26 Novembro 2015
A crise econômica é vivida pelo Brasil há mais 30 anos, desde que abandonamos o projeto de industrialização e desenvolvimento, ainda nos anos 80. A predominância do capital financeiro sobre o trabalho e o capital produtivo, aliada a internacionalização e desregulação solapou o Estado nacional que não mais dispõe de mecanismos que possibilitem uma gestão econômica voltada para o crescimento, desenvolvimento e o pleno emprego.
Na esteira desta configuração veio também a privatização da Vale, que hoje é uma das donas da Samarco, e, com a lógica do lucro máximo a qualquer custo, o “descontrole sobre os investimentos estrangeiros na mineração” e a precarização dos serviços ambientais públicos, temos o conjunto de fatores confluentes para a tragédia das barragens.
Esta é a avaliação do entrevistado Wilson Cano, professor do Instituto de Economia da Unicamp, que vê as iniciativas do BRICS e Mercosul como positivas, mas insuficientes frente ao atual quadro, alertando ainda que “Ou nos rebelamos contra esse estado insano de coisas, ou acabaremos pior do que estamos hoje”.
A entrevista é de Rennan Martins, publicada por Carta Maior, 24-11-2015.
Eis a entrevista
Encerraremos 2015 com um encolhimento que deve ultrapassar 2% do PIB. Como chegamos neste quadro? Quais são suas principais causas?
Estamos numa crise que já conta 35 anos de idade! Não caímos apenas na passagem 14-15. Passamos pela década de 80, da crise da dívida, em que o Estado nacional foi fragilizado fortemente. Depois, na de 90, com a instauração do neoliberalismo, abriu as comportas da fragilizada economia nacional, com a liberalização comercial e financeira, a privatização e perda de vários direitos trabalhistas. Esta última, valorizou fortemente o câmbio, jogando a pá de cal sobre a indústria nacional. O pior é que não foram apenas os governos “liberais” que fizeram isso: depois de Sarney (final de seu governo), Collor, Itamar e FHC, o PT deram continuidade à política macroeconômica neoliberal, a despeito de suas progressistas políticas sociais e de uma nova postura na política externa.
O quanto o cenário internacional afeta o mercado interno brasileiro? Quanto podemos atribuir a erros de gestão governamental?
Com a queda de exportações, é claro que os setores exportadores perdem, desempregam e eduzem, portanto, a renda por eles gerada. Além do mais, tanto Lula como Dilma praticaram elevadas taxas de juros, aumentando sobremodo a dívida interna e o montante de juros pagos no orçamento federal. Hoje, eles fazem algo como 8% do PIB e cerca de 95% do deficit fiscal!
Poderia nos explicar as razões e a forma com que a crise de 2008 saiu dos países desenvolvidos e agora atinge as economias emergentes?
A predominância do capital financeiro nas relações econômicas internacionais, a política neoliberal e a globalização ampliaram sobremodo a internacionalização das grandes empresas e bancos transacionais -, sobretudo os norteamericanos-. Com a adoção das políticas neoliberais, a maioria dos países foi fortemente afetada por aquela internacionalização, que contaminou sua finança privada e pública, deteriorando suas economias.
De que maneira se estabeleceu a hegemonia dos ditames ortodoxos no campo da política econômica? Por que há tanta dificuldade em produzir novos consensos?
Para acabar de vez com o Padrão Ouro-Libra, fez-se a 1ª Guerra Mundial, para reorganizar as economias destroçadas pela grande depressão dos 30, fez-se a 2ª. guerra. Os EUA consolidaram sua hegemonia com a crise dos 70, liquidando com grande parte do socialismo e restaurando sua hegemonia do capitalismo. Como vê, não é a falta de “pactos” ou de “consensos” (aliás vivemos hoje o de Washington) que “não se arruma a casa”. Não se arruma, porque o capitalismo, com sua predominância financeira, nunca foi tão voraz e irracional, nunca criou tantos miseráveis como hoje, e nunca alimentou e realimentou tantas guerras como nos últimos 30 anos! Soltaram a fera, com a desregulamentação, agora, que se cuidem todos…
Recentemente assistimos o que pode ser o maior desastre ambiental de nossa história, falo do rompimento de duas barragens de rejeitos geridas pela Samarco, em Minas Gerais. Nosso modelo econômico teve parte nisso? Por que?
Sim, tem muito a ver com isso: privatização da VALE; descontrole sobre os investimentos estrangeiros na mineração; fragilização do Estado nacional e de seu corpo técnico de funcionários; o imbróglio das “coalizões” políticas, nas quais não se sabe de quem é a responsabilidade e a autoridade efetiva; a impunidade nos desmandos da coisa pública; a conflituosidade que atingiu o Judiciário; enfim são sequelas do desgoverno no neoliberalismo.
Que razões levaram o governo a adotar a agenda do ajuste fiscal que criticara nas eleições? Que se pode esperar caso aprofundemos a agenda da austeridade?
As razões da ingovernabilidade causada por um orçamento em que os juros da dívida perfazem a metade do orçamento federal e 95% do deficit. Não há ajuste possível, a não ser que se elimine o Bolsa Família, se feche o sistema educacional público e o de saúde pública, preservando, é claro as verbas necessárias à colossal ampliação do sistema presidiário, que deverá crescer sobremodo. Não se corta o gasto público em crises, já nos ensinaram os grandes mestres da economia..
Quais são os caminhos para que retomemos o crescimento? Que medidas imediatas você sugeriria?
Não se pode aplicar nenhuma política macroeconômica de crescimento, quando se está atado a Acordos Internacionais que nos imobilizam: pouco ou nada podemos fazer com nossa indústria, para protegê-la das importações, pois estamos atados à OMC; nossos Bancos Públicos tiveram seus graus de liberdade de ação pública restringidos pelo Acordo de Basiléia. Ou nos rebelamos contra esse estado insano de coisas, ou acabaremos pior do que estamos hoje. Nosso agrupamento ao BRICS e ao MERCOSUL são duas coisas boas e importantes, mas insuficientes para corrigir a rota perdida.
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'Estamos numa crise que já conta 35 anos de idade!' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU