06 Novembro 2015
O multiculturalismo e a situação dos imigrantes estão em pauta na Europa há alguns anos. O cinema tem refletido sobre o assunto, de maneira insistente até, há mais de uma década. Dheepan O Refúgio, que estreia hoje nos cinemas, é um dos melhores e mais controversos filmes sobre o tema. Chega no momento em que fatos e fotos, como a do menino sírio encontrado morto em uma praia turca deram ao debate uma projeção que ele ainda não havia atingido.
O comentário é de Daniel Feix, crítico de cinema, em artigo publicado por Zero Hora, 05-11-2015.
Entretanto, se você viu os longas anteriores do diretor francês Jacques Audiard, sabe que não deve esperar um ensaio humanista convencional. Em O Profeta (2009), o cineasta usou conceitos explorados nos filmes de máfia para falar sobre a criminalidade nos guetos islâmicos. Em Ferrugem e Osso (2012), o corpo mutilado de uma treinadora de orcas e a violência das lutas de rua serviram de metáfora para discutir as tensões entre as classes sociais em meio à crise econômica. Dheepan é um drama, mas também um filme de ação. Narra a tragédia e, ao mesmo tempo, a redenção pela violência dos refugiados que conseguem deixar para trás a insana guerra civil do Sri Lanka para tentar uma vida melhor em Paris.
A trama começa com uma mulher (Kalieaswari Srinivasan) atrás de uma criança em um cenário de total destruição em seu país de origem. Em seguida, ela, um ex-guerrilheiro dos Tigres de Libertação da Pátria Tâmil (Jesuthasan Antonythasan) e uma menina (Claudine Vinasithamby) que nunca se viram antes recebem passaportes que os permitirão assumir novas identidades e, com elas, mudarem-se para a França. O trauma do trio não é pequeno: eles perderam todos os seus familiares na guerra.
Dheepan é o – novo – nome do homem. Nenhum dos três fala francês. No caso dele, o bloqueio da língua ajuda a evidenciar a personalidade introspectiva e sua falta de sociabilidade. A narrativa, bastante fluida, os conduz a um condomínio de periferia dominado pelo tráfico, no qual o protagonista atuará como zelador. Yalini, a mulher, logo consegue emprego cuidando de um sujeito doente, familiar de um capo do crime no local. Illayaal, a garota, passa a frequentar a escola, espaço igualmente transformado em território hostil – para quem é de fora, claro.
Como os mestres franceses, Audiard ama o cinema de gênero – e domina sua técnica como poucos realizadores contemporâneos. No terço final, trata de fazer explodir a violência que, até então, era vista em momentos isolados ou apenas sugerida quando dificuldades se apresentavam e o trio, sem saber como reagir, internalizava suas angústias. Viver a vida dos outros, com a família dos outros, exigia um preparo do qual eles não dispunham, por assim dizer.
É aí que Dheepan envereda pelo caminho da polêmica. Quando o filme ganhou o prêmio mais cobiçado dos festivais – a Palma de Ouro em Cannes –, em maio passado, seus detratores abriram fogo comparando essa explosão de Dheepan, o protagonista, à jornada de personagens como Rambo e à figura de atores como Charles Bronson. Faz sentido, mas não do ponto de vista pejorativo: as sequências de ação são as mais bem filmadas dos últimos tempos (não deixe de ver no cinema, à frente da tela grande e com som apropriado) e funcionam como uma poderosa alegoria das ínfimas possibilidades de volta por cima dos refugiados das guerras do Terceiro Mundo em terras europeias nestes tempos de intolerância.
Só sendo super-herói, parece dizer Audiard.
Dheepan - o refúgio
Ficha técnica
• Nome: Dheepan - o refúgio
• Nome Original: Dheepan
• Cor filmagem: Colorida
• Origem: França
• Ano de produção: 2015
• Gênero: Drama
• Duração: 109 min
• Classificação: 12 anos
• Direção: Jacques Audiard
• Elenco: Anthonythasan Jesuthasan, Kalieaswari Srinovasan, Claudine Vinasithamby
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"Dheepan" é um ensaio poderoso sobre os refugiados na Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU