07 Dezembro 2015
Pesquisador do Instituto Evandro Chagas no Pará, Pedro Fernando da Costa Vasconcelos comprovou a relação entre o vírus e a microcefalia.
A entrevista é de Ana Lucia Azevedo, publicada por O Globo, 05-12-2015.
O médico e pesquisador Pedro Fernando da Costa Vasconcelos dedicou os últimos 35 anos à investigação de vírus. No Instituto Evandro Chagas, em Ananindeua, no Pará, onde entrou como estagiário e já foi diretor, isolou 212 tipos de vírus, o que faz dele um dos maiores conhecedores desses micro-organismos do mundo. Coube a ele e sua equipe a comprovação de que o vírus zika causa microcefalia em fetos. Até então considerado um vírus sem importância, incapaz de provocar qualquer infecção que merecesse cuidado, o zika se tornou uma ameaça à saúde pública mundial. E o fez numa velocidade tamanha que surpreende até mesmo o experiente Vasconcelos.
Eis a entrevista.
Como o senhor identificou a relação entre o vírus zika e a microcefalia?
Existia uma suspeita clínica. O que fizemos foi mostrar que a infecção por zika levou às alterações no desenvolvimento do cérebro de fetos com microcefalia. Fizemos isso em cultura de células.
Por que não se dava tanta importância ao zika?
Porque até 2013 não era considerado um vírus que valesse a pena estudar. Então começaram os casos na Polinésia Francesa, na Micronésia. E no Brasil este ano veio o grande alerta para nós e o mundo. O zika foi isolado num macaco rhesus com febre, usado como sentinela de vigilância sanitária, em 20 de abril de 1947, na Floresta de Zika, perto de Entebe, em Uganda. Ele passou todo esse tempo como um vírus de pouca importância. Até que, num instante, se tornou uma ameaça.
Por quê?
Não sabemos. Não sabemos quase nada, na verdade. Vírus podem sofrer mutações muito rapidamente. E de uma hora para outra. Como ele mudou de padrão é um mistério.
O que o preocupa mais?
A situação é terrível para um médico. Me desespera ver tantas mulheres grávidas desprotegidas e assustadas. Vemos mães em apuros e estamos com os pés e mãos atados, pois o zika é praticamente um desconhecido.
O que se pode fazer agora?
Lutar para controlar os focos de Aedes aegypti e investir pesadamente em pesquisa. Primeiro, precisamos de kits de diagnóstico rápidos, baratos e eficientes. E precisamos urgentemente conhecer melhor esse vírus para saber como combatê-lo. Temos um inimigo poderoso e completamente desconhecido. É urgência máxima.
Hoje o que se pode dizer às grávidas?
Sabemos que só uma pequena parte das infectadas com zika, que já são uma parcela pequena das gestantes, terá bebês com microcefalia. Mas qual? O que fazer com uma gestante que chega com sintomas que podem ser facilmente de dengue, zika ou chicungunha? Para dengue, podemos testar. Mas como distinguir no hospital zika de chicungunha rapidamente? Não há resposta para nada disso.
O que seu grupo faz neste momento?
Estamos na fase de conclusão do sequenciamento genético de amostras do zika que causam a forma branda da doença. Isso é importante para investigar os mecanismos básicos do vírus. E vamos agora sequenciar os genes de amostras de um feto com microcefalia no Ceará, a menina de 16 anos morta no Pará e o homem com lúpus falecido no Maranhão. Eles são fundamentais para a comparação dos vírus, ver o que apresentam de diferença. Procuramos pontos de virulência, de fraqueza. Temos que conhecer já nosso inimigo. Sabemos que o homem era claramente um imunodeprimido, mais vulnerável a infecções gerais. Mas não sabemos quase nada sobre a história clínica da menina, e a microcefalia em fetos continua igualmente misteriosa.
Por que algumas pessoas parecem mais vulneráveis?
Só uma parte pequena da população aparenta ser realmente vulnerável a complicações, num padrão como o da dengue. Mas quem? Temos que descobrir como identificar.
O que é necessário fazer?
Estudos experimentais. Testar em animais e culturas de células. Descobrir pontos fracos do zika, conhecer a evolução da doença.
Descobrir como um vírus que não fazia mal começou a matar. Isso é fundamental para identificarmos as pessoas mais suscetíveis e para que possamos desenvolver remédios para oferecer às gestantes e aos doentes. Isso também está na essência para que um dia tenhamos uma vacina. O grande desespero é que não temos condições de fazer nada disso agora. Há trâmites burocráticos. Todo esse processo é demorado. E temos uma emergência. Nós, o Ministério da Saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) trabalhamos juntos.
O vírus zika, sozinho, pode causar de microcefalia?
Não sabemos. Podem haver outros fatores.
Ele se tornou mais facilmente transmissível?
Tudo indica que sim. Mas como? Sabemos que o chicungunha sofreu apenas duas mutações que tornaram possível que fosse transmitido pelo Aedes albopictus e que se espalhasse. O chicungunha causa dores terríveis. O nome significa aquele que se curva, numa alusão ao modo de andar dos doentes.
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‘Estamos com os pés e mãos atados’, diz médico sobre zica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU