Por: Cesar Sanson | 03 Novembro 2015
O ajuste fiscal, atualmente em curso no Brasil, está reduzindo a demanda interna, desaquecendo a economia e produzindo muitos desempregados, representando um desastre para o país. A avaliação é do economista Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária, que esteve em Porto Alegre no início da semana, participando de um debate na Assembleia Legislativa.
Em entrevista ao Sul21, 02-11-2015, Singer analisou o atual momento político do país e interpretou a guinada na política econômica do governo Dilma Rousseff como uma tentativa de “agradar a burguesia para ver se ela interrompe a greve de investidores” que puxou o freio da economia. O economista torce para que a estratégia funcione, mas adverte para o custo e os efeitos da mesma: “a cada ano produzimos menos e, agora, começamos a produzir muitos desempregados”.
Eis a entrevista.
Qual sua avaliação sobre a política de ajuste fiscal atualmente em curso no Brasil?
Quando a presidenta Dilma tomou posse para iniciar o seu segundo mandato, ela fez uma volta de 180 graus sem nenhuma explicação. Até onde eu percebo, os únicos que entenderam por que era preciso fazer o ajuste fiscal foram os banqueiros. Os banqueiros são os únicos que acham que o ajuste fiscal é fundamental. Esse ajuste fiscal está sendo um desastre para o país. A cada ano produzimos menos e, agora, começamos a produzir muitos desempregados. Sinceramente, eu esperava que houvesse ao menos no PT alguma discussão sobre o ajuste fiscal para ver que sentido tem isso e quais são as consequências.
Não é absolutamente verdade que nós estamos com um enorme rombo nas contas públicas. Isso é tudo invenção da imprensa mais reacionária. Não há rombo nenhum. Todos os países têm dívida pública, Estados Unidos, Inglaterra, Japão, China e assim por diante. Os governos precisam de dinheiro mais do que arrecadam e, assim, criam uma dívida pública pela qual eles pagam juros. Dívida pública não se paga. A dívida pública dos países que participaram das guerras mundiais não poderia ser paga nem em um século. Ela é enorme.
O ajuste fiscal só tem razão de ser para os banqueiros. Hoje, no Brasil, é um bom investimento você comprar o chamado tesouro direto. Você compra valores da dívida pública e ganha um certo juro, que é o juro da Selic. Para isso não é preciso fazer ajuste nenhum. Essa dívida pública pela qual já se paga é grande. Do jeito que as coisas estão, com a economia produzindo cada vez menos, não vai terminar de pagar nunca e não é para pagar mesmo.
Pelas manifestações da presidenta Dilma, eu deduzo que ela está querendo ver se faz a economia brasileira crescer. Sendo o Brasil um país capitalista, para que ele possa crescer é preciso que a burguesia faça investimentos. Se a burguesia não gosta do governo – e no caso brasileiro tem todos os motivos para não gostar -, ela não investe. Há uma expressão para isso, que não fui eu que inventei e já foi usada várias vezes: greve de investidores. É uma greve suicida. Imagine um fabricante ou um dono de uma cadeia de lojas que ganhou dinheiro, teve lucro e decidiu deixar esse dinheiro no banco, sem investir para ampliar sua atividade. Daqui a pouco entra alguém no mercado e tira a sua freguesia. A greve de investidores não pode demorar muito, pois acaba atingindo os próprios capitalistas.
Está ocorrendo hoje uma greve de investidores no Brasil?
Sim. Está ocorrendo desde que a Dilma assumiu o segundo mandato. Aliás, no primeiro mandato dela já não houve investimentos e o crescimento ficou na casa do 1% ao ano.
Alguns defensores da atual política econômica citam também mudanças no cenário internacional que teria se tornado mais adverso para o Brasil. Na sua opinião, essa associação é pertinente?
Para mim isso não faz nenhum sentido. O Brasil não tem dívida pública externa. Pelo contrário, temos bilhões de dólares no Fundo Monetário Internacional. A situação econômica mundial está ruim para os outros, não para nós. Qual é o problema para o Brasil? Se tivéssemos uma dívida como a Grécia e os credores estivessem exigindo pagamento, aí a história seria outra. Mas nós não temos. A nossa dívida é em reais e os portadores dessa dívida são cidadãos brasileiros.
A queda no preço de algumas commodities, como no caso do petróleo, não representa um problema para a economia brasileira?
Sim, mas não é um problema só para a economia brasileira e sim para todos os produtores de commodities no mundo. Nós tivemos um período onde os preços das commodities estavam em alta porque a China estava crescendo e comprando esses produtos feito louco. A China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil e isso foi muito bom. Mas agora a China está crescendo muito menos, em torno de 7% ao ano. Chegou a crescer 11%. Mas 7% ainda é relativamente alto na atual situação mundial.
A nossa moeda se desvalorizou muito porque os nossos investidores, ao invés de aplicar dinheiro na nossa economia, compram dólares. Então, o dólar acaba se valorizando, mas isso é pura especulação. Na verdade, isso acaba favorecendo o Brasil pois, na medida em que o real vale um quinto de um dólar, nossos produtos ficam mais baratos. A indústria brasileira já está exportando um pouco mais do que exportava antes.
Eu sou economista, mas não sou especialista nisso. Mas, por tudo o que sei, um país que tem estocado algumas dezenas de bilhões de dólares no Fundo Monetário Internacional, tem qual problema no cenário externo exatamente? Nós temos um problema interno, que são um milhão e quatrocentos mil desempregados e a economia crescendo para trás. A cada ano estamos produzindo menos do que no ano anterior. Isso sim é um problema, mas não tem absolutamente nada a ver com a economia mundial, pelo menos até onde eu sei.
O senhor tem participado de algum debate ou conversa com integrantes do governo ou dentro do PT?
Não. No PT não se discute nada disso, infelizmente. Tenho falado sobre esse tema com jornalistas, nada mais do que isso. A minha posição não é única. Tem muita gente dizendo o que estou dizendo, mas fui um dos primeiros a dizer o que estou repetindo aqui.
A que atribui esse giro de 180 graus que mencionou a respeito da posição da presidenta Dilma?
Atribuo ao que ela própria diz e ela está sendo sincera. A presidente espera com essa política, que, na minha opinião, não é nada boa para a classe trabalhadora, agradar a burguesia para ver se ela passa a investir e interrompe a greve. A verdade é que a burguesia brasileira não gosta nem um pouco da Dilma, tanto assim que quer ver se consegue afastá-la com o impeachment. Ela foi um tanto agressiva no primeiro mandato. Não esqueçamos que ela baixou os juros dos bancos públicos para obrigar os bancos privados a cobrar menos. Os banqueiros não perdoam isso. Ela está procurando agora se redimir junto à classe dominante para ver se eles voltam a investir e a economia volte a crescer. Essa é, para mim, a lógica da atual política econômica.
Isso não é traição a nada. Se ela conseguisse fazer com que a burguesia brasileira voltasse a investir nós não teríamos nem a recessão nem o desemprego. O efeito disso que está sendo feito aparece em algumas entrevistas. Uma que me impressionou muito foi a do Klabin, um dos maiores fabricantes de papel do Brasil, publicada na Folha de S. Paulo. Ao ler essa entrevista, pensei: “Uai, a política dela está dando algum resultado”. Foi uma entrevista elogiosa a Dilma. Estou torcendo para que seja um sinal de que tudo vai melhorar.
Em 1980, a indústria representava cerca de 34% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Hoje, representa apenas cerca de 9%. Qual é, na sua opinião, o impacto desse processo de desindustrialização na economia brasileira?
Tenho a impressão de que falar em desindustrialização é um pouco exagerado. Agora, se você comparar a indústria com a agricultura o contraste é enorme. O Brasil é hoje o maior exportador de alimentos do mundo e o agronegócio ganha muita força econômica e política com isso. Já a indústria brasileira não é exportadora e está voltada fundamentalmente para o mercado interno. A política de ajuste fiscal certamente prejudica a indústria porque há menos demanda. O governo arrecada, em média, algo em torno de 37% do PIB. Se ele não gasta, e é isso que é o ajuste fiscal, isso é um desastre e resulta em recessão.
Estes 1,4 milhão de desempregados não foram de graça. Eu não posso nem achar ruim com os caras que mandaram embora. Se eu for um industrial, comerciante ou fazendeiro, seja o que for, se eu não conseguir vender o que meus trabalhadores produzem, o que vou fazer? Não terei como seguir pagando os salários deles. A indústria está sem mercado, é isso que está acontecendo. Agora, com o dólar alto, está exportando um pouco mais, mas ela não é uma grande exportadora.
Foto: Caroline Ferraz/Sul21
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
‘O ajuste fiscal está sendo um desastre para o país’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU