16 Dezembro 2015
Encontramo-nos com a jornalista e ativista canadense Naomi Klein em Paris, depois da aprovação do acordo intergovernamental assinado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – COP21.
A reportagem é de Beppe Caccia, publicada no jornal Il Manifesto, 15-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como você avalia os resultados dessas duas semanas de negociações?
Eu acredito que hoje chegamos a um momento esclarecedor. Não viemos aqui para rezar para que os líderes salvem o mundo, porque temos os olhos bem abertos e sabemos que o que eles trouxeram para a mesa de negociações não nos levará a qualquer solução definitiva. Há ainda uma enorme distância entre o que todos dizem que se deveria fazer para reduzir as emissões e para manter as temperaturas abaixo do aumento de um grau e meio, por um lado, e o que eles efetivamente estão dispostos a fazer, e o modo como se pretende proceder, por outro. Versão após versão, até o texto final do acordo, não há nada de decisivo sobre os combustíveis fósseis, em relação à necessidade de deixar no subsolo grande parte das reservas existentes de carvão, petróleo e gás natural. Mas as pessoas que lotaram as praças, aqui em Paris, não está chorando por isso, não está desesperada. Em vez disso, estamos bem conscientes de que devemos trabalhar ainda mais duramente. E somos nós que devemos fazer o que os políticos não querem fazer.
Apesar da situação que se criou depois dos massacres do dia 13 de novembro, dezenas de milhares de pessoas, da França e do norte da Europa, com significativas presenças do Sul do mundo e da América do Norte, deixaram clara, no sábado, a existência de um movimento planetário pela "justiça climática", talvez hoje o único movimento social de escala global. Como ele pode ser realmente incisivo?
Devemos aumentar a nossa força. E já vimos como se pode fazer isso, para ser capazes de influenciar as escolhas das multinacionais: pelas ruas, nas florestas, nos mares. Como os ativistas em caiaques que rodearam as plataformas de petróleo da Shell, forçando-a a parar as perfurações no Ártico e no Alasca, para não ver a sua imagem arruinada. Ou, no caso do oleoduto Keystone XL e de todas as linhas de tubulação ligadas à indústria extrativa das "areias betuminosas", cada trecho individual teve que fazer as contas com os fortes protestos de cada comunidade local. A partir dessas experiências, devemos ser capazes de criar coalizões cada vez mais amplas, de mudar o modo pelo qual o ativismo se apresenta para fora, de expressar a mesma variedade e diversidade que se vê nas nossas cidades e territórios. Sabíamos disso até mesmo antes, mas agora está mais claro: não temos líderes que irão agir pelo ambiente, nós é que devemos fazer isso em primeira pessoa.
A liderança deve vir de baixo, das comunidades. Praticando ações diretas.
Ações que devem se tornar visíveis, nos mercados financeiros e nos tribunais: desinvestir nas empresas que extraem combustíveis fósseis, fazer com que eles apareçam como investimentos arriscados, denunciar as mentiras e a desonestidade de corporações como a Exxon, levá-las perante os juízes, demonstrando que elas conheciam os efeitos das mudanças climáticas e que mentiram de propósito. Devemos mudar a dinâmica, enfraquecendo o poder dos interesses que estamos combatendo.
Paris foi o cenário no qual se confrontaram as escolhas políticas dos governos nacionais, o papel desempenhado pelas grandes empresas envolvidas, ao som de patrocínios (penso no papel da Total e da italiana Eni, contestadas por um protesto bem sucedido dentro do Louvre), para criarem uma nova imagem "verde", e a ação dos movimentos. Com que avaliação?
As últimas duas semanas nos ofereceram justamente o confronto com aquelas "soluções" oferecidas pelas multinacionais, que, de fato, não são soluções. E que não terão nenhum efeito real sobre as emissões. Em vez disso, continuarão enriquecendo as elites existentes, as mesmas que comercializam sementes transgênicas, a indústria nuclear, petrolífera. E também aqui usaram Le Bourget como o seu megafone, enquanto o governo francês tentou amordaçar aqueles que propunham soluções diferentes, como aqueles que lutam pela justiça energética, por uma agricultura ecológica e pelo transporte público, pela propriedade e pelo controlo das comunidades sobre as fontes de energia renováveis. Em vez disso, ouvimos falar Bill Gates e Richard Branson, enquanto colocavam uma mordaça nos protestos. Isso não serviu para nada, porque as pessoas estavam determinadas a sair às ruas de qualquer maneira. O governo francês entendeu que não podia apoiar politicamente essa escolha. E que os confrontos com a polícia no último dia da COP21 seriam um desastre para a própria imagem. Por isso, aqui em Paris, tiveram que suspendê-los, apesar da proibição de manifestar. E, provavelmente, fechar ao tráfego uma rua cheia de lojas em um sábado à tarde antes do Natal fez mais pela redução das emissões do que eles fizeram na Conferência.
Dizem-nos que estamos em um "estado de guerra". Estamos, talvez, entrando em um período de guerras por causa do clima?
As mudanças climáticas já contribuíram para desencadear a guerra civil na Síria, que tinha acabado de experimentar a seca mais terrível da sua história recente, resultando na fome que produziu migrações internas, que envolveram cerca de dois milhões de pessoas. E, quando há escassez de recursos, inevitavelmente criam-se novas tensões, que se somaram aos conflitos já existentes naquela região, causados, por sua vez, historicamente, pela luta para se apossar dos recursos energéticos. Por isso, cria-se um efeito de pinça: por um lado, o efeito desestabilizador da caça aos combustíveis fósseis, por outro, os efeitos desestabilizadores produzidos pela utilização desses mesmos combustíveis. As mudanças climáticas provocam não só um clima mais quente e a elevação do nível dos mares, mas também uma era mais cruel. Uma situação de escassez como esta só pode criar mais conflitos. Por isso, lembremo-nos sempre de que, se permitirmos o aumento contínuo das temperaturas, não teremos que fazer as contas apenas com um clima extremo, mas também com um mundo mais extremo.
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"A luta pelo ambiente deve vir de baixo." Entrevista com Naomi Klein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU