03 Novembro 2015
Dois terços dos bispos no Sínodo estão com o Papa Francisco, ao qual confiam a determinação concreta da reviravolta pastoral sobre a família e o seu papel dentro da Igreja. É o início de um grande aprofundamento da experiência matrimonial, com um sincero discernimento dos bispos e com a liberdade evangélica de Francisco.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 29-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Depois de todas as hesitações, as discussões, os medos, as tramas, os entusiasmos, os tropeços, as intrigas, as aberturas e os retrocessos, os resultados dessas três semanas de "caminho sinodal" parecem mais expressivos do que se podia esperar. Em primeiro lugar, sobre toda a Relatio, formou-se uma "maioria qualificada", embora esse objetivo, certamente decisivo, significou o sacrifício de algumas temáticas importantes (nenhuma referência explícita à comunhão para as "famílias irregulares", nenhuma referência de verdade para os casais "homossexuais", nem à relação entre a "lei" e "consciência").
Em segundo lugar, o documento, mesmo com os limites de "conteúdo" que já indiquei, recupera muito em termos de linguagem, de estilo e de abordagem: encontra o registo certo para anunciar, acima de tudo, a "misericórdia".
Enfim, como tinha acontecido também no ano passado, o discurso conclusivo do Papa Francisco deixa claro, com lucidez extrema, quais serão as prioridades que decorrerão desse "caminho comum" recém-concluído, mas que ainda deve ser desenvolvido e determinado.
Eis uma série de "elementos" de avaliação do Sínodo, começando pelo documento a que ele chegou (na sua não definitividade).
O texto e o seu contexto
Certamente, não é necessário subestimar o texto aprovado no fim do Sínodo, mas também não se deve superestimá-lo. Trata-se, é bom lembrar, de uma série de 94 proposições, certamente ordenadas de modo estrutural, mas que servirão de "base" para a elaboração do texto magisterial que, uma vez publicado, de fato, irá tomar o lugar do texto sinodal, com outra autoridade.
Por isso, se avaliássemos o texto como "definitivo", iríamos ao encontro de um equívoco: ao contrário, ele teve uma tarefa dupla: comparar as diversas culturas e tradições eclesiais diante dos desafios que a família sofre e lança à cultura de hoje; preparar um "consenso difuso" para sustentar uma obra de renovação e de "conversão" da pastoral familiar.
O tom sereno e construtivo
Muito trabalharam os Padres sinodais para "encontrar o tom certo": um dos méritos desse Sínodo foi justamente o de não querer chegar a uma "normativa disciplinar" – muito difícil de se construir de modo consensual. Preferiu-se, ao invés, elaborar uma linguagem do encontro e da misericórdia, em vez de uma linguagem do juízo e da condenação.
A lição do Concílio Vaticano II – relançada pelo Papa Francisco – transmitiu aos Padres sinodais o desejo de tratar da "forma", ao menos tanto quanto do "conteúdo". Essa escolha determinou uma tendência de levar para o primeiro plano a atitude a ser favorecida, antes que o conteúdo a ser definido.
Portanto, em diversos casos, o tom "polido" e "conciliador" não pôde registrar senão uma parte dos "temas". A busca de um amplo consenso elevou o volume dos relatórios e abaixou o das questões candentes.
As resistências e as omissões
No entanto, houve resistências, talvez até mais fortes do que se pensava. Cartas de protesto dirigidas ao papa, sobre cujo texto e sobre cujos signatários não há certezas, mas que queriam exercer uma "pressão preventiva" sobre os trabalhos do Sínodo, contestando o seu mérito e o seu método.
Chegou-se a difundir notícias falsas sobre um (inexistente) "tumor no cérebro do papa". Isso significou que o nível de "medo" da mudança tinha atingido um nível crítico. O melhor comentário sobre tudo isso veio do cardeal Montenegro, que lembrou um provérbio romeno: "Quando a caravana começa a se mover, os cães começam a latir".
Alguns casos exemplares: relações homossexuais e comunhão aos divorciados recasados
Não há dúvida de que, na história do Sínodo anterior de 2014, a gestão de assuntos delicados – principalmente dos casais divorciados recasados e dos casais gays – tinha criado resistências e oposições, que tinham se traduzido em um número de votos contrários mais alto do que o esperado.
Porém, é paradoxal que, no texto aprovado hoje por grande maioria, de fato, algumas questões-chave foram literalmente "obliteradas": a homossexualidade parece dizer respeito à família apenas quando toca "alguém da família": ou seja, o caso em que um filho, um irmão, um tio manifestam uma orientação homossexual. Mas sobre a "relação homossexual de casal" não se diz uma palavra.
Comportam-se do mesmo modo nos parágrafos muito delicados relativos à condição eclesial dos "divorciados recasados". A questão que parecia decisiva – ou seja, a "comunhão aos divorciados recasados" – nunca foi mencionada. Gira-se em torno do tema, com reiterada insistência, mas sem jamais evocá-lo literalmente.
Repito: tudo isso pareceria ser uma "oportunidade perdida" se não levássemos em conta a "provisoriedade estrutural" da Relatio. Era mais importante criar as condições de um consenso mais amplo, em vez de levantar todas as questões teóricas e práticas e correr o risco da divisão!
A liberdade do papa como "ministério eclesial"
Parece-me que uma "divisão do trabalho" como a que vimos durante o Sínodo raramente se possa ver, não só em nível eclesial. Enquanto a assembleia elaborava estratégias do debate, de criação do consenso, de mediação linguística e cultural, o seu presidente fazia duas coisas essenciais: estava à escuta de todos e relançava profeticamente o trabalho e o projeto, com base na categoria de "misericórdia".
Se a família manifesta a "misericordia Dei" do modo mais alto, como podemos compreendê-la apenas nas categorias dos direitos e dos deveres? Essa pergunta, em mil variações, ressoava nos discursos de abertura e de encerramento, mas também ecoava de Santa Marta e, cotidianamente, de toda ocasião em que o papa tomava a palavra.
Os bispos falaram com a prudência da cautela; o papa, com a liberdade da profecia. Os primeiros tinham que fazer análises; o segundo continuamente encorajava a fazer sínteses. Os primeiros, em alguns casos, teriam desejado ainda mais tempo, comissões, procedimentos, cautelas... o segundo queria correr pela estrada, familiarizar-se com as famílias, tocá-las e deixar-se tocar. Quase nunca houve dura contraposição: quando não "in re", ao menos "in spe".
A questão fundamental: a diferença entre família e matrimônio
O Sínodo que "se superou" na disciplina das bodas cristãs, abrindo o caminho para um repensamento das práxis com que se abordar as crises matrimoniais, teve que assumir um problema eclesial muito maior e espinhoso: ou seja, a pretensão de não perder monopólio da sexualidade ordenada à vida unida, indissolúvel e fecunda.
Desde que o Estado moderno "requisitou" a competência sobre o matrimônio, a Igreja muitas vezes reagiu de modo apenas institucional, exibindo uma competência original e inoxidável sobre o "sacramento-contrato". Essa história, de dois séculos de duração, ainda influencia pesadamente sobre o modo de abordar as questões individuais: não raramente, ao lado do "pastor", sempre apareceu um "farmacista" à espreita, com a sua balança. Muitas vezes na mesma pessoa!
Aceitar que haja uma "diferença" entre família e matrimônio é, para essa mentalidade clássica, o começo do fim. O Sínodo nos disse que os "pastores" prevaleceram sobre não poucos "farmacistas", além de alguns "lobos". Para inúmeros Pastores presentes no Sínodo, essa reviravolta foi não um trágico fim, mas um início promissor.
O que será amanhã?
Apenas encerrado o Sínodo, um jornalista perguntou a alguns párocos o que eles fariam no dia seguinte. A prudência prevaleceu, com justiça. Isso permitiu que o jornal colocasse como título: "Párocos freiam a comunhão aos divorciados recasados". Pela forma como um Sínodo é concebido, é totalmente razoável que toda "mudança da disciplina" seja cuidadosamente preparada pela autoridade competente.
A Relatio nos dá alguns critérios de fundo, mas que deverão ser, por sua vez, traduzidos e assumidos pelas comunidades individuais, através de uma adequada mediação magisterial e pastoral.
Eis algumas perguntas que deveremos enfrentar nos próximos meses:
Algumas perguntas abertas
a) Familiaris consortio e a diferença entre comunhão eclesial e comunhão sacramental
Propriamente, a diferença entre comunhão eclesial e comunhão sacramental, que foi introduzida corajosamente pela Familiaris consortio, quando afirma que os divorciados recasados "não estão separados do Corpo de Cristo", inaugura aquela tensão a que tenta responder o documento sinodal, ainda que apenas parcialmente.
Se a "brecha" entre as duas formas de "comunhão" era máxima em 1981, hoje parece reduzida e redimensionada, mas ainda não preenchida. A cada grau que se adquire como compatível com a condição de divorciado recasado, torna-se cada vez mais difícil excluir o coroamento eucarístico da comunhão eclesial.
Se um divorciado recasado pode ser catequista, como pode não chegar à comunhão eucarística? Mas, por outro lado, se um divorciado for considerado como externo à comunhão sacramental, como ele poderá ser catequista, sem complexos de inferioridade?
b) Foro externo, foro interno: e o "foro íntimo"?
Até hoje, o único modo para "julgar" a condição dos divorciados recasados era recorrer ao procedimento canônico de reconhecimento e declaração de nulidade do vínculo. Isso ocorria – e ainda ocorre – "no foro externo".
Hoje, é possível que, dada a validade do primeiro matrimônio, se possa ser acompanhados em um caminho de integração eclesial que não exclui a comunhão eucarística, sem pôr em discussão o vínculo original. Isso ocorre "no foro interno", na confissão.
Mas tudo isso não bastará. À lógica objetiva do vínculo, parece colocar-se ao lado, quase paralelamente, uma lógica subjetiva dos indivíduos, cujos novos vínculos não parecem ter uma visibilidade e uma reconhecibilidade. O corretivo que o "foro interno" introduz no sistema é útil e necessário, mas não será suficiente.
A história das consciências e das liberdades em comunhão é muito mais complexa e mais íntima do que a abstração jurídica que compõe "elementos objetivos" com "causas subjetivas". A misericórdia precisa de outras linguagens e de outras dinâmicas.
Será preciso trabalhar sobre esse "foro íntimo", afinando as categorias para se interpretar e disciplinar as vivências eclesiais.
c) Caminho penitencial e caminho eucarístico: ainda são possíveis?
Ainda prevalece uma leitura estática da vida: o foro externo e o interno são "firmes" em vez de "em movimento". Se o Sínodo desbloqueou o sistema, "ultrapassou" a tradição, hoje deveria estar muito claro que penitência e eucaristia não são apenas a lógica do ato formal de absolvição e de consagração, mas a lógica do processo ritual e existencial de encontro com a Palavra e o sacramento.
Como dizia Carlo Maria Martini, nós devemos saber "inverter a pergunta". Não se trata de fazer com que os divorciados tenham acesso à eucaristia depois do limiar penitencial, mas de fazê-los entrar em uma elaboração penitencial e eucarística da sua identidade. Na penitência e na eucaristia, muda-se "com o tempo".
A nova consideração dos divorciados recasados nos leva, em última instância, a uma nova oferta, a todo o povo de Deus, de um renovado frescor penitencial e eucarístico. O problema da "comunhão" para os divorciados recasados não é "receber a hóstia", mas "ver reconhecida e valorizada" a comunhão que vivem.
Sobre essas "perguntas abertas", se medirá a discussão e a experiência eclesial dos próximos meses: a menos que Francisco não nos surpreenda mais uma vez, "jogando com antecipação" já em algumas semanas, talvez em torno do limiar jubilar. Quem poderia excluir isso?
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O Sínodo: o texto e o evento. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU