Por: Jonas | 05 Novembro 2015
O Papa “está amargurado”, ainda que convencido de que se deve “seguir adiante, com serenidade e determinação”, após a divulgação do denominado Vatileaks, que determinou a prisão de um prelado espanhol e de uma assessora amiga de Francisco, depois liberada.
A reportagem é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 04-11-2015. A tradução é do Cepat.
E não poderia ser de outra forma, a partir das revelações dos dois livros que estarão à venda amanhã, na Itália – ‘Via Crucis’, de Gianluigi Nuzzi, e ‘Avarizia’, de Emiliano Fittipaldi –, em meio a um clima dos mais rarefeitos e embaçados.
Com documentos vazados de maneira “non sancta” e até com gravações do Papa feitas secretamente, de acordo com algumas antecipações, os livros não atacam Francisco, mas apresentam a persistente resistência da Cúria Romana que é contrária à limpeza e à política de transparência e austeridade que o Pontífice colocou em marcha.
“Os gastos estão fora de controle”, disse Francisco, alarmado, segundo uma gravação clandestina realizada no dia 3 de julho de 2013, no Vaticano, que aparece no livro ‘Via Crucis’, segundo revelou o jornal ‘Corriere della Sera’. “É preciso esclarecer melhor as finanças e torná-las mais transparentes”, acrescentou o Papa, que advertiu que era necessário analisar detalhadamente os contratos, pois muitas vezes conta com “artifícios” e que, antes de qualquer compra, é preciso pedir “ao menos três orçamentos”.
Nunca imaginava que essa conversa com pessoas de confiança terminaria em um novo Vatileaks, que sacode o seu pontificado.
No livro de Nuzzi não só há gravações de conversas privadas. Há documentos que detalham as batalhas enfrentadas por Francisco para conseguir transparência no centro do poder administrativo da Igreja Católica, sob suspeita de irregularidades durante décadas.
Um documento com timbre da Secretaria de Estado, reproduzido no livro, por exemplo, rejeita um pedido de relatórios, feito pela comissão formada por Francisco para analisar as finanças do Vaticano, a respeito do destino do Óbolo de São Pedro (o dinheiro doado pelos fiéis ao Papa), cujo 79,4% serviriam para manter a Cúria Romana, segundo Nuzzi.
O secretário dessa comissão, depois dissolvida, o prelado espanhol Lucio Ángel Vallejo Balda, e uma integrante da mesma, sua amiga Francesca Immacolata Chaouqui, foram os dois “corvos” presos pela gendarmaria do Vaticano, no fim da semana passada; ela foi liberada por colaborar.
Em uma carta do titular da comissão ao Papa, o economista maltês Joseph Zahara, fica claro o obstrucionismo da velha guarda, que não quer ceder poder e nem privilégios. “Lamento comunicar-lhe que a comissão não pode completar a posição financeira da Santa Sé em razão da falta de dados”, escreve Zahara.
A mesma resistência à mudança, desmandos, esbanjamentos e riqueza escandalosa, graças a um patrimônio imobiliário avaliado em 400 milhões de euros, aparecem no livro ‘Avarizia’.
Segundo uma nota assinada por seu autor, o jornalista Emiliano Fittipaldi, no jornal La Repubblica, apesar das tentativas de limpeza de Francisco, “o dinheiro da caridade é gasto pelos monsenhores”. E parte do dinheiro doado às crianças enfermas, atendidas no renomado Hospital Bambino Gesù, do Vaticano, foi usada para pagar os 200.000 euros de reformas do novo ático no qual vive o cardeal Tarcisio Bertone, ex-secretário de Estado, no Palácio San Carlo.
Em uma espécie de déjà vu do Vatileaks I, que marcou o último momento do pontificado de Bento XVI, Nuzzi afirmou que as fontes que lhe passaram os documentos agiram desse modo “para ajudar o Papa”.
“Disseram que agiram pelo bem do Papa. Estão dizendo estupidezes. Acredito que o processo de renovação do Papa causa medo”, replicou Nunzio Galantino, secretário geral da Conferência Episcopal Italiana.
Diferente da época de Bento XVI, quando o mordomo do Papa, Paolo Gabriele, um peixe pequeno, tornou-se o grande culpado, agora, a gendarmaria quer ir ao fundo da questão, por ordem direta de Francisco. “Acabo de ver o Papa. Suas palavras textuais: vamos adiante, com serenidade e determinação”, tuitou Angelo Becciú, substituto da Secretaria de Estado do Vaticano.
Em relação à “estranha parceria” de Vallejo Balda e Chaouqui, suspeita por alguns até de ser amantes, segue a pista de vingança. Teriam vazado os documentos para se vingar do fato que o Papa os excluiu da Secretaria de Economia, criada assim que a comissão foi dissolvida. Enquanto Vallejo Balda, ontem, continuava na mesma cela utilizada por Paolo Gabriele, três anos atrás, Chaouqui, liberada por colaborar, saiu clamando sua inocência pelo Twitter e Facebook. A mulher de 33 anos, que está grávida, escreveu: “Não sou um corvo, não trai o Papa. Nunca dei papel algum para alguém. Para ninguém”.
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Francisco, “amargurado” por um escândalo que cresce cada vez mais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU