29 Outubro 2015
Jimmy Morales anda cansado. Na noite anterior ganhou as eleições presidenciais da Guatemala e desde esse momento a vertigem do triunfo o acompanha. “Na próxima vez tentarei fazer com que tudo seja mais leve”, brinca. De terno azul, gravata de listras e camisa branca, sentou-se com gosto em uma poltrona larga e espera amável as perguntas. Nas respostas, o líder antissistema, o furacão que, começando do nada, derrubou os partidos tradicionais e sacudiu a América Central, manterá um tom comedido, suave. A campanha passou e agora lhe cabe governar.
A entrevista é de Jan Martínez Ahrens e José Elías, publicada por El País, 27-10-2015.
Eis a entrevista.
Considera-se antipolítico?
Antipolítico talvez não, porque, se assim fosse, não estaria na política. Mas anticlasse política, sim.
E como vai mostrar isso sendo chefe de Estado?
Lutando contra a corrupção. Há no sistema focos contaminados em demasia, podridão demais.
Onde o senhor se situa no arco político?
Sou de centro e nacionalista. Talvez centro-direita porque acredito muito no desenvolvimento econômico por meio da empresa. Mas, também, em que todos os impostos arrecadados devam ser investidos em educação, saúde, segurança, justiça e infraestrutura.
Mas na lista de seus princípios os três primeiros são: temor a Deus, pátria e honra. Isso soa muito conservador.
A Guatemala é conservadora. No total, 93% da população guatemalteca é fortemente cristã e quase a metade é evangélica, vai três ou quatro vezes por semana à Igreja.
Coloca Deus acima de tudo?
Eu, sim.
Acima das leis?
Como Jimmy Morales, definitivamente sim. Mas como presidente da República estou obrigado a respeitar a lei acima de todas as coisas.
O senhor rejeita o casamento homossexual. E a homossexualidade?
Tenho fundamentos cristãos, mas acredito na liberdade de consciência. Cada um tem o direito de acreditar e fazer o que sua liberdade lhe permita sem ofender o direito de outra pessoa.
E quanto ao aborto?
A vida existe desde a concepção e é preciso respeitar o direito à vida. Mas entendo a discussão sobre casos extremos como a violação de uma menina ou o risco para a mãe.
Que problema lhe parece mais grave: violência, pobreza, narcotráfico ou corrupção?
Corrupção.
Por quê?
Porque é o motivo pelo qual estou na política, e seu combate é minha proposta de campanha. Se conseguimos sanar os problemas de corrupção que existem na Guatemala, teremos recursos para combater o narcotráfico e para prover segurança.
Para muita gente o senhor é um enigma. Não tem experiência em cargos públicos.
É possível e não seria a primeira vez na Guatemala. Mas vou lhe falar do meu caso. Nunca estudei arte nem interpretação nem direção de cinema nem produção. Simplesmente a experiência e a vida foram me conduzindo. E realizei projetos com sucesso. Tenho sido uma pessoa com liderança. A própria campanha é uma prova. Com poucos recursos conseguiu-se uma liderança genuína.
E sem a primavera de descontentamento, acha que teria conseguido ganhar?
Estaríamos falando de algo que não aconteceu.
E como hipótese?
E se Adão não tivesse pecado, estaríamos no Jardim do Éden? Não se sabe. As suposições não conduzem a nada.
Está ciente de que ganhou pelo voto de protesto?
Ganhei pelo voto de protesto e pelo voto de fé. Há uma porcentagem muito alta de eleitores de 18 a 23 anos que foram às urnas pela primeira vez e confiaram em alguém que viram pela televisão. Falaram de mim como comediante, e é verdade, mas também sou um moralista. Há um voto de esperança, de gente que acreditou em mim, de pessoas que me veem próximo a elas, que sabem que, ao contrário da classe política, não nasci em berço de ouro e que o pouco que tenho foi suado.
Fizeram-lhe ofertas tentadoras na campanha?
Sim.
Quem?
Muitos.
E o que lhe ofereceram?
Dinheiro.
E o que o senhor lhes disse?
Que não.
E vai denunciá-los por lhe terem oferecido dinheiro?
Não, porque não fizeram nada ilícito. Mas não acredito que me ofereceram o dinheiro por eu ser boa gente.
Pode haver outros Jimmy Morales na América Central?
Não gostaria de gerar tanta expectativa em Jimmy Morales. Ele não é a mudança. É um elemento a mais. Dar-lhe essa preponderância é exagero.
Qual será sua primeira medida quando assumir o poder em 14 de janeiro?
Lutar para conseguir que os hospitais tenham medicamentos.
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Jimmy Morales: “Ganhei pelo voto de protesto e pelo voto de fé” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU