02 Dezembro 2015
Publicamos um trecho do prefácio do livro Transizione ecologica, de Gaël Giraud, banqueiro e jesuíta, economista-chefe da Agence Française.
O artigo foi publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 01-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A oito anos da eclosão da crise financeira, a economia mundial não reencontrou um equilíbrio. As medidas de austeridade fiscal impostas por Bruxelas e Berlim, com a cumplicidade de Paris, infelizmente produzem o efeito esperado: agravam a depressão do Sul, provocando o aumento da relação dívida pública/PIB.
Hoje, a União Europeia e a zona do euro em particular coincidem, de fato, com a maior experiência de privatização antidemocrática provavelmente jamais realizada no mundo.
A independência do Banco Central Europeu (BCE) acaba sendo, antes de tudo, um modo de subtrair das mãos dos Estados o poder soberano de criação monetária, para mais bem confiá-la ao setor bancário privado. E o BCE, em julho de 2015, quando privou deliberadamente os bancos gregos do fornecimento de liquidez, uma semana antes do referendo de Tsipras, tornou manifesto como o seu mandato não é tanto de vigiar a estabilidade financeira, mas sim a estabilidade política.
A Itália e a França têm as forças para se oporem à sua própria vassalização. O "plano B" que Yanis Varoufakis não pôde pôr em prática em Atenas pode ser concretizado em Roma ou em Paris. Para esse fim, é "suficiente" que cada um dos dois países ponha de pé um restrito controle dos capitais nas fronteiras e produza por conta própria a moeda que o BCE ameaçará não distribuir aos respectivos bancos.
Depois, seria o caso de que os nossos países ousassem quebrar o maior dos tabus: imprimir o seu próprio dinheiro. Certamente, não para sair deliberadamente da área do euro (ninguém sabe o que isso significa juridicamente), mas para sobreviver em uma zona do euro onde o BCE utiliza a arma da asfixia monetária para derrubar os governos que não agradam à esfera financeira privada.
Para recuperar a independência monetária, basta ter uma casa da moeda em funcionamento e fundos próprios, dentro do Banco Central nacional, equivalentes a cerca de 5% do PIB.
Um governo com a força de empunhar uma ameaça séria – como a de fechar as fronteiras e de cunhar a própria moeda, independentemente de Frankfurt – teria os meios para levar todos os países da área do euro para a mesa das negociações políticas. O objetivo? Salvar o projeto europeu.
A atual trajetória da zona do euro, de fato, talvez seja o caminho mais rápido para destruir as economias do Sul uma por uma (e, depois, inevitavelmente, as do Norte) e reacender o ódio entre os europeus. Toda a dificuldade reside em encontrar um governo capaz de tal coragem política.
Matteo Renzi parece ocupado demais em executar o programa neoliberal de privatização do trabalho para poder apenas imaginar isso. Na França, o Partido "Socialista" está preso ao legado dos social-democratas franceses que modelaram a arquitetura mundial do neoliberalismo: Delors, Lamy, Camdessus, Strauss-Kahn... O FMI, a OCDE, a OMC e a União Europeia foram todos pensado por esses "socialistas" como instrumentos a serviço de uma privatização "universal".
Hoje, felizmente, a OCDE fez a sua atualização, a OMC perdeu quase todo o poder que tinha, e a China vai acabar obrigando o FMI a se reformar. Resta a União Europeia do Tratado de Maastricht, último bastião dos aprendizes de feiticeiro dos anos 1980 e 1990. É difícil imaginar que ela possa ser posta sob investigação e reconstruída pelos herdeiros daqueles que a edificaram.
A transição energética e ecológica é o grande projeto político, econômico, social, espiritual... capaz de inspirar nos democratas italianos e franceses a coragem de dizer "não" a essa Europa. E a energia para construir outra Europa. A encíclica Laudato si', assim como o discurso do Papa Francisco aos movimentos populares em Santa Cruz na Bolívia (9 de julho de 2015) são um claro convite, não só para os católicos, mas também para todas as mulheres e os homens de boa vontade a não sustentarem mais a loucura antidemocrática de instituições europeias que desprezam a sua periferia, tanto quanto o seu ecossistema.
Os católicos, portanto, deverão fazer uma frente comum com as forças políticas democráticas que se atreverem a tomar a iniciativa de fazer da Europa a pioneira de uma sociedade descarbonizada e atenta aos mais pobres. Para salvaguardar a nossa "casa comum", a Terra. E, de modo especial, a ala europeia desta bela casa.
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Clima e Europa: agora é a vez dos católicos. Artigo de Gäel Giraud - Instituto Humanitas Unisinos - IHU