza, a questão fundamental de um pontífice jamais vai ser a parcela católica no mercado da fé. Conforme certa vez disse Bento XVI, ao falar sobre as perdas de fiéis às igrejas evangélicas pentecostais no Brasil: “A estatística não é a nossa divindade”.
Só para constar: dificilmente esse problema é uma novidade. São João Paulo II foi uma das figuras mais populares do planeta por quase 27 anos, mas o seu status de estrela não fez muita diferença no declínio a longo prazo dos fiéis nos países ocidentais.
Conforme certa vez disso o falecido cardeal italiano Roberto Tucci: “Tenho a impressão de que as pessoas gostam do cantor, não da música”.
Por outro lado, Francisco usou a sua homilia na Festa da Epifania, em 6 de janeiro, para pedir por um renovado espírito missionário.
“Anunciar o Evangelho de Cristo não é uma opção que podemos fazer entre muitas”, disse ele, “nem é uma profissão”. Em vez disso, anunciar o Evangelho “é a sua própria natureza”.
Claramente, ele não estava falando sobre vencer campeonatos de popularidade, mas sim em trazer as pessoas de volta à igreja.
Nesse sentido, um desafio que o pontífice pode enfrentar em 2016 é o de descobrir como o seu sinal distintivo pessoal poderá ser “remanejado”, por assim dizer, a fim de ter um maior valor missionário direto na Igreja.
Caso contrário, o dizer de Tucci sobre o dilema de João Paulo II – as pessoas acolhendo o cantor, mas não sua música – pode acabar fazendo parte da caracterização do papado de Francisco também.
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As pessoas gostam de Francisco, mas talvez não da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU